O Mestre Perfeito e o Secretário Intimo
A inspiração egípcia do grau quinto
O grau quinto, correspondente ao Mestre Perfeito é conferido por comunicação, não havendo para ele um ritual de elevação. Nesse grau, o agora Mestre Secreto participará da comitiva de mestres que darão á Hiram uma sepultura definitiva. Esse simbolismo é inspirado nos Mistérios de Isis e Osíris. Como vimos, Isis, ao saber que o corpo de Osíris havia sido cortado em várias partes, que foram enterradas em vários locais, saiu em peregrinação pelo país, e onde as encontrava, celebrava as cerimônias funerárias exigidas pelos rituais e no local erguia um templo. Essa alegoria recorda a necessidade de serem cumpridas as tradições. Os deuses exigem fidelidade ao que foi determinado. Nada se cumpre, nada se realiza sem o devido ritual. Por isso a obra máxima da literatura egípcia é exatamente a crônica ritualística da preparação do defunto para sua viagem pela Tuat, a terra intermediária entre a existência humana e a sua transformação final em espíritO.[1]
Na religião egípcia, o morto que não tivesse sepultura digna e não fosse submetido aos devidos rituais, não tinha direito ao julgamento de Osíris nem podia aspirar á devida regeneração propiciada por aquele deus. Essa é mais uma prova de que a Lenda do Mestre Hiram é de inspiração egípcia .
Na adaptação maçônica dessa tradição, Salomão cuida de dar a devida sepultura ao Mestre Hiram e cumprir os rituais exigidos. Sem essas providências, o processo de simbiose espiritual entre o arquiteto sacrificado e os mestres elevados não se realizaria.
No sarcófago do faraó Sethi I, pai do famoso Ransés II, em cujo reinado se acredita ter ocorrido a grande evasão dos hebreus do Egito, havia uma pintura mostrando a criação do mundo, na qual se representava o corpo de Osíris como sendo a terra intermediária (Tuat), onde as almas dos defuntos peregrinavam em busca da luz. Era nessa terra que se processava a regeneração do defunto que lograva ser sepultado com as cerimônias corretas. A idéia era de que o cerimonial despertava a benevolência daquele deus, que em razão disso, guiava a alma do defunto em segurança por aquele território de trevas. Percorrer todo o corpo de Osíris, e sair do outro lado, onde a deusa Nut segurava o disco solar em suas mãos, era a jornada que a alma devia cumprir.
Com o tempo, esse simbolismo ganhou uma aplicação prática. A idéia da travessia da Tuat passou a figurar uma alegoria de ordem moral. Os teólogos egípcios começaram a divulgar a idéia de que essa travessia poderia ser mais segura se, em vida, o homem fosse mais virtuoso, mais piedoso, mais maat. Assim, a religião asssociou-se á filosofia para criar um sistema de moral, que além de servir para facilitar a vida após a morte, procurava melhorar o caráter dos indivíduos para fazer da sociedade dos mortais um mundo onde se pudesse viver melhor.
A existência após a morte passou a ser considerada uma continuação da vida sobre a terra, e inteiramente dependente do que acontecia nela. [2]
A tumba do Mestre Hiram
Provavelmente é nessa simbologia que se fundamenta a representação da lenda do Mestre Secreto. Nela estão integradas as duas representações desse simbolismo, na sua face esotérica, representada pela idéia de morte e renascimento do Mestre morto na pessoa do novo Mestre elevado, e exotérica, que é a sua regeneração moral a partir de uma nova filosofia de vida, consubstanciada na prática das virtudes maçônicas. Nesse sentido, o processo todo pode ser comparado, não a uma “criação do mundo”, como era representado pelos antigos egípcios, mas á “recriação” de um mundo particular que é o próprio individuo.
Por isso é necessário descer á tumba de Hiram e nela se submeter a catábase e a ánabase que compõem o processo regeneratório. [3]
A tumba do Mestre Hiram é representada por uma pirâmide triangular, tendo numa face a letra M, e nas outras as letras H e C .(Meborach Hiram Caaba). Meborach é a palavra hebraica que designa o Sagrado Nome de Deus e Caaba é a pedra negra conservada em Meca, reverenciada pelo islamistas. Para os cabalistas, essa pedra simbolizava o mistério eterno, o depositório do grande segredo da natureza. Em outras palavras, era a pedra filosofal sintetizada pela própria divindade. Maomé se referia a essa pedra como “ emblema da verdade eterna” que se expressava na unidade de Deus . Deus é Um seu nome é Um” dizia o profeta do Islã..
