R E S E N H A
Livro: São Francisco de Assis
Autor: Jacques Le Goff
Cidade: Rio de Janeiro, RJ.
Ano: 1999
Editora: Editora Record Ltda.
Páginas: 251.
Jacques Le Goff é um historiador francês, nascido em Toulon e especialista em Idade Média. Estudou na Universidade Charle de Prague, membro da École Français de Rome, foi sucessor de Fernand Braudel na direção da École des Hautes Études en Sciences Sociales. Em 1991 recebeu a medalha de ouro CNRS, é autor de dezenas de livros, entre os quais, além do que aqui apresentamos, destacamos : Mercados e Banqueiros na Idade Média, O Nascimento do Purgatório, A bolsa e a Vida e tantos outros.
Fascinado, como ele mesmo diz, pela história da vida e pelo homem que foi São Francisco, Le Goff nos brinda com uma belíssima história sobre este “homem de Deus” que viveu entre os séculos 12 e 13, marcando, de forma indelével, a história da Igreja, a história humana e as formas de evangelização. O legado de “Francesco di Pietro di Bernardone” é vasto e “riquíssimo” para alguém que optou pela pobreza.
O livro é dividido em quatro capítulos e entra em detalhes importantes sobre a vida, a história e as influências do Santo. Antes disso, Le Goff apresenta uma cronologia importante para conhecermos, passo a passo, os movimentos da época, de São Francisco e de todos aqueles que se destacaram, de uma forma ou de outra, na consolidação da história desse Santo venerado pelo mundo afora. Essa cronologia começa em 1181/2, época provável do nascimento de Giovanni, encerrando-se em 1266, quando São Boaventura termina de redigir a biografia de São Francisco, que é imposta como única Vida canônica daquele Santo.
No primeiro capítulo, Le Goff nos apresenta o contexto social do momento, considerando a Itália na qual São Francisco viveria. Ele comenta as mudanças sociais, o progresso onde a terra é o ponto central de referência, as migrações do campo para as cidades, o início das indústrias da época, a construção civil, as fábricas de tecidos e de curtume. Cita o surgimento dos cambistas especialistas que substituem os mosteiros e o aparecimento dos judeus como “banqueiros” para emprestar dinheiro para os “pequenos gastos de consumo”.
Ainda neste capítulo, ele trata da reforma gregoriana e sua influência na libertação da Igreja das amarras do regime feudal, nos leva ao conhecimento da luta contra o “nicolaísmo”, a retomada do processo de cristianização, a adaptação da Igreja à nova face do mundo, a fundação de novas ordens religiosas e a aceitação da diversidade eclesial. Fala da nova convivência entre religiosos e leigos, dentro de uma nova postura da Igreja, que reconhece a importante participação dos leigos no processo de evangelização.
No segundo capítulo, Le Goff apresenta a historicidade sobre a busca do verdadeiro São Francisco, sua vida, seus escritos, sua conversão, a presença de Santa Clara e outros pontos importantes. Le Goff entra em detalhes sobre os problemas encontrados para identificar a veracidade, tanto dos escritos quanto das biografias do Santo em função de divergências entre os próprios membros da Ordem. Lembra o constrangimento provocado por Francisco ao desprezar livros e conhecimentos eruditos em uma época onde as Universidades começavam a surgir. Vários documentos sobre São Francisco desapareceram e alguns sofrem dúvidas a respeito da autenticidade. Por exemplo : há uma carta dirigida a Frei Antônio de Pádua que permanece duvidosa, pois nela Francisco aceita o ensino teológico, mostrando, dessa forma, total contradição com as suas posições contrárias à ciência.
Neste capítulo, temos ainda a conversão de Clara e Pacífica, os milagres e peregrinações do Santo e a sua famosa “Regula Bullata” que ficou “desfigurada” após tantas modificações, perdendo as características básicas. Isso foi um grande golpe na vida de Francisco que passou por um bom período de desanimo.
No terceiro capítulo, o autor nos conduz pelas vias da historiografia, nos informa cuidadosamente dos problemas e dificuldades encontradas nas pesquisas que desenvolveu para a articulação do livro. Um dos pontos fundamentais, é o significado das palavras usadas por São Francisco que devem ser compreendidas à luz da época em que ele viveu. E para isso, é preciso mergulhar no tempo e evitar, a todo custo, uma “tradução” distorcida do vocabulário para o mundo atual.
No quarto capítulo, ele trata do “franciscanismo e os modelos religiosos laicos” que surgiram depois. O que ficou como legado do homem que se transformou em Santo, daquele que optou pela penitência, pobreza e humildade. Daquele que, na Idade Média, foi um grande feminista, demonstrando isso nas suas relações com Santa Clara.
O livro é fascinante e merece ser degustado por quem se interessa pela história da Igreja e pela vida de uma das personagens mais brilhantes do Cristianismo.
São Francisco, além de “santo”, era poeta e ambientalista. Poeta de alto nível e ambientalista por amor, ele tinha verdadeira paixão pela natureza, pois a compreendia como obra de Deus. Os ambientalistas de hoje estão preocupados com a natureza, mas não com ela em sim, mas pelo risco que corremos de nos transformarmos em espécie em extinção.
São Francisco materializa o que diz Mateus 11, 25 : “… Graças te dou, Pai, que ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos ...”
Leandro Cunha