Lidando com a variedade lingüística em sala de aula
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: Por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. (238 páginas)
A intolerância em relação ao outro, ao diferente, ao não eu, é uma característica marcante no ser humano e decorre dela a necessidade premente de dominar, de se sobrepor aos demais de todas as maneiras possíveis.
Na história da humanidade tem-se a comprovação efetiva da dominação do homem sobre o homem. Submeter os teoricamente mais fracos pelo poder econômico, pela religião, pela cultura, pela etnia, enfim, por tudo o que os diferem das sociedades dominantes tem sido prática corriqueira, que desafia os pressupostos de uma sociedade democrática.
Sendo a linguagem algo pessoal, traço marcante da cultura de um povo, e, segundo afirma a psicologia, elemento constitutivo do sujeito, dentro de um contexto de luta pelo poder e pela dominação, transformou-se em uma poderosa e covarde arma nos processos de aculturação. As culturas dominantes, no decorrer do tempo, tentaram imprimir o seu modo de falar como um padrão de beleza e perfeição, deixando claro que todos os falantes de outras variedades falam de modo feio, vulgar e imperfeito.
O mito grego, Procrusto, na mais absoluta demonstração de intolerância e preconceito determinou para si que todos os seres humanos deveriam ter a sua estatura e todos que, desafortunadamente, não a tivesse precisavam sofrer alteração na sua forma física, para que no mundo não houvesse diferenças. Na sociedade brasileira, com o uso da língua, isso parece se repetir, pois todos os que, por infortúnio, não falem o português das classes privilegiadas, têm também duas opções: ou se adequam ou sofrem o estigma do preconceito lingüístico.
Marcos Bagno, professor de lingüística da Universidade de Brasília (UnB), escritor, poeta, tradutor e pesquisador dedicado da Sociolingüística apresenta em seu livro uma perspectiva histórica das questões que envolvem a variação lingüística, trazendo a sociolingüística como um norteador para a prática pedagógica do ensino de Língua Portuguesa.
Bagno chama atenção para o fato de que, por trás do discurso do padrão idealizado para o idioma brasileiro, esconde-se o preconceito econômico, de classe, visto que os falantes do português chamado “não-padrão” são provenientes das camadas populares, sendo considerados como os responsáveis por macular o idioma de camões No capítulo intitulado “Variação, mudança e ensino”, Bagno (2007) ressalta a grande mudança ocorrida na educação, provocada pelo fenômeno conhecido como democratização do ensino, o qual ele prefere chamar de proletarização do ensino, se referindo ao grande número de pessoas das classes menos favorecidas que chegou à escola, ocupando um espaço que fora bastante elitizado até então. O autor alerta que esta mudança exigiu dos estudiosos da língua e da linguagem uma atenção especial aos fenômenos lingüísticos que vieram à tona.
A sociolingüística tem como objetivo demonstrar a heterogeneidade da língua. Nesse sentido, é grande a preocupação do autor em apresentar possíveis caminhos pedagógicos para que o professor não fique somente na informação, mas que tenha respaldo para lidar com os fenômenos da língua que ocorrem na sala de aula, deixando de lado a retrógrada noção de erro, fruto da gramática tradicional e da sua carga de preconceitos sociais proveniente do contexto histórico em que foi produzida.
O autor, de forma didática e atraente, consegue despertar o leitor para as questões pertinentes à sociolingüística. As contribuições para os estudiosos da alfabetização e da língua portuguesa são imediatas. Além do conhecimento teórico, a leitura do livro de Bagno (2007), permite a compreensão da necessidade cada vez maior de estudos e pesquisas na área, para que se possa modificar, de alguma maneira, a prática pedagógica, sem cair no engano das receitas e dos métodos. A certeza de uma semente plantada no campo conceitual embasará ações mais conscientes no contexto da sala de aula.