Indez
Entre febres e defluxos, unguentos e cataplasmas, Antônio assim começava a estar no mundo, amado pelos irmãos, pelos amigos da família e pelos parentes mais distantes. Também pudera, quem não ia gostar de um menino nascido de improviso, sem respeitar o calendário? p.11
Indez. O nome pouco usual me encaminhou ao dicionário: “um termo popular que designa um ovo que é deixado no ninho de uma ave, para que ela volte a pôr ovos naquele mesmo lugar” e eu me lembrei de minha avó nos ensinando a retirar ovos dos ninhos de galinhas de angola achados no capinzal perto de casa, mas sempre deixar um ovo para que elas não estranhassem o ninho.
Indez foi a metáfora que o autor Bartolomeu Campos de Queirós se utilizou para falar da infância de Antônio, das alegrias, das tristezas e das surpresas de sua vida de sobrevivente das doenças de infância que parecem espreitar, com fome voraz, as crianças nascidas na roça.
Imaginar o nascimento, o batismo, a luta para vencer a coqueluche, a catapora, as lombrigas, as brincadeiras com o irmão e as irmãs, a vida desabrochando diante dos olhos maravilhados do menino é se fazer íntima/o dele, sentir seus medos, suas dores, seus deslumbramentos, seu jeito tão especial de enxergar a vida e seus afetos mais caros.
Antônio me fez chorar várias vezes. Me fez chorar por seu amor pelo pai. Um amor feito de silêncios, de ternuras expressadas nos gestos de zelo com a casa, nos cuidados, na segurança e no conforto de sua presença.
Me fez chorar por seu amor pela mãe. Um amor feito de cheiro e sabor. Um amor que se desdobrava em cuidados e ensinamentos, mas também sabia brincar, inventar mundos nas lindas histórias que contava. Me fez chorar por seu amor pelo mundo que nem sempre compreendeu nem o compreendeu.
Antônio crescia e seus olhos deslumbrados aprendiam enquanto alargavam a visão do mundo ao seu redor.Pena que crescer tem um preço e a hora de ir à escola chega também para ele, mas aí já é outra história outro mundo a ser desvendado, incorporado, aprendido em lições de corpo e alma, na mesma história!
Nem posso precisar quantas vezes já li esse livro, quantas vezes me utilizei de trechos para epígrafes em meus escritos, quantas vezes me emocionei com tantas metáforas utilizadas pela alma poética do autor para descrever a infância, a vida e seus espantos, a vida e seus encantos.
E agora que Bartolomeu nos deixou na madrugada do último dia 16/01/2012, reler o mundo de Antônio ganha a dimensão do sonho descrito e inventado por um ser de rara sensibilidade, uma perda irreparável para quem conheceu a beleza e a poesia de sua escrita.
Mais sobre o livro
Ao contar a infância do menino Antônio desde o seu nascimento numa fazenda do interior de Minas Gerais até a adolescência, quando sai de casa para estudar na cidade, o autor mantém-se fiel ao estilo poético marcado por imagens de grande beleza, já presente em suas outras publicações. Não se trata apenas de uma narrativa sobre um menino do campo, mas da recriação de um universo quase desaparecido em nosso país: o da infância marcada pelas brincadeiras tradicionais e pela cultura popular. O autor apresenta o ambiente rural mineiro, no qual o homem e a natureza andavam em sintonia, e um tempo marcado por rotinas ligadas ao trabalho de plantar e colher, por nascimentos, comemorações e mortes – enfim, um universo moldado por afetos e valores daquele grupo.
“A infância brincava de boca de forno, chicotinho queimado, passar anel ou corria da cabra-cega. Nossos pais, nesta hora preguiçosa, liam o destino do tempo escrito no movimento das estrelas, na cor das nuvens, no tamanho da lua, na direção dos ventos. O mundo não estava dividido em dois, um para as pessoas grandes, outro para os miúdos. As emoções eram de todos.”
Neste belo texto, o menino Antônio pode ser visto como metáfora de uma infância que, aos poucos, desaparece, absorvida por uma realidade que deixa pouco espaço para as diferenças. Por isto mesmo, este livro tem uma importância que vai além da evidente qualidade e beleza literárias: ao recriar um universo cultural que se esvai, permite que nossas crianças não se esqueçam de sua própria história. Para o leitor fluente.
http://www.dobrasdaleitura.com/vitrine/bblij/1994bcq.html
Sobre o autor
Bartolomeu Campos de Queirós viveu sua infância em Papagaio, cidade pequena com gosto de "laranja serra-d'água", no interior de Minas Gerais, antes de se instalar em Belo Horizonte, onde reside e trabalha.
Seu interesse pela literatura e pelo ensino da arte o fez viajar muito por este país. Conhece as cidades apreciando azulejos e casas pacientemente - um andarilho atento a cores, cheiros, sabores e sentidos que rodeiam as pessoas do lugar, com o mesmo encanto na alma com que observava os rios da Amazônia, dos quais costuma sentir saudades em Minas.
