Guimarães Rosa renarrado

Esse vasto mundo chamado João... João Guimarães Rosa gostava de cavalo, de vaca, de sertão, de sertanejo. E gostava de escrever sobre esse mundo, captando-lhe o sotaque único e a metafísica peculiar, que, de tão regional, acaba sendo universal. Da mistura desses gostares nasceu Grande Sertão: Veredas, obra-prima que faz 50 anos, sem marcas de envelhecimento... ( da revista EntreLivros n. 9, janeiro de 2006).

O ano de 2006 marcou o aniversário de duas datas importantes para a nossa literatura, os 60 e 50 anos de lançamento de duas obras-primas do mestre Guimarães Rosa, Sagarana (1946) e Grande Sertão: veredas (1956). Regionalista, Guimarães Rosa inaugurou um idioma calcado na originalidade, baseado em nossa língua portuguesa, com uma pesquisa lingüística e uma ânsia do metafísico que resvala no prisma universal e assim o escritor mineiro veio concretizar a nova dimensão que o regionalismo estava esperando: a dimensão do espírito e do mistério das coisas.

Quartas Histórias , belíssimo lançamento da editora Garamond (RJ), reúne vários contos de alguns dos maiores escritores brasileiros com outros de jovens e talentosos autores contemporâneos, organizados pelo escritor, pesquisador e professor de literatura Rinaldo Fernandes. Em homenagem aos dois grandes livros, Rinaldo então fez um desafio para diversos autores: recriar narrativas do mais inventivo escritor brasileiro. Contos seriam escritos por autores que produzem sobretudo literatura urbana, escrevendo em um ambiente rural, de forma obliqua, na ótica do escritor mineiro, enfrentando o universo e a linguagem desse autor genial que é Guimarães Rosa.

Para maioria dos escritores convidados para participar desta antologia viram o projeto de Rinaldo como uma aventura e o resultado é esse maravilhoso livro. Como diz Guimarães Rosa: " Imortal é o que é do sofrido; tudo abaixo daí, é póstumo". E se as duas obras se tornaram imortais, essa antologia com certeza irá se tornar um marco da literatura brasileira. Pelo desafio, como Rinaldo argumenta, de recriar um autor inimitável e pela versatilidade dos contistas. Trata-se em linhas gerais, de um livro regionalista feito por autores que, à exceção de alguns poucos, não passaram pela experiência do campo regional.

Na coletânea, 40 escritores contemporâneos, todos contistas, recriam contos de Sagarana ou passagens de Grande Sertão: veredas. Um atestado do grande talento de nossos autores, inclusive alguns bem jovens. A vitalidade do conto brasileiro é visto nestas narrativas, contistas pipocam em todo o país, em tamanha profusão de textos de qualidade, em sua maioria postos na Internet. Cada um dos contistas contribui com um texto curto, alguns não excedendo três páginas, onde a estética, o enredo e a mítica de Rosa servem com Norte, sem agrilhoar os autores ou atrapalhar vôos mais ousados e menos fiéis ao homenageado.

Há autores de todo o Brasil : Aleilton Fonseca, Amador Ribeiro Neto, André Sant'Anna, Antonio Carlos Secchin, Antonio Carlos Viana, Ataíde Tartari Ferreira, Bernardo Ajzenberg, Carlos Gildemar Pontes, Carlos Ribeiro, Cecília Prada, Deonísio da Silva, Fabrício Carpinejar, Fernando Bonassi, Geraldo Maciel, Godofredo de Oliveira Neto, João Anzanello Carrascoza, José Castello, José Rezende Jr., Leila Guenther, Luzilá Gonçalves Ferreira, Marcelino Freire, Marcelo Carneiro da Cunha, Maria Alzira Brum Lemos, Marilia Arnaud, Mário Chamie, Miguel Sanches Neto, Nelson de Oliveira, Nilto Maciel, Paulo Franchetti, Pedro Salgueiro, Raimundo Carrero, Ricardo Soares, Rinaldo de Fernandes, Ronaldo Correia de Brito, Ruy Espinheira Filho, Sérgio Fantini, Silviano Santiago, Suênio Campos de Lucena, Tércia Montenegro e Waldemar José Solha.

Traz também, numa seção inicial, textos sobre Guimarães Rosa de Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Antonio Carlos Jobim, Affonso Romano de Sant'Anna, Daniel Piza, Marcus Accioly e Sônia Maria van Dijck Lima.

A coletânea ´Quartas histórias´ faz parte da recente enxurrada editorial que marca a s datas comemorativas de ´Grande Sertão: veredas´ e de ´Sagarana´. As comemorações já renderam reedições dos livros de Guimarães Rosa (como a bela e luxuosa nova edição do romance), análises críticas, memórias de familiares e uma exposição no recém criado Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

Os textos foram construídos de maneira livre, sem que o leitor necessite ter uma bagagem sobre a obra de Guimarães Rosa, certificando para a sensibilidade que um bom texto é capaz de despertar em quem aprecia a leitura. Quartas histórias cumpre o papel de apresentar o trabalho roseano, o papel de despertar a curiosidade daqueles que desconhecem o mestre João.

Cadorno Teles
Enviado por Cadorno Teles em 07/01/2007
Código do texto: T339493