O Doador de Sangue, de Sebastião B. Milagre e o diálogo com outros escritores

vida e obra em versos e crônicas de Sebastião Bemfica Milagre

J B Pereira – mestre em Literatura pela UFSJ

Sebastião Bemfica Milagre (1923-1992) nasceu em Divinópolis, MG. Em 1944, casou-se com Maria da Conceição Natividade, falecida em 02 de Nov. de 1970. Em homenagem a ela, escreveu Gritos (1972). Casou-se com Maria do Carmo Mendes em 1976. Além de escrivão de Polícia Civil, exerceu muitas outras atividades no centro-oeste de Minas Gerais. Destacou-se como cronista-sonetista desde 1940, o poeta da Academia Divinopolitana de Letras, que cofundou em 1961. Mereceu-lhe reconhecimento público seu pertencimento aos “Moços do Agora”, que deu origem ao Jornal Agora de Divinópolis. Nesse grupo de escritores associados em Minas contra a ditadura militar entre 1964 e 1985, destacou-se como articulista, assinante de jornais locais, divulgador deles, principalmente coube-lhe a coragem de resgatar o próprio filho do DOPS e incentivar as novas gerações de escritores locais na produção de seus textos. O poeta-cronista faleceu em 22/02/1992 em Belo Horizonte e foi sepultado em Divinópolis; ele dizia que “Enterro bonito é a pé”, um de seus poemas.

VEJA AS SUGESTÕES DE LEITURAS SOBRE A OBRAS DE SEBASTIÃO BEMFICA MILAGRE:

MILAGRE, Sebastião Bemfica. Almanaque / O Lírico da noite. Divinópolis: Artes Gráfica Santo Antônio, 1985. 81 p.

MILAGRE, Sebastião Bemfica. O Doador de sangue/Procissão da soledade. Gráfica Sidil, Divinópolis, 1990. 159 p.

MILAGRE, Sebastião Bemfica e WEBER, Antônio. Gomos da Lua. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1963. 84 p.

MILAGRE, Sebastião B. Gritos. Divinópolis: ADL (Academia Div. de Letras), 1972.

MILAGRE, Sebastião Bemfica. A Igreja de João XXIII. Divinópolis: 1986. 49 p.

MILAGRE, Sebastião Bemfica. Lixo atômico. Divinópolis, Sidil, 1987.56 p.

MILAGRE, Sebastião Bemfica (org.). Mar, todas as águas te procuram: contos, crônicas e poesias. Gráfica Brasil, 1962. 251 p. p. 223-236

MILAGRE, S. Bemfica. 3 EM 1. Divinópolis: Gráfica Santo Antônio. 1985. 6 p.

MILAGRE, Sebastião Bemfica. O Viaduto das Almas/O homem agioso. Gráfica Santo Antônio, 1986. 92 p.

MILAGRE, Sebastião Bemfica. Via-sacra. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de MG, 1960.

“Na internet, há a síntese sobre Sebastião Bemfica Milagre em Constância Lima Duarte no Dicionário biobibliográfico dos escritores mineiros. No sentido baudelaireano, pode-se pensar Milagre como dândi e também flâneur, percorrendo não um grande centro urbano, mas um centro que se modernizava, percorrendo o modo de vida dos moradores de Divinópolis, a cidade da moda, as grifes, as vitrines dos shoppings de concreto e vidro no centro da cidade, as ruas e as praças, a agitação, que serão ingredientes densos de uma poética e uma crônica que tentam se equilibrar entre a tradição e a modernidade. Baudelaire mira dos atores da modernidade.” (PEREIRA, 2011, p. 21-22)

Disso dão testemunho Osvaldo André de Melo, Fernando Teixeira, Aparecida Nogueira, Mercemiro Silva (1996), Dr. Pedro Pires Bessa (2003), Camilo Lara (2005), Antonio Lopes Corrêa (2009), a crônica de J B Pereira em 2004 e outras suas obras como Momentos Poéticos em 2006, em artigo “Revisitando a poética de Sebastião Milagre” em 2009 e a dissertação de mestrado em 2011, intitulada Sebastião Bemfica Milagre: um lírico da modernidade em Divinópolis no Promel/UFSJ, em 16/12/2011. J B Pereira (2011) focaliza, dentre vários episódios da vida do escritor, a memória coletiva ainda existe nas pessoas e instituições que conservam arquivos de valor inestimável sobre a obra de Sebastião B. Milagre.