Em nossa opinião, a inscrição dessas iniciais na tumba de Hiram denota que o Mestre morto assemelha-se a “pedra” que contém em si o segredo da vida e da morte, e quem conhece a Palavra Sagrada é capaz de liberar a luz que habita dentro dela, realizando a sua regeneração. A tumba de Hiram é o local onde se deposita esse segredo. Por isso é que na decoração do templo inclui-se um circulo com uma pedra no meio, imitando o local onde se encontra a Caaba.
A idade do grau é de oito anos, sendo um para a abertura e mais sete para o encerramento. É um simbolismo que, evidentemente, também foi inspirado em antigas tradições iniciáticas egípcias. Essa influência se revela na própria decoração do templo, que representa uma tumba em forma de pirâmide. Com efeito, não teria nenhuma justificativa erigir para Hiram, um arquiteto hebreu, uma tumba em forma de pirâmide, sabidamente uma forma arquitetônica tipicamente egípcia. Diz-se, no entanto, que a tumba de Hiram deve ser considerada não apenas como sepulcro, mas também como templo. Ainda assim não se afasta a influência egípcia, já que os hebreus não eram dados a cerimônias mortuárias no estilo em que foram adotadas para o grau. Essas cerimônias podem ser identificadas muito mais com aquelas descritas no Livro dos Mortos do que com qualquer aspecto da cultura hebraica.
Nas iniciações aos Mistérios Egipcios, o neófito passava um ano nos rituais de purificação e depois mais sete no aprendizado dos “Grandes Mistérios”. Na liturgia do ritual maçônico, porém, a entrada do Mestre Secreto no túmulo de Hiram, significa que ele está “descendo ao fundo de si mesmo para se interrogar sobre o significado do seu próprio ser”. É a busca do segredo dos segredos, o porquê da existência humana. Nesse simbolismo também se identifica a idéia alquímica de morte da matéria prima e seu descanso em trevas absolutas para que dela se possa engendrar a grande obra.
O simbólismo do grau
As cores da Loja no quinto grau são o verde, nas paredes, e o branco, nas colunas. O verde, em Alquimia, era a cor que a matéria prima da obra assumia na sua “primeira morte”, o esverdeado que prenuncia o processo de putrefação que se inicia no organismo morto. O branco das colunas é o primeiro sinal da regeneração que ali se processará.
Isso significa que o maçom, dentro do sepulcro de Hiram, como a semente de trigo atirada ao solo, é comparado a matéria prima do alquimista. Ele sabe que terá de contemplar o mais profundo negro para poder dali emergir com nova identidade psíquica. Como Osíris ressuscitado pelo poder de Isis, ele será recomposto, e renascerá, em outro estado de consciência, para realizar a tarefa que a divindade lhe reserva, antes de alcançar a derradeira iluminação, que é o corolário de toda iniciação.
Eugéne Canseliet, famoso discípulo de Fulcanelli, dizia que a cor verde da matéria prima dos alquimistas recebia o nome de vitríolo ou leão verde, e essa cor era sinal que ela estava pronta para assumir seu papel no processo de obtenção da “pedra bendita”. Esse simbolismo, aplicado á Maçonaria, poderia ser interpretado como sendo o momento em que o maçom, contemplando a tumba de Hiram, está entrando na fase decisiva do processo regenerativo da sua personalidade, momento em que a sua transformação começa a ser visível. O Mestre Perfeito, que ali se realiza, é uma manifestação da alma que reverdece, como a semente atirada ao solo, e inicia a sua marcha rumo á luz do sol. É apenas o inicio de uma longa trajetória, mas essa é uma etapa que não pode ser abreviada.
Essa nossa interpretação, que destoa da maioria dos autores, que preferem ver nela uma alegoria de fundo moral e religioso, é fundamentada no fato de que a lenda do grau se desenvolve a partir do translado do corpo de Hiram, do local onde ele foi escondido pelos Jubelos, até a sua tumba. Evidentemente, dado o estado de decomposição que o corpo se encontrava, é lícito pensar-se que o mesmo já assumira a cor esverdeada que acompanha esse processo. A analogia que se pode fazer com o magistério alquímico é irresistível, pois quando a matéria prima da obra adquire a cor verde, é o momento de transladá-la para o atanor onde aguardará a evolução do processo regenerativo.
Por outro lado, todo convertido á crença islamista sabe que um dos “ land marks” da sua religião consiste em uma visita a Meca pelo menos uma vez na vida. Essa visita é imprescindível para que nele se opere um fenômeno de regeneração psíquica, que se identifica como um fortalecimento da fé e uma disposição inquebrantável de alcançar a redenção prometida a todos aqueles que crêem no Islã.
