O CONHECIMENTO

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

A necessidade de compreender e explicar a realidade tem acompanhado o ser humano por toda a sua história. Desde o pensamento mítico, passando pelos filósofos gregos e sua metafísica, até os níveis de ciência e filosofia mais avançados, a grande e inquietante questão sempre foi encontrar solução plausível e consistente - a seu modo - para aquilo que parecia inexplicável.

É característica própria da natureza humana tentar estabelecer certa ordem aos acontecimentos cotidianos e, com este objetivo o homem observa, questiona e levanta hipóteses para estabelecer uma explicação que lhe pareça lógica. Até que a desordem se instale novamente e sua teoria caia por terra, ela permanece válida e confiável.

Isto tem se repetido ao longo dos séculos. Um exemplo famoso das primeiras e genuínas explicações do homem acerca da realidade encontra-se no Sistema Geocêntrico, proposto por Cláudio Ptolomeu (150 d.C.), no qual a Terra é apontada como sendo o centro de todo o Universo. Esta teoria funcionou bem, até que foi posta em xeque por Nicolau Copérnico (1473-1543) com o seu Sistema Heliocêntrico, que propunha o Sol como o astro central do Sistema Solar.

Dentro desta perspectiva, Rubem Alves, bacharel e mestre em Teologia, doutor em filosofia, Ph.d. pelo Seminário Teológico de Princeton (EUA), em seu livro Filosofia da Ciência suscita discussão pertinente sobre a ciência e o senso comum, o modo e o porquê de se conhecer algo. A obra está dividida em 11 capítulos, nos quais o autor, como é proprio de sua característica literária, facilita a compreensão do leitor lançando mão de recursos bastante didáticos como parábolas e exercícios mentais.

No primeiro e segundo capítulos do livro, intitulados respectivamente “O senso comum e a ciência I” e “O senso comum e a ciência II”, o autor defende a não mitificação da ciência, segundo ele a visão do cientista como um ser mítico conduz à ideologia de que somente o conhecimento produzido cientificamente é verdadeiro e portanto válido. A ciência tem sua origem no senso comum, e ambos são expressões da necessidade humana de compreender o mundo, afirma o autor e ressalta ainda, para os que tendem a acreditar na superioridade da primeira em relação ao segundo, que durante milhares de anos o homem sobreviveu sem a ciência, valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelas experiências vividas e por intuição.

Em seu livro “Filosofando: introdução à filosofia”, Arruda e Martins discorrem sobre o mesmo tema na introdução do capítulo III. Para as referidas autoras, os homens ao iniciarem qualquer conhecimento, não o fazem livres de suas próprias impressões e reflexões acerca do mesmo. Isto seria impossível, já que a condição de seres históricos e culturais imprime a marca do conhecimento de mundo adquirido e acumulado.

Segundo Cipriano Carlos Luckesi, esta capacidade de pensar o mundo a partir das próprias experiências está tão entranhada no ser humano, que este sequer a percebe. Talvez aí esteja enraizada a crença de que o conhecimento científico é neutro, esquece-se muitas vezes que o cientista é um homem e não um ser mitológico, um semi-deus.

Todo conhecimento inicia-se com um problema, algo que perturbe a ordem dos fatos, que incomode o ser humano e o leve a pensar. Segundo Alves, tanto na ciência como no senso comum esses processos são os mesmos, ou seja, a tomada de consciência do problema, a construção do modelo do real, o levantamento das hipóteses, o teste das mesmas.

Para Arruda e Martins o problema que origina o conhecimento faz com que o homem busque explicações e regularidades nos acontecimentos, pois só enxergando além do caos é que poderá agir sobre o mundo, modificá-lo, buscar e encontrar soluções que tornem a vida mais fácil.

A busca da ordem é justamente o tema do terceiro capítulo do livro de Alves, no qual ele ressalta que esta exigência humana se pauta na necessidade de sobrevivência, ou seja, saber que existe uma estabilidade nos acontecimentos e que os mesmos são passíveis de compreensão dá ao homem a segurança de saber como agir diante de tais acontecimentos. Daí a afirmação de Alves de que “A ciência uma função da vida, justifica-se apenas como órgão adequado à nossa sobrevivência. Uma ciência que se divorciou da vida perdeu sua legitimação.” (2000:p. 40).

O objetivo da ciência é transformar o problema (fato enigmático) em conhecimento, trazer à luz, elucidar, na definição de Luckesi. Ainda segundo este autor este processo é árduo, exige investigação e disciplina metodológica. Rubem Alves acrescenta a necessidade de trabalho dedicado no ato de conhecer, algo que pode parecer inusitado, a despeito da frieza que habituou-se a imprimir à ciência, a imaginação. “Um cientista sem imaginação é como um pássaro sem asas.” (2000:p. 47)

No quarto capítulo, intitulado “Modelos e receitas”, Alves discorre sobre o quê é inteligível, o quê, enfim a mente humana pode conhecer. Segundo ele, não se pode conhecer o real, o que acontece é a construção de um modelo do real, este sim é cognoscível. Se fosse possível a compreensão da realidade tal qual ela se apresenta, o conhecimento humano seria definitivo, o que não é verdadeiro já que as explicações da realidade são sempre provisórias, caem por terra sempre que o modelo criado deixa de explicar os fatos. Decorrem daí as grandes revoluções científicas, a busca sem fim por teorias mais aplicáveis.

No décimo capítulo, “As credenciais da ciência” Rubem Alves estabelece a diferença básica entre ciência e senso comum. O conhecimento elaborado cientificamente pode ser metodicamente testado. Também Luckesi compartilha deste ponto de vista, já que afirma categoricamente a fragilidade do conhecimento produzido pelo senso comum, pela sua pragmática sem questionamentos, mesmo admitindo ser este o primeiro modo de se conhecer algo.

No último capítulo, “Verdade e bondade”, discutiu-se o que deve ser, para o autor, o verdadeiro sentido do conhecimento científico: servir à humanidade, ser um bem social. Luckesi complementaria esta opinião, estabelecendo relação entre conhecimento e consciência social que promoveram, em suas palavras, as mudanças que afetariam efetivamente a sociedade.

No decorrer de toda a sua obra, Rubem Alves recorre e cita grandes nomes da filosofia e da ciência a exemplo de Emannuel Kant, David Hume, Descartes, Kirkegaard, Augusto Comte, John Dewey, Émile Durkheim, Karl Popper, entre outros. Tais referências não furtam ao texto o seu caráter didático, ao contrário, torna-o bastante elucidativo e interessante. Enfim, une a simplicidade estilística do autor à requintes filosóficos clássicos.

Fabiana Gusmão
Enviado por Fabiana Gusmão em 16/10/2011
Código do texto: T3280168