Inclusive, Laís Correa afirmava: “Vejo com alegria e entusiasmo o seu constante progresso poético, inovando-se a cada dia (...). O autor deixa soltar a voz insatisfeita com os aspectos imperialistas. (...) Destaco o poema ‘Implicações da carne’, que deveria parar no primeiro segmento, e outro como a ‘Obrigatória Deserção’, em que o poeta se solta mais na naturalidade da linguagem” em O Viaduto das Almas (MILAGRE, 1986, p.9).

O diálogo intertextual entre Sebastião Milagre (1923-1991) e Manuel Bandeira (1886-1968) se destaca em “Vou-me embora para Itaúna”, de O Viaduto das Almas (1986, p. 19). Milagre havia se indignado contra a ineficiência política de sua cidade e a ditadura, um dos desencantos da modernidade. 3 EM 1 (1985) denuncia a exploração de minerais em Minas, cujos antecedentes vêm do Brasil colônia. Milagre se depara com Pasárgada em Augusto Massi em Manuel Bandeira: 50 poemas escolhidos, Cosacnaify. (PEREIRA, 2011, P. 110)

Com esse olhar de progresso e de avanços desta cidade, teve a coragem de exigir dos políticos de Divinópolis seriedade para governar e dedicação nas políticas de base e de educação. Por isso, ao entrevistar Dr. Simão Salomé (in memoriam) em 2009, o mesmo fez interessante comentário sobre o "vou-me embora pra Itaúna - 1979": Queria o melhor para sua cidade. Milagre como crítico político desejava que sua cidade tivesse infraestrutura social, comercial, industrial e educacional, inclusive uma posição crítica contra a ditadura. Eis um trecho do poema de Milagre: “Vou-me embora pra Itaúna./ Lá, tem político forte, / homem de prestígio/ que sabe como consegue / coisas grandes do Governo./ Aqui na minha querida/ Divinópolis, é ‘funcho’./ (...) é simples o povo...” (MILAGRE, 1986, p. 19-21).

Isso se remete a Alberto Caeiro (PESSOA, 1976), do poema nº 212 na Obra Poética de Fernando Pessoa, de 1976, p. 208: “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o universo.../ Por isso a minha aldeia é tão grande/ como outra terra qualquer/ Porque eu sou do tamanho do que vejo. /E não do tamanho da minha altura.../ As grandes cidades escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,/ Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os olhos nos podem dar,/ e tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.” (PESSOA, 1976, p. 208). O sentimento nativista e valorativo impregnou os poemas que enaltecem Divinópolis como topografia da literatura e da cultura, destacando-se o sentido da visão de ambos, o lusitano e o divinopolitano. Essas ficções do interlúdio da terra pessoana são evocadas na lira: “E eu tenho de te olhar com os olhos da alma, / (...) Senão sussurrar ao vento o segredo de terem visto um enorme diamante de tuas ruas (...). Há um comércio a varejo/ que noutro lugar não vejo.” (MILAGRE, 1963, p. 69) o valor da terra natal está também nas crônicas de “Ano 2012”, “Comunicado ao futuro”, “O ano Arquivado: o novo Theatron”.

A carta de Domingos Diniz, de 09/03/2009, afirma: “Milagre continua vivo em seus versos e em seus livros, na memória de quantos o leem. (...) Era músico também. Tocava violão muito bem. (1988).” (DINIZ, 2009, p. 2) Só lendo a sua escritura, debruçando sobre suas crônicas, pode-se descortinar um mundo que suas retinas contemplaram e ficaram registradas na sua produção intelectual no centro-oeste de Minas Gerais.

Veja algo mais sobre Sebastião B. Milagre em Recanto das Letras, portal virtual, em J B Pereira, clique em ordem alfabética indo à letra J. http://www.recantodasletras.com.br. Pode-se fazer nele comentários a seu modo, obrigado. O autor.