Os heterônimos de Fernando Pessoa.
Mirian Leila Ribeiro.
Fernando Pessoa tornou-se imortal não apenas pelas belezas de sues versos e pela perspicácia de seus pensamentos críticos sobre a vida e sobre a arte literária, mas, especialmente por ter “inventado” personalidades poéticas diferentes de si próprias.
Sua obra poética leva assinatura de vários heterônimos que são distinguidos em seus poemas atribuídos a Alberto Caeiro, a Ricardo Reis, a Álvaro de Campos e a Fernando Pessoa ele mesmo ou ortônimo.
O poeta concebeu os heterônimos como seres totalmente distintos e junto com cada nome uma personalidade humana e poética com biografia, cosmovisão e tendências literárias próprias, seres autônomos que lutam entre si, e que também se completam, ou seja, um paradoxo.
Cada um de nós encerra dentro de si uma pluralidade de vozes, de desejos, de ideias, de sentimentos que muitas vezes são contraditórios, são as “pessoas diversas”.
Fernando Pessoa consegue superar essa contradição, emanando diferentes modos de sentir o mundo e a poesia, pois tinha uma capacidade de sentir várias coisas ao mesmo tempo. A meu ver a criação heterônima é fruto de longa maturação humana e poética de que seu autor tem plena consciência.
O poeta mais do que sentir a poesia, consegue despersonalizar-se pondo para fora e expressando em forma de arte os diferentes modos de ver o mundo. O conhecido verso de Pessoa: “O que em mim senti, está pensando”. Expressa bem a tomada de consciência do poeta perante o ato da criação artística.
O heterônimo Alberto Caeiro é considerado por Fernando Pessoa “O mestre” dos outros heterônimos. O poeta apresenta Caeiro como um jovem loiro, de olhos azuis e pouca formação escolar, suas poesias são simples, espontâneas. Ele é o poeta da realidade objetiva porque descreve o que vê e o que sente.
A matéria de sua poesia é o mundo que o circunda: rios, árvores, sol, flores como podemos perceber no poema.
DIZES-ME
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm ideias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.
Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.
Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?
A poesia de Caeiro pode ser vista como reação a quase todas as orientações poéticas da época que exaltava o passado e que espiritualizava a natureza. Para Caeiro os seres humanos como os elementos da natureza são imutáveis. Quando ele diz que as coisas não tem significação, tem existência, ele nos diz que cada qual deve e seguir seu curso e seu destino.
Enfim Alberto Caeiro expresso à faceta humana e poético de Fernando Pessoa, sem nenhuma abstração e sem intervenção do pensamento reflexivo.