Bartolomeu só faz o que gosta, não cumpre compromissos sociais nem tarefas que não lhe pareçam substanciais. Diz ter fôlego de gato, o que lhe permitiu nascer e morrer várias vezes. "Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar, como sou forte o suficiente para uma palavra me ressuscitar." Em 1974 publicou seu primeiro livro, O peixe e o pássaro, e desde então vem firmando seu estilo de escrita como uma prosa poética da mais alta qualidade.
Com formação nas áreas de educação e arte, cursou o Instituto Pedagógico de Paris. Desde os anos 70, tem destacada atuação como educador, em vários níveis, contribuindo com importantes projetos para a Secretaria de Estado da Educação e para o Ministério da Educação. Participa do Projeto ProLer, da Biblioteca Nacional, dando conferências e seminários sobre educação, leitura e literatura. Tem 43 livros publicados no Brasil e vários deles traduzidos e editados em outros países.
É detentor dos mais importantes prêmios literários nacionais, como:
# Prêmio Cidade de Belo Horizonte;
# Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro;
# Selo de Ouro, da Fundação Nacional do Livro Infanta-Juvenil;
# 9ª Bienal de São Paulo;
# 1ª Bienal do Livro de Belo Horizonte;
# Diploma de Honra da IBBY, de Londres;
# Prêmio Rosa Blanca (Cuba);
# Quatrième Octagonal (França);
# Prêmio Nestlé de Literatura;
# Prêmio Academia Brasileira de Letras.
Com o livro "Indez", foi o vencedor do Concurso Internacional de Literatura Infanto-Juvenil (Brasil, Canadá, Suécia, Dinamarca e Noruega). Vários de seus textos foram adaptados para o teatro, dentre eles, "Ciganos", encenado pelo Grupo Ponto de Partida. Sua obra tem sido tema de teses acadêmicas (áreas de literatura e psicologia) em várias universidades brasileiras.
Foi presidente da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes, membro do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Curador da Escola Guignard, membro do Conselho de Curador da Fundação Municipal de Cultura. Atua também como crítico de arte, integrando júris e comissões de salões e fazendo curadorias e museografias de exposições.
Fonte: http://www.caleidoscopio.art.br/bartolomeuqueiros/release.htm
Mais
Vídeo sobre o livro Indez de Bartolomeu Campos de Queirós, Global Editora, pág. 34 e 35 (trecho) elaborado para o projeto Educopédia - Grandes Obras da Literatura.
Créditos das imagens no vídeo.
Música: Rondo Allegretto Grazioso de Mozart
http://www.youtube.com/watch?v=HkJD7bgON8g
Entre febres e defluxos, unguentos e cataplasmas, Antônio assim começava a estar no mundo, amado pelos irmãos, pelos amigos da família e pelos parentes mais distantes. Também pudera, quem não ia gostar de um menino nascido de improviso, sem respeitar o calendário? p.11
Indez. O nome pouco usual me encaminhou ao dicionário: “um termo popular que designa um ovo que é deixado no ninho de uma ave, para que ela volte a pôr ovos naquele mesmo lugar” e eu me lembrei de minha avó nos ensinando a retirar ovos dos ninhos de galinhas de angola achados no capinzal perto de casa, mas sempre deixar um ovo para que elas não estranhassem o ninho.
Indez foi a metáfora que o autor Bartolomeu Campos de Queirós se utilizou para falar da infância de Antônio, das alegrias, das tristezas e das surpresas de sua vida de sobrevivente das doenças de infância que parecem espreitar, com fome voraz, as crianças nascidas na roça.
Imaginar o nascimento, o batismo, a luta para vencer a coqueluche, a catapora, as lombrigas, as brincadeiras com o irmão e as irmãs, a vida desabrochando diante dos olhos maravilhados do menino é se fazer íntima/o dele, sentir seus medos, suas dores, seus deslumbramentos, seu jeito tão especial de enxergar a vida e seus afetos mais caros.
Antônio me fez chorar várias vezes. Me fez chorar por seu amor pelo pai. Um amor feito de silêncios, de ternuras expressadas nos gestos de zelo com a casa, nos cuidados, na segurança e no conforto de sua presença.
Me fez chorar por seu amor pela mãe. Um amor feito de cheiro e sabor. Um amor que se desdobrava em cuidados e ensinamentos, mas também sabia brincar, inventar mundos nas lindas histórias que contava. Me fez chorar por seu amor pelo mundo que nem sempre compreendeu nem o compreendeu.
Antônio crescia e seus olhos deslumbrados aprendiam enquanto alargavam a visão do mundo ao seu redor.Pena que crescer tem um preço e a hora de ir à escola chega também para ele, mas aí já é outra história outro mundo a ser desvendado, incorporado, aprendido em lições de corpo e alma, na mesma história!
Nem posso precisar quantas vezes já li esse livro, quantas vezes me utilizei de trechos para epígrafes em meus escritos, quantas vezes me emocionei com tantas metáforas utilizadas pela alma poética do autor para descrever a infância, a vida e seus espantos, a vida e seus encantos.