Não é demais lembrar que as pedras sempre foram objetos de culto em diversas civilizações, que sempre as conectam com algum aspecto da divindade. Na Bíblia são várias as referências. Jacó coloca uma pedra no local onde teve a sua visão. Davi mata Golias com uma pedrada. Diversas outras manifestações da divindade são marcadas por uma pedra comemorativa. Mesmos os gregos não dispensavam a tradição de marcar com pedras os fatos notáveis de sua civilização. Na pedra, portanto, a alma humana sente uma presença misteriosa que lhe diz que ali pode estar contido o grande segredo do universo. Daí o simbolismo da Caaba ter sido transportado para o ritual do Mestre Perfeito, onde o corpo do Mestre Hiram, em sua tumba, torna-se a Caaba maçônica.
Fundem-se, dessa maneira os simbolismos próprios das antigas religiões com a mensagem dos “Filhos de Hermes”.
Os trabalhos do grau são abertos á primeira hora do dia. Nesse simbolismo é preciso evocar o velho adágio hermético de que o adepto não dorme, mas começa a trabalhar assim que o tempo inicia a volta no circulo. Encerram-se á quinta hora porque esse é simplesmente o quinto grau da Escada de Jacó. Não se pode adiantar além do permitido, pois em todo ensinamento iniciático a graduação progressiva deve ser observada religiosamente. Assim também era no Magistério de Hermes e nas antigas seitas iniciáticas.
O Secretário Ìntimo
O sexto grau do Rito Escocês evoca uma tradição atribuída a um servidor do Rei Salomão, que teria sido seu fiel secretário durante os tratados que o sábio rei hebreu celebrou com o Rei de Tiro. Esse servidor seria uma espécie de primeiro secretário do Rei Salomão que velava pela manutenção de sua intimidade, filtrando os assuntos e selecionando os visitantes que procuravam o rei. Por isso o titulo de Secretário Intimo, e o conseqüente trolhamento do grau:
P - Sois vós secretário Intimo?
R: - O meu zelo foi tomado como curiosidade.
P: - O que vos aconteceu?
R: - A minha vida correu grande perigo.
P: - Onde fostes recebido?
R: - Na presença e a pedido do Rei de Tiro.
P:- O que aprendestes?
R: - A ser zeloso, fiel, desinteressado e bondoso.
P: - De onde vindes?
R:- De qualquer parte.
P: Onde ides?
R:- A qualquer parte.
Esse trolhamento resulta de uma tradição, segundo a qual Salomão teria enviado ao rei Hiram de Tiro, uma embaixada com o fim de negociar o envio de técnicos e materiais de construção para a edificação do templo de Jerusalém. Essa embaixada era comandada por Joaben, uma espécie de secretário particular de Salomão. Ele interrogou o rei de Tiro sobre diversos aspectos da economia e da política fenícia, como naturalmente o faria qualquer embaixador que estivesse negociando uma aliança. Hiram não gostou das atitudes dele, tomando-as como uma tentativa de espionagem ou interferência em sua soberania. Em conseqüência, mandou colocá-lo na prisão, ameaçando-o de morte. Só após Salomão ter interferido pessoalmente junto ao rei fenício, este concordou em libertar Joaben e negociar com ele o fornecimento dos materiais necessários á construção do templo e o envio de técnicos especializados em edificações, entre eles Hiram Abif.
Em principio, Joaben negociou com o rei fenício a entrega de vinte cidades na região da Galiléia, proposta que foi aceita. Todavia, depois que o rei Hiram visitou tais cidades, acusou Joaben de tê-lo enganado, pois as mesmas não passavam de meras ruínas no deserto. Furioso, Hiram de Tiro foi pessoalmente ao palácio de Salomão, e quis invadi-lo sem cumprir o devido cerimonial. Nisso foi impedido pelo zeloso secretário. Após ser recebido por Salomão, Hiram queixou-se do tratamento desrespeitoso que entendia ter recebido por parte de seu secretário, exigindo que o mesmo fosse castigado. Salomão, entretanto, com sua proverbial sabedoria, conseguiu convencer o rei fenício que as atitudes de Joaben decorriam da lealdade e do zêlo que seu fiel servidor tinha para com ele.
