PAUL VALÈRY – o pensador que devora o poeta

Paul Valèry nasceu na França em 1871 e morreu em Paris em 1945, teve como influência Baudelaire, Poe e Mallarmé – esse último seu guru absoluto; estuda Direito mas se interessa pela matemática.

Aos 21 anos renuncia à poesia e dedica-se à estudos científicos e passa a anotar reflexões por 50 anos seguidos, que constituirão os 261 Cahiers, sem publicá-los em vida. Volta a publicar poesia 20 anos após a auto-reclusão.

Segundo o seu tradutor, Augusto de Campos, a serpente percorre obsessivamente a obra de Valèry, onde aparece a serpente-intelecto, que perturba a vigília do pensador, ou seja, é a serpente a idéia, levada às últimas conseqüências. Ele pensa como a serpente, que se come pela cauda.

Augusto de Campos diz que a serpente seria na Antiquidade, um símbolo da sabedoria, como indicaria o nome grego ophis (sepente), um quase anagrama de sophia (sabedoria); assim como a palavra penser é um palíndromo silábico de serpent.

Enfim Valèry era um poeta-pensador, ou seria um pensado-poeta. Ele tem uma forma de pensar circuloviciosa, um serpensamento contínuo, como um rio que volta a ele mesmo pelo atalho – disse Campos.

A sua poesia se questiona e o incomoda e se faz anti-poesia, assim como o pensador dentro dele devora o poeta.

O HOMEM

Não tenho desprezo pelos homens.

Bem ao contrário. Mas pelo Homem.

Este animal que eu não teria inventado.

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TOMO I, PÁGINA 756 (de Cahiers)

A serpente come a própria cauda. Mas é só depois de um longo tempo de mastigação que ela reconhece no que ela devora o gosto de serpente. Ela pára, então... Mas ao cabo de outro tempo, não tendo nada mais para comer, ela volve a si mesmo... Chega então a ter a sua cabeça em sua goela. É o que se chama “uma teoria do conhecimento”.

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TOMO II, PÁGINAS 1326/7 (de Cahiers)

O diálogo do amor pode conter a fábula das minhas duas serpentes que se devoram, cada uma engolindo a outra pela cauda. Impossível imaginar o fim dessa operação cujo começo é claro, assim como do amor se quisesse levar ao extremo a mútua vontade de ser o outro e de absorver uma consciência em outra igual.

Poder-se-ia fazer disso um sonho.

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TOMO I, PÁGINA 225 (de Cahiers)

Acostumar-te a pensar como Serpente que se come pela causa.

Pois aí está toda a questão. Eu “contenho” o que me “contém”. E eu sou sucessivamente continente e conteúdo.....

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DIVISA

Minha divisa principal (tenho mais

de uma) é: Eu faço aquilo que posso –

com essa significação de que eu vivo

constantemente e profundamente aquilo

que não posso.

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CONTRA

Contra os poetas, eu sou. Pois minha paixão

Foi a paixão de não sei que Reforma...

Refazer seu espírito, não é tarefa para poetas.

Contra os filósofos, eu sou. Pois minha

natureza não dissimula as potências. Não

creio no universo. Não inflo os signos e sei

para onde ele se dirigem.

Contra mim, eu sou. Pois meu eu devora

Meu eu e desprezo minhas opiniões.

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ESCREVER PARA O PÚBLICO

O verdadeiro pecado é escrever para

o público.

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POETA NÃO POETA

Sempre fiz meu versos, observando-me

fazê-lo, no que jamais fui propriamente

poeta.

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ESCREVER

Escrever – o que eu escrevo não é

escrever, é preparar-se para escrever algum

dia impossível.

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DIZER O QUE É DIFÍCIL DIZER

A literatura – não tem para mim

outro interesse que o exemplo ou

a tentativa de dizer o que é

difícil dizer.

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ANTI-POETA

Tenho o instinto de não escrever

- e portanto de não pensar, de não

apanhar quando vêm ao pensamento –

as coisas de uma vez. No que eu sou

anti-poeta por caráter,

por recusa.

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POETA

Poeta, me dizem – mas eu não

compreendo

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SORRIR DOS “SÉRIOS”

Devemos sorrir dos que se levam a sério.

......

Poesias e citações extraídas do livro "Paulo Valèry: a serpente e o pensar", tradução de Augusto de Campos, Editora Brasiliense.