Antropologia Estrutural Dois “Raça e História”
Em Raça e História Lévi-Strauss faz uma crítica às teorias evolucionistas. O autor diz que a afirmativa de que os grupos étnicos trouxeram contribuições específicas ao que ele chama de patrimônio comum da humanidade é um equívoco, pois isso seria um “racismo inverso”, já que não podemos equiparar cientificamente traços psicológicos e sociais a traços biológicos.
A diversidade cultural está diretamente ligada à diversidade de espaços físicos, histórias e circunstâncias sociológicas, portanto, não podemos pensar aptidões e fisiologias como realidades que caminham juntas.
Pensando nisso, e adaptando a questão para o estudo de gênero, a antropóloga Margaret Mead se dedica ao estudo de comportamentos de homens e mulheres em três diferentes sociedades que se encontram relativamente próximas geograficamente. A partir da leitura de Sexo e Temperamento (MEAD, 1969) podemos notar o peso social diante da formação de indivíduos. Em seus estudos, Mead mostra que aquilo que a sociedade ocidental tem como comportamento masculino e feminino, é uma construção social, pois muitas sociedades são formadas por homens e mulheres de comportamentos semelhantes ou totalmente distintos entre si e que ainda diferem do que concebemos em cada gênero. Não é diferente o que acontece quando pensamos a questão racial, uma mesma “raça” pode se re-configurar em novas condições físicas ou até mesmo sociais.
Strauss afirma ainda que pensar a relação raça/cultura como direta se mostra problemática porque a diversidade cultural é, em número, maior do que a racial, sendo assim, raça e cultura são coisas distintas, porém a desigualdade existe nos dois campos e não há como eliminá-la do plano das questões raciais se a diversidade cultural permanecer como um tabu na sociedade ocidental.
Na concepção do autor, em uma sociedade atuam duas forças: uma em favor da continuidade de seu particularismo e outra a favor da convergência e da afinidade entre as culturas, é desta forma que uma sociedade se define, levando em conta sua relação com as demais.
No plano do micro social, a diversidade existe ainda dentro de cada sociedade, ou seja, há uma hierarquia em relação a classes sociais, castas, cargos, etc., dependendo da importância que cada grupo atribui para essas relações.
Podemos perceber assim que a diversidade não pode ser concebida de forma estática, ela é um fenômeno natural, resultante de relações diretas ou indiretas entre as sociedades, embora nem sempre tenha sido vista dessa maneira. Prova disso é a relação dos gregos e romanos com os demais grupos que os cercavam, esses denominavam genericamente de “bárbaros” todos aqueles que não compartilhavam da cultura greco-romana, mais tarde os europeus reproduzem esta mesma visão quando chegam às Américas e entram em contato com povos totalmente distintos física e culturalmente, se espantam com alguns costumes e acabam por equiparar os americanos à “selvagens”, ou seja, povos distantes da humanidade e próximos à animalidade. Não é diferente entre os próprios indígenas, algumas tribos, segundo Lévi-Strauss, renegam totalmente as demais, as chamam de “maus”, “perversos” e muitas vezes até de “fantasmas”, na tentativa de negar-lhes a realidade.
Diante de tais situações percebemos uma realidade complexa: a diversidade cultural e étnica não pode ser esquecida ou posta de lado, pois como o autor diz proclamar a igualdade não é o suficiente, a diversidade existe de fato e o homem tende a não percebê-la na tentativa de suprimir o que lhe parece chocante.
É disso que se trata o falso evolucionismo que o autor comenta no início do texto, coloca-se a diversidade de lado para unificar a humanidade, como se o que existisse de diferente fossem apenas estágios evolutivos. É uma teoria semelhante à de Darwin sobre a evolução biológica com a diferença de que a teoria darwinista é dotada de grande probabilidade, pois foi criada com base em estudos e observações, já o evolucionismo social não passa de uma comodidade e tentativa de maquiar a diversidade dando a ela um tom de “cientificidade”, ou pelo menos uma tentativa de.
Pensando a consciência da diversidade cada sociedade pode dividir as demais em três categorias: as que são suas contemporâneas, mas que se encontrar geograficamente distantes, neste caso pode-se conhecer esta outra sociedade e até tentar estabelecer relações equivalentes a uma ordem de sucessão do tempo. É o que aconteceu, por exemplo, com os indígenas na América, pois sua cultura material é semelhante aos vestígios deixados pelos grupos que viveram há muito tempo na Europa, é daí que surgiu o falso evolucionismo e, como foi dito, esta proposta é inválida, pois seria o mesmo que dizer que enquanto uma sociedade passava por mudanças, as outras permaneceriam estagnadas, e não foi o que aconteceu; existem também as sociedades anteriores no tempo, mas que se encontravam localizadas num espaço próximo. Neste caso fica mais fácil pensar em etapas do desenvolvimento, já que falamos de sociedades que ocupam o mesmo espaço e as anteriores deixaram vestígios como pedra lascada e polida, cerâmica, etc., que não são mais utilizadas atualmente, mas ainda assim não é tão fácil regular os progressos humanos de forma linear e contínua, arqueólogos provam que uma sociedade pode fazer uso, ao mesmo tempo, de utensílios de pedra polida, lascada e cerâmica; existe ainda as sociedades que são distantes no tempo e no espaço, a respeito delas pouco se sabe, o que temos são apenas hipóteses, que provavelmente nunca se tornarão certezas.
As sociedades tendem a pensar de forma etnocêntrica, como foi descrito acima, cada uma pensa a outra em relação a si e também se configura em relação às demais. A sociedade ocidental separa as histórias da humanidade em dois tipos: estacionária, e dela fazem parte, por exemplo, os indígenas americanos, “selvagens” que ainda mantém práticas antigas semelhantes aos dos antepassados dos europeus, e por isso estacionárias, pois são vistas como se não tivessem se desenvolvido; e cumulativa, sociedades semelhantes à ocidental, bem como ela própria, que estão em constante mudanças. Mas será que isso pode mesmo ser visto como algo tão bom? O século XXI tem se mostrado muito dinâmico, tão dinâmico a ponto de que os avanços tecnológicos vêm trazendo problemas como a escassez de recursos naturais.
Como diz Lévi-Strauss, há uma originalidade em cada sociedade em resolver seus problemas, todas as culturas possuem técnicas, conhecimentos, crenças, organização social e política. A maneira como estes elementos se configuram é diferente, cabe à etnologia enquanto ciência que estuda as culturas descobrir a origem dessas diferenças.
O autor ainda busca entender o porquê do avanço da sociedade ocidental em relação as demais que permanecem com seus costumes tradicionais, mas é difícil pensar em costumes tradicionais como algo estagnado já que toda sociedade vive transformações isso acontece porque estão o tempo todo em contato com outras formas de sociabilidade, como Strauss mesmo diz, não há sociedades isoladas. O que acontece é que a sociedade ocidental se espalhou fortemente pelo mundo, muitas vezes de forma enérgica e agressiva. Cabe às instituições internacionais conservar a diversidade como compreensão das diferenças.
Referências:
LÉVI-STRAUSS, Claud. Antropologia Estrutural Dois. “Raça e História” p.328 a 366. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1976.
MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. Perspectiva, São Paulo, 1969.