Comédias da vida velha

Em 1933, quando nem Rubem Braga havia lançado a sua primeira obra, Tristão de Athayde comentava sobre a triste sina da crônica que sai do jornal e migra para o livro:

– Dá sempre a impressão de uma flor murcha, dessas que antigamente se guardavam nos livros, e que lembram apenas, melancolicamente, o frescor da vida que possuíram. Uma crônica num livro é como um passarinho afogado. Tira a respiração e não interessa.

Massaud Moisés, em 1967, vai ainda mais longe na comparação: o livro, sendo apenas a morada eventual da crônica, “parece um ataúde, florido e pomposo, mas ataúde”. Era o tempo em que, ao menos os críticos literários, chamavam os caixões de ataúde. Moisés também dizia que, por mais exigente que fosse o cronista na seleção das crônicas que seriam transpostas para o livro, elas perderiam cedo ou tarde a batalha contra o envelhecimento.

Por algum tempo, eu tentei refutar essa ideia, e tive sérias altercações mentais com críticos como Moisés, que consideram um desperdício que o velho Braga não tenha produzido textos em um gênero mais decente – leia-se, longe do jornalismo. Apesar de ainda discordar de vários preconceitos literários, sou obrigado a concordar que muito dificilmente a crônica em livro conseguirá superar o fato de ser, perdoem-me, velha.

Digo isso agora, que terminei de ler as “Comédias da Vida Pública”, do Luis Fernando Veríssimo. Foi a primeira oportunidade que tive de vê-lo falando a sério – é serio isso. Neste livro, Veríssimo juntou 266 crônicas escritas entre os anos de 1968 e 1995, um número considerável de anos, dos quais vivi apenas os últimos oito. As crônicas foram escolhidas em oposição às comédias da vida privada, lançadas anteriormente. Por isso, tratam de temas como a política da época, dos quais todos podiam ter conhecimento.

Eu disse à época. Nas primeiras crônicas do livro, até lá por volta de 1985, eu pouco pude entender as referências históricas feitas por Veríssimo. É verdade que, em muitos casos, existe um pequeno parágrafo logo ao final da crônica, contextualizando o episódio abordado em seu texto – é a prova cabal de que a crônica já envelheceu. Não é suficiente, no entanto, para compreender a abrangência das citações – e seria melhor que essa explicação estivesse logo ao início da crônica. A culpa, naturalmente, não é tanto do Veríssimo como da minha professora de história – que, aliás, muito pouco falou sobre as polêmicas da política americana, assunto tão frequente nas crônicas do autor.

Só conseguimos entrar realmente na história quando aparecem as figuras conhecidas – ou seja, do nosso tempo. O Sarney já estava lá, desde 1985. Passamos por todo o seu governo, vemos o deslumbre e a frustração do governo Collor, acompanhamos a chegada de Itamar ao poder, e terminamos relembrando o primeiro ano do governo de Fernando Henrique. No meio, episódios mais ou menos conhecidos para quem nasceu da década de 80 para baixo, além de resenhas de filmes que também vimos serem lançados.

Mas não será por esse envelhecimento que deixaremos de ler o livro. O humor de Veríssimo está lá o tempo todo – embora a seriedade espante nos primeiros textos. Sua capacidade em criar diálogos e cenários inspirados em referências do noticiário é exemplar. São textos bem construídos, com argumentos estimulantes. É o testemunho de Veríssimo diante do tempo que viveu – para nós, do tempo que passou. E que me perdoe o autor, mas quanto mais velho for o leitor, mais se divertirá com o livro.

Talvez um dia – daqui a muito tempo – alguém leia essas crônicas e as personalidades políticas do meu tempo também tenham caído no esquecimento.

– Sarney, Sarney... onde foi que eu ouvi esse nome antes?

Aguardamos com ansiedade.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 24/10/2011
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