Um Jabuti para a crônica

Pode-se dizer que, atualmente, o melhor livro de crônicas do Brasil é um de contos. Por extensão, nosso melhor cronista deve ser o Dalton Trevisan - que não faz crônicas. É o que se conclui da premiação do Jabuti deste ano, que, a exemplo de todas as edições anteriores, coloca conto e crônica no mesmo balaio de gatos. Dalton foi premiado pelo seu "Desgracida", composto de "mini-histórias", como chamou o autor, e uma parte final com "mal traçadas linhas" - cartas reais ou imaginárias.

Assim como a maior parte das premiações no Brasil, o Jabuti não vê muita diferença, ou então acha muito trabalhoso defini-las, entre o conto e a crônica. São ambos gêneros curtos de prosa - antigamente, a mesma categoria abrigava ainda a novela. Essa indefinição acontece especialmente por causa da crônica, que ainda não possui contornos definidos dentro da literatura - arrisco dizer que nem terá.

A maior parte dos teóricos da literatura que se debruçou sobre a crônica procurou achar nela elementos próprios da sua área de atuação. Assim, a crônica terá maior valor na medida em que se aproxime dos gêneros já estabelecidos para a literatura, como o poema em prosa ou o próprio conto. Tudo que escapar disso é visto como consequência da efemeridade do jornal - este, praticamente um empecilho para que a crônica se realize em formato mais adequado.

Mas uma definição que abra mão de uma característica essencial ao gênero, como as práticas jornalísticas, é certamente incapaz de explicá-lo. Ainda que hoje a crônica não seja escrita em redação, seu texto é diretamente influenciado pelos seus valores - que vão desde a linguagem até a escolha temática, passando pelo próprio tamanho. A análise de características meramente literárias não dará identidade à crônica - é por isso que o Jabuti a coloca junto com o conto.

É engraçado pensar que, houvesse um Jabuti para o jornalismo, a crônica provavelmente estaria na mesma categoria do artigo. Os jornalistas entendem que o fator literário da crônica está ali apenas para cumprir uma função jornalística - aprofundar um fato noticiado, por exemplo. Por isso, aproximam o gênero de outros já consolidados, e dos quais o artigo é o mais semelhante. Também é impossível chegar à identidade do gênero privilegiando apenas o fator jornalístico.

Tanto literatura quanto jornalismo reconhecem um caráter híbrido para a crônica, mas abrem mão dele no momento de classificá-la. Preferem valorizar aquilo que lhe diz respeito. Essa dificuldade insinua o próprio caminho para compreender o gênero, que independe das duas áreas - não é literatura e não é jornalismo. Mistura características de ambas, e provavelmente de outras mais, sem se consolidar em nenhuma.

Se os organizadores do Jabuti entendem a crônica como gênero literário, seria importante reconhecer a sua independência estética e a sua influência de gêneros externos. Isso faria bem inclusive ao conto.

milkau
Enviado por milkau em 18/10/2011
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