Sociologia: O Que É Uma Escola Justa?

A questão étnico-racial na escola a partir das teorizações sociológicas de François Dubet

(resenha)

Ao nos depararmos com o veloz encurtamento das fronteiras sociais no mundo advindas de avanços globais das tecnologias encontramos concomitantemente um choque

cultural muito intenso por parte das diferenças étnicas, financeiras e culturais. Com isso, essa ampla diversidade trará consigo um germe de desigualdades sociais

ao submeter indivíduos a exclusões em várias camadas do meio social. Segundo Dubet, essas desigualdades podem ser pensadas em sua característica de natureza dupla

de modo a ampliar-se enquanto a sua outra face se reduz; este é um fenômeno complexo que carece um entendimento de suas origens. A primeira característica parte

do surgimento das sociedades modernas pautadas no então princípio da "igualdade" trazidas pelo movimento iluminista no contexto da revolução francesa aonde se "excluem"

privilégios anteriormente pertencentes a uma dada família em virtude do seu nascimento na tradição, ou seja, as desigualdades anteriormente aceitas e justificadas

pelo tradicionalismo agora ganham um caráter estatutário convertendo-se então em "desigualdade justa". Os indivíduos são proprietários dos mesmos direitos que o

"igualam" no que diz respeito ao acesso a instituições sejam elas escolares, trabalhistas, culturais e etc ("as desigualdades pré modernas continuam a se reduzir

e a aspiração à igualdade de oportunidades e direitos se fortalece").

Entretanto, emerge nesse cenário um outro tipo de desigualdade configurado nas divisões das classes sociais; se antes famílias privilegiadas, agora classes dominantes.

Esta transformação na estrutura social, tendo como base o modo de produção, segundo o autor, ativou e exacerbou as diferenças sociais em função do sexo, da idade,

do capital escolar ou da origem étnica ("acrescentou-se outras desigualdades, fazendo com que as pessoas vivam vários processos desiguais simultaneamente").

Isto posto, podemos então adentrar nas análises a respeito de questões de gênero, etnia, classes, enfim, uma série de desigualdades que se

proliferam diante de um novo contexto econômico, social e cultural. O que o autor nos traz a luz é a existência de demais formas de divisão social que vão além das esclarecidas pela

produção, mas também as geradas pela etnia, gênero, crença e outros fatores ("novos conflitos surgem além de novas formas de dominação"). Segundo Dubet, a exclusão

não é mais apenas o efeito da crise, nem fruto da competição clássica, ela é o resultado de um conjunto de novas relações sociais e políticas, aonde os excluídos

são rotulados e situados a margem da expectativa social apresentadas sobre forma de capital cultural oferecidos pela ideologia dominante ("os excluídos não representariam

nem uma classe fechada, nem um ator coletivo, mas um problema").

François Dubet remeteu suas análises para a esfera dos processos educacionais fazendo conexões dessas análises sociais com as questões pertinentes a educação.

Segundo ele, os estudos da sociologia da educação, por muito tempo, justificou as desigualdades escolares por meio das desigualdades vindas

a priori pela sociedade

havendo assim, uma reprodução de tal no âmbito escolar. Porém, posteriormente estudos demonstraram que o próprio espaço escolar era também produtor de desigualdades:

"Hoje percebemos que não só ela não é realmente igual, mas que sua própria igualdade pode também produzir efeitos não igualitários somados aos efeitos que ela deseja

reduzir.". Temos aqui a escola com um papel de selecionadora de indivíduos determinando indiretamente carreiras específicas a cada categoria social: "Os alunos não

são selecionados mais no acesso, mas durante o processo de aprendizagem em função dos seus desempenhos" e, podemos acrescentar aqui, uma pré seleção de carreiras

mesmo pela sua condição econômica, étnica e cultural.