Nesse diálogo, que encerra toda a filosofia do grau, está explicito o ensinamento que se deseja passar ao elevando. O iniciado não deve querer subir a Escada de Jacó por simples curiosidade, mas sim por desejo de aperfeiçoamento. Isso significa zêlo pelo ensinamento que irá adquirir e pelos assuntos da Fraternidade. O curioso fica pelo caminho, quando não é destruído pela má interpretação (e utilização) dos conhecimentos que adquiriu. Zêlo não se confunde com curiosidade. O zêlo é útil e produtivo para quem quer realmente aprender; a curiosidade é perigosa, e pode ser mortal. O maçom compartilha do segredo maçônico e da intimidade dos demais irmãos. Nesse sentido sua responsabilidade é maior e cresce á medida que vai avançando nessa escalada. Como tem que ir a toda e qualquer parte, pois o maçom é o homem universal, sempre será submetido á provas que desafiarão o seu zêlo pelos interesses da Irmandade, pondo á prova sua cupidêz e as próprias crenças que ele adquiriu na prática maçônica. Sua fidelidade será testada, sua bondade será negada, sua sabedoria será desafiada. Sempre lhe cobrarão a revelação dos segredos que compartilha com os irmãos. Se ele for mais curioso que zeloso não conseguirá resistir ás pressões. Por isso é que entendemos ser esse grau, um verdadeiro libelo á fidelidade.
É bom não esquecer, outrossim, que a Maçonaria enquanto instituição, tem sido constantemente perseguida e difamada por pessoas que teimam em confundi-la com seitas religiosas ou organizações formadas com propósitos inconfessáveis. Na sua própria origem, seus membros foram perseguidos, encarcerados, torturados, tudo porque teimavam em defender idéias libertárias, igualitárias e fraternas. Essa situação sempre será passível de ocorrer em qualquer tempo e lugar, pois a tirania, a intolerância, o preconceito e a maldade ainda não foram extirpados do seio da sociedade. Sempre haverá um tirano de plantão para exigir que o zêlo pela virtude, o amor pela liberdade, a disposição de lutar pelas boas causas, seja renegada em nome da segurança física ou de vantagens de cunho pessoal. Em todos os tempos e em toda parte, o maçom terá que ser firme, fiel, zeloso e constante para merecer o título que recebe no grau seis, de Secretário Íntimo.
A alegoria segundo a qual o maçom é o “ homem de todos os lugares”, que vem de qualquer parte e vai a qualquer parte, é uma evocação aos Rosa-Cruzes, que eram “cidadãos do universo”, segundo a lenda daquela Fraternidade. Essa lenda tem origem no mito de Cristhian Rosencreutz, que segundo a tradição, viajou pelo mundo todo aprendendo os grandes segredos da natureza. No começo do século XVII os alquimistas Sheton e Sendivogius desenvolveram o conteúdo dessa lenda em um interessante trabalho chamado Tratado da Natureza, na qual eles chamavam-se a si mesmos de Cosmopolitas.
A alegoria refere-se também aos maçons operativos, que tinham o direito de trabalhar em várias localidades e cidades, formando grupos itinerantes, fechados em seu silêncio e seus segredos. Daí a mística que sempre envolveu os Obreiros da Arte Real, tidos como cidadãos de todos os lugares. Nesse sentido, a estória de Joaben veio integrar uma tradição bíblica com alegorias de cunho hermético e temas relacionados á Maçonaria operativa.
É preciso, entretanto, sempre ver nessas alegorias um ensinamento de cunho moral, de fundo exotérico, e uma lição iniciática, de caráter esotérico. Dessa forma integram-se as duas faces da Maçonaria: a espiritualista e a histórica. A primeira que remonta suas origens ás próprios fundamentos da sociedade, e a segunda que cuida da Arte Real a partir do nascimento dessa prática dentro das guildas dos construtores medievais. Assim se vai penetrando pela senda das virtudes maçônicas, que vão sendo adquiridas á medida que o iniciado avança na “escalada da perfeição”. O Mestre Perfeito, constante, discreto, zeloso e fiel, estará então, em condições de aprender o que é a verdadeira justiça. Esse será o objetivo do ensinamento dos graus sete a nove.
[1] É o chamado Livro dos Mortos, coletânea de hinos ritualísticos compostos para serem cantados durante as cerimônias fúnebres.
[2] E. A Wallis Budge- The Gods of Egipcians, Vol. I, pg. 173
[3]Catábase, aqui, significa declínio e anábase significa ascensão. Na terminologia iniciática designam as fases representativas da morte e a ressureição do recipiendário em razão do processo de iniciação.
DO LIVRO CONHECENDO A ARTE REAL- MADRAS , S;PAULO, 2007
DO LIVRO CONHECENDO A ARTE REAL- MADRAS , S;PAULO, 2007