Flamengo é puro amor
Vim parar em Brasília, que é, em última análise, uma extensão do Rio de Janeiro. Dela, não herdou apenas a condição de capital do Brasil, mas também a torcida pelos times de futebol. E quando falo time de futebol leia-se, quase sempre, Flamengo. Por isso, imagino que viria bem a calhar nesse final de ano presenteá-los com livros como “Flamengo é puro amor”, de José Lins do Rego, que eu li há pouco, e isso sem ser flamenguista.
Zelins, como também era conhecido, escreveu mais de 1.500 crônicas esportivas entre os anos de 1945 e 1957. Infelizmente, não foram lidas todas elas antes de selecionar quais entrariam para o livro – alegou-se “tempo escasso para edição”. Nas que mereceram uma leitura e foram aprovadas pelos editores, Zelins se mostra um cronista esportivo que, mais do que tudo, defendia os interesses do Flamengo. Em outras palavras, ele não se escondia atrás da imparcialidade, como acontece com tantos cronistas hoje em dia.
Por outro lado, Zelins não praticava o mero colunismo de torcedor, em que o fanatismo impede qualquer tipo de concessão aos méritos dos times rivais. Ao contrário, é possível encontrar crônicas bastante respeitosas em relação ao Vasco e ao Fluminense, inclusive se posicionando criticamente sobre problemas específicos desses clubes. Mas nem por isso Zelins deixava de lado a possibilidade de provocar os amigos que torciam por outros times. É um bom exemplo disso a crônica em que tenta provar à vascaína Rachel de Queiroz que, no fundo, ela tem tudo pra ser flamenguista.
As crônicas são curtíssimas, normalmente três ou quatro parágrafos. Não deve se esperar de Zelins grandes (e chatas) abordagens técnicas e táticas do futebol da época. Ele não era um intelectual do esporte. Era tão do povo quanto o seu Flamengo. E conseguia nessas poucas linhas passar uma visão pessoal bastante atraente sobre os jogos, os personagens e os episódios que presenciou – a crônica, afinal, também é registro histórico.
Zelins não parece ter demorado a perceber que as suas crônicas causavam repercussão muito maior do que os seus romances. Uma palavra mais apaixonada aqui, uma provocação ali, e o cronista poderia ser alvo de vaias e retaliações no estádio – certa vez, chegou inclusive a ser ameaçado de morte por torcedores mais exaltados do Botafogo. Estamos, afinal, falando de futebol. Ou seja, de paixão. E as crônicas de Zelins também são paixão, com todos os exageros e excessos que a acompanham. Elas representam uma faceta importante do autor, e significativa o bastante para não ser esquecida.
É preciso mencionar ainda as notas históricas, feitas por Marcos Rocha para contextualizar as crônicas. Sem dúvida uma iniciativa importante, mas infelizmente estão muito mal localizadas – ao final do livro, obrigando o leitor a procurá-las ao término de cada crônica. E mais do que notas informativas, elas por vezes chegam a ser comentários – inclusive, maiores do que as próprias crônicas. Às vezes dava preguiça procurá-las.
José Lins do Rego entrou para a Academia Brasileira de Letras em 1955. Antes, havia publicado crônica dando a entender que não era possível conciliar o seu Flamengo com os luxos e solenidades da Academia. Quanto tomou posse, Zelins fez um discurso em que simplesmente destruiu todos os méritos do seu antecessor, Ataulfo de Paiva.
Se Zelins tinha restrições à Academia, talvez até ficasse satisfeito ao ver que o seu Flamengo também passou a ser argumento contra ela. Isso porque, na homenagem que recebeu da ABL no começo deste ano, receberam a medalha Machado de Assis os ilustres Ronaldinho Gaúcho e Wanderley Luxemburgo – futebolistas que vieram se somar a todos os demais motivos que colocaram a Academia em total descrédito.