Os mecanismos meritocráticos empregados nas escolas sob um pseudo princípio de competição igualitária leva o aluno a perceber sua desigualdade condicional mesmo

apesar de seus desempenhos gerando neste indivíduo, afirma Dubet, um sentimento de

autorresponsabilização pelo seu esperado fracasso de modo a fazê-lo se retirar

do "jogo" como forma de anular a competição "salvando" assim a "dignidade" que lhe resta; consequentemente esse desvio o conduzirá para a margem precária da sociedade.

Dubet, ao caracterizar a escola como um espaço sóciocultural afirma que esta instituição é o palco de interesses conflitantes (organização oficial do sistema

escolar X processo permanente de construção social). A escola como construção social é constituída por sujeitos ativos, portadores de uma vasta diversidade cultural,

e então construtores de conflitos que fomentam o debate cotidiano que, por sua vez, dão origem aos diversos temas abordados pela sociologia da educação como a questão

étnica racial, a exemplar. "Nos últimos trinta anos, a escola sofreu um processo de desencantamento, em função dos processos de mutações econômicas, do declínio

do estado nacional e das transformações do mundo do trabalho", isso culminou a sua coerência interna e o seu foco vital como uma instituição importante ao relacionar

uma diversidade de clientela correspondente a todos os processos interacionais da vida social, ou seja, uma perda na legitimidade do próprio papel socializador da

escola em si.

Os mecanismos que produzem a exclusão por meio das desigualdades advindas da escola afetam cruelmente o seu público infantil e/ou juvenil sobretudo no que diz

respeito a estudantes afro descendentes no Brasil. Para Dubet, a exclusão escolar é "também uma experiência subjetiva da exclusão vivida potencialmente, como uma

destruição de si", já que cada indivíduo, neste sistema meritocrático ferozmente desigual, é responsável por seu sucesso ou insucesso; fazendo surgir uma desigualdade

legal e "justa". Os alunos negros que vivem diariamente sobre o fardo dos rótulos

pejorativos que carregam em função de sua etnia estão ameaçados por um sistema

que degrada sua própria condição étnica, que seria o signo de sua inferioridade perante aos demais. Ora, sua causa é facilmente identificada nos planos curriculares

escolar, pois, desde sua escolarização histórica o negro é apresentado como inferior, escravo, sem significância social e muitas das vezes até como um ser não humano.

O Brasil é um país que supervaloriza a cultura europeia e sobretudo a norte americana de modo a tomá-los como exemplo de cultura e ideologia; desde o processo civilizador

apresentado por Elias que a Europa e tantos outros países de primeiro mundo são postos como molde cultural enquanto que a África sempre tomada como um sub continente,

pobre e primitivo em sua civilização. Logo, desde o início da escolarização, negros, pobres e determinadas culturas se deparam com uma realidade que não diz respeito

às suas condições sociais: "As estatísticas nacionais não nos cansam de informar os fracassos, as evasões e as repetências crescentes entre crianças e jovens negros

no Brasil". Tal situação é encarada por docentes como desinteresses e irresponsabilidades dos alunos em relação ao seu sucesso iminente promovido pela oportunidade

oferecida "igualmente" a todos eles. Negros, moradores de periferia, moradores de favelas, por conta do racismo explícito indiretamente não se adentram nas estruturas

sociais e e culturais que o permitiriam ser um humano universalmente igual. Quanto a isso, Dubet afirma: "Quando cada um é responsável por sua própria vida, se expõe

ao desprezo que acompanha o fato de não ser digno dessa liberdade e de não poder assumir essa igualdade" (2001:16). O indivíduo deve ter o legítimo direito de construir

a sua vida dentro das condições totais e igualitárias e fora dos princípios impostos ideologicamente por uma cultura dominante. A escola deve ser o palco animador

dos conflitos intelectuais a fim de fomentar os debates e permitir ao indivíduo que se desenvolva cultural e intelectualmente de modo a ser reconhecido em seu caráter

único.

Maximiniano J. M. da Silva - sábado, 09 de setembro de 2011