A Irmandade de Israel
 
Muitas são as especulações a respeito das origens da Arte Real e sobre as fontes que abastecem seus ritos, tradições e doutrina.[1] A hipótese que propomos neste trabalho é apenas mais uma dessas especulações. E ela nos foi inspirada pelas profundas relações existentes entre a Ordem maçônica e a história de um povo, que desde a mais remota antiguidade vem praticando uma espécie de maçonaria como cultura social, política e religiosa, cultura essa que, a nosso ver, garantiu a esse povo uma sobrevivência mais longa do que a de outros grupos humanos dele contemporâneo.
Falamos aqui da idéia de Irmandade como expressão de uma vida comunal que amplia o conceito de família, estendendo-a para o conceito de nação. Nesse sentido, a maçonaria que foi institucionalizada pela união das Lojas londrinas é apenas um episódio da rica história dos Obreiros da Arte Real. Na verdade, o que os maçons londrinos fizeram foi dar caráter de secularidade a uma instituição que já existia há muitos séculos, mas que devido à fragmentação de suas práticas não tinha uma identidade reconhecida como organização secular.[2]
Loja, aqui é referida como sendo uma congregação de pessoas reunidas para um determinado fim. Essa intuição não é nossa. Ela é utilizada no rito do Arco Real, que se refere à Loja presidida por Moisés no Monte Horeb como sendo a primeira Loja maçônica do mundo. Na tradição arcana, o termo Loja (em sânscrito Loka) designa as diferentes partes do universo onde a vida se manifesta e designa também as diferentes idades, ou fases que a humanidade deve passar para cumprir o seu destino kármico.[3]
Assim, a terra é uma Loka, assim como outras partes do Cosmo. Por isso, o templo maçônico é um microcosmo que reflete esse macrocosmo, ou seja, uma representação simbólica do universo. Essa é a razão pela qual os maçons operativos adotaram tantos símbolos e referências à cultura israelita e também o motivo de as encontrarmos disseminada por todos os graus do moderno catecismo maçônico. Essas inferências não se devem apenas a admissão de judeus na Ordem, como de ordinário acreditam alguns autores, mas sim, porque a própria cultura maçônica desenvolveu-se a partir do núcleo israelita e busca recompor, no simbolismo e no objetivo contido na idéia de Fraternidade praticada pela maçonaria, os mesmos sentimentos que motivaram a fundação da antiga nação de Israel. Dessa forma, podemos dizer que, se existe um arquétipo inspirador para a maçonaria moderna, esse é a Israel bíblica.
 
