Acréscimos ao Nelson Rodrigues

Na crônica anterior, eu comentei rapidamente que andava lendo o Nelson Rodrigues. Isso merece uma crônica à parte. Fazia tempo que eu não me surpreendia tanto com um autor. Foi, na verdade, o primeiro livro do Nelson que li. Trata-se do “Óbvio Ululante e Outras Confissões”. Seu estilo seco me agