Tristezas à beira-mar
Estive relendo "Um Cartão de Paris", livrinho com algumas das últimas crônicas de Rubem Braga - aquelas que ainda não saturei com minhas leituras. E reli com uma imensa pena de que não se chamasse "Tristezas à beira-mar", e nem que tenha sido escrito por "Um morador de Ipanema", como Braga chegou a fantasiar. São textos feitos por um cronista idoso, bastante atento aos mortos da semana, sempre alguém conhecido, da sua geração. E o escritor que, ainda na casa dos 30 anos, arrumou para si o apelido de "Velho Braga", é talvez ainda mais velho durante essas crônicas, tão cheias estão de desencanto e melancolias, e belezas.
Mas talvez seja só impressão, porque sabemos que estava para morrer. O próprio Braga sabia disso, a ponto de se imaginar transformado em um verbete literário indicando 1990 como ano de seu falecimento, o que de fato ocorreu - e diz ele que viveu bastante, mais que Machado de Assis, muito mais do que Castro Alves. Isso está em "Mecânica da Mulher Quando Distraída", uma bonita crônica em que Braga abusa daquilo que Manuel Bandeira chamou de "puxa-puxa", e que nada mais é do que um tema desencadeando outro, sem nenhum roteiro prévio. Braga passa rapidamente de pescadores para aulas na Faculdade de Direito, partindo daí para mulheres, e conclui falando de literatura.
E como lia o velho Braga... tudo que lhe chegasse ao alcance. Há por aí alguns teóricos falando que a crônica deve sempre partir de uma notícia. Nesse livro, o tema das crônicas nasce de um dicionário, um livro de psicanálise, outro de provérbios, um de lições dramáticas, bem antigo, uma revista colombiana, relatos de cronistas indianos. E lá estão também relatos episódicos, impressionistas, ou simples recordações, e às vezes até mesmo o seu humor, aquela ironia tão típica do gênero, especialmente em "Creme de Barbear em Espuma". Tudo, no fim das contas, muito bonito, e simples, como fazia sempre há uns 60 anos.