Moisés, o fundador
 
Quando falamos de Irmandade como expressão cultural de um povo, referimo-nos à idéia de nação que o povo de Israel desenvolveu quando se libertou da escravidão no Egito. Isso nos leva a ver em Moisés o verdadeiro fundador da Arte Real, porque a organização que ele deu aos hebreus depois que os tirou do Egito assemelha-se a uma grande Fraternidade, cujos membros, unidos pelos laços do sangue e da religião, se comprometeram com uma causa, que era a de criar na terra a Humanidade Autêntica, ou seja, um povo dedicado ao Grande Arquiteto do Universo, governado por leis e costumes ditados diretamente por Ele, para servir de modelo para todas as nações da terra.[4]
E da mesma forma que na Ordem maçônica, como hoje a vemos, essa organização foi fundamentada em uma sabedoria exterior, que compunha o corpo jurídico das leis instituídas por Moisés, expostas nos cinco livros que ele escreveu e pelos costumes praticados pelo povo, e numa sabedoria interior que continha as verdades ocultas que só podiam ser transmitidas de forma oral a uns poucos escolhidos.[5]  
Essas duas sabedorias estão contidas no Livro da Lei que Moisés, por inspiração do Grande Arquiteto do Universo, escreveu para dar como legado a todos os povos que quisessem saber a verdadeira Vontade Dele, mas somente a primeira delas pode ser aprendida pelos meios comuns de aprendizado, porquanto a segunda é dirigida diretamente aos nossos espíritos e só através da prática iniciática se pode obtê-la.
O Pentateuco, os cinco livros que Moisés escreveu, reunidos no que chamamos de Livro da Lei, comunica a sabedoria exterior, aquela que todas as pessoas podem adquirir pela leitura desses livros. Mas há outra Bíblia dentro das alegorias, simbolos, nomes e perífrases que ela contém, que só pode ser entendida pelos chamados iniciados, pois ela está escrita em código.
Foi essa sabedoria interior que deu a Moisés o poder para governar e consagrar os líderes do povo, bem como a ciência para fazer as maravilhas que fez. E essa sabedoria, o Grande Arquiteto do Universo só a comunicou aos seus ouvidos.[6]
Ela lhe foi ditada na língua dos anjos, que era a língua falada na terra antes da queda do homem, por isso muitas das coisas que o Grande Arquiteto do Universo disse a Moisés não foram relatadas nos livros que ele escreveu para ensinar aos irmãos do Oriente de Israel como o universo realmente foi gerado e como Ele quer que seus Obreiros trabalhem para construir o mundo do espírito e da convivência humana, que é a missão que Ele delegou aos homens na terra.
A “língua dos anjos”, aqui referida, é o alfabeto hebraico na sua forma original, anterior às influências e adaptações que toda lingua sofre no seu posterior desenvolvimento. Essa lingua é a que foi preservada na sua fórmula cabalística. Segundo a tradição, essa era a língua falada no céu, a qual teria sido instituída pelo Grande Arquiteto do Universo como forma de comunicação entre os anjos. Essas criaturas celestiais formavam uma espécie de Fraternidade, ou escola teosófica, a chamada Fraternidade dos Elohins.  Depois da queda, alguns desses anjos a ensinaram aos homens como fórmula para que eles pudessem regressar, um dia, ao estado de beatitude que haviam perdido em conseqüência da queda da anjos rebeldes e da dissensão que eles disseminaram no seio da humanidade, fazendo-a voltar-se contra o seu Criador. Essa revolta é a que está referida na Bíblia como a revolta de Lúcifer e a queda aqui preconizada é a que foi descrita como a expulsão do casal humano do Éden.
Alguns poucos homens, em cada geração, receberam esse conhecimento. Entre eles, Adão, seu filho Seth, Enoch, Noé e Abraão. Este último a transmitiu aos levitas- sacerdotes das tribos de Israel- e estes a conservaram durante o tempo em Israel esteve cativo no Egito.
 
Portanto, consideramos o povo de Israel de Israel o primeiro agrupamento humano a que podemos dar o nome simbólico de Loja, embora outros tivessem existido anteriormente que merecessem essa primazia. Todavia nenhuma delas se organizou de modo a sugerir uma estrutura externa e interna tão semelhante á Ordem maçônica quanto o fez Moisés com os Filhos de Israel saídos do Egito.



[1] Origens, no plural, pois como sabemos, esse é um assunto que está longe de ser pacífico.
(2) As Constituições de Anderson 
[3] A atual fase que vivemos é conhecida como Kali-yuga. Começou cerca de 3.200 a C e deverá terminar em 2012. Coincidência ou não, essa mesma data, 2012, é destacada no calendário maia e no calendário chinês, como um ano de grandes mudanças na vida da terra.
[4] A origem israelita da prática maçonica já foi defendida por muitos autores de renome, inclusive pelo próprio Dr. Anderson, o autor das Constituições. Mas foram poucos os se ocuparam de buscar os paralelos da cultura hebraica que se instalaram na maçonaria e justificá-los em termos de ensinamento moral ou espiritual. Esta é a proposta deste trabalho.
[5] Por isso que a doutrina de Israel está dividida em três corpos doutrinários distintos, contida na Torá(a doutrina literal), o Talmud (comentários rabínicos da Tora e das tradições de Israel) e a Cabala(a parte esotérica dessa doutrina).
[6] Essa sabedoria é a que está contida na Cabala. Eles se referem não aos artigos do Decálogo, mas ao ensinamento secreto que Deus a Moisés, e que ele também depositou na Arca da Aliança. 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 15/01/2012
Reeditado em 17/01/2012
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