E agora que Bartolomeu nos deixou na madrugada do último dia 16/01/2012, reler o mundo de Antônio ganha a dimensão do sonho descrito e inventado por um ser de rara sensibilidade, uma perda irreparável para quem conheceu a beleza e a poesia de sua escrita.
Mais sobre o livro
Ao contar a infância do menino Antônio desde o seu nascimento numa fazenda do interior de Minas Gerais até a adolescência, quando sai de casa para estudar na cidade, o autor mantém-se fiel ao estilo poético marcado por imagens de grande beleza, já presente em suas outras publicações. Não se trata apenas de uma narrativa sobre um menino do campo, mas da recriação de um universo quase desaparecido em nosso país: o da infância marcada pelas brincadeiras tradicionais e pela cultura popular. O autor apresenta o ambiente rural mineiro, no qual o homem e a natureza andavam em sintonia, e um tempo marcado por rotinas ligadas ao trabalho de plantar e colher, por nascimentos, comemorações e mortes – enfim, um universo moldado por afetos e valores daquele grupo.
“A infância brincava de boca de forno, chicotinho queimado, passar anel ou corria da cabra-cega. Nossos pais, nesta hora preguiçosa, liam o destino do tempo escrito no movimento das estrelas, na cor das nuvens, no tamanho da lua, na direção dos ventos. O mundo não estava dividido em dois, um para as pessoas grandes, outro para os miúdos. As emoções eram de todos.”
Neste belo texto, o menino Antônio pode ser visto como metáfora de uma infância que, aos poucos, desaparece, absorvida por uma realidade que deixa pouco espaço para as diferenças. Por isto mesmo, este livro tem uma importância que vai além da evidente qualidade e beleza literárias: ao recriar um universo cultural que se esvai, permite que nossas crianças não se esqueçam de sua própria história. Para o leitor fluente.
http://www.dobrasdaleitura.com/vitrine/bblij/1994bcq.html
Sobre o autor
Bartolomeu Campos de Queirós viveu sua infância em Papagaio, cidade pequena com gosto de "laranja serra-d'água", no interior de Minas Gerais, antes de se instalar em Belo Horizonte, onde reside e trabalha.
Seu interesse pela literatura e pelo ensino da arte o fez viajar muito por este país. Conhece as cidades apreciando azulejos e casas pacientemente - um andarilho atento a cores, cheiros, sabores e sentidos que rodeiam as pessoas do lugar, com o mesmo encanto na alma com que observava os rios da Amazônia, dos quais costuma sentir saudades em Minas.
Bartolomeu só faz o que gosta, não cumpre compromissos sociais nem tarefas que não lhe pareçam substanciais. Diz ter fôlego de gato, o que lhe permitiu nascer e morrer várias vezes. "Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar, como sou forte o suficiente para uma palavra me ressuscitar." Em 1974 publicou seu primeiro livro, O peixe e o pássaro, e desde então vem firmando seu estilo de escrita como uma prosa poética da mais alta qualidade.
Com formação nas áreas de educação e arte, cursou o Instituto Pedagógico de Paris. Desde os anos 70, tem destacada atuação como educador, em vários níveis, contribuindo com importantes projetos para a Secretaria de Estado da Educação e para o Ministério da Educação. Participa do Projeto ProLer, da Biblioteca Nacional, dando conferências e seminários sobre educação, leitura e literatura. Tem 43 livros publicados no Brasil e vários deles traduzidos e editados em outros países.
É detentor dos mais importantes prêmios literários nacionais, como:
# Prêmio Cidade de Belo Horizonte;
# Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro;
# Selo de Ouro, da Fundação Nacional do Livro Infanta-Juvenil;
# 9ª Bienal de São Paulo;
# 1ª Bienal do Livro de Belo Horizonte;
# Diploma de Honra da IBBY, de Londres;
# Prêmio Rosa Blanca (Cuba);
# Quatrième Octagonal (França);
# Prêmio Nestlé de Literatura;
# Prêmio Academia Brasileira de Letras.
Com o livro "Indez", foi o vencedor do Concurso Internacional de Literatura Infanto-Juvenil (Brasil, Canadá, Suécia, Dinamarca e Noruega). Vários de seus textos foram adaptados para o teatro, dentre eles, "Ciganos", encenado pelo Grupo Ponto de Partida. Sua obra tem sido tema de teses acadêmicas (áreas de literatura e psicologia) em várias universidades brasileiras.
Foi presidente da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes, membro do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Curador da Escola Guignard, membro do Conselho de Curador da Fundação Municipal de Cultura. Atua também como crítico de arte, integrando júris e comissões de salões e fazendo curadorias e museografias de exposições.
Fonte: http://www.caleidoscopio.art.br/bartolomeuqueiros/release.htm
Mais
Vídeo sobre o livro Indez de Bartolomeu Campos de Queirós, Global Editora, pág. 34 e 35 (trecho) elaborado para o projeto Educopédia - Grandes Obras da Literatura.
Créditos das imagens no vídeo.
Música: Rondo Allegretto Grazioso de Mozart
http://www.youtube.com/watch?v=HkJD7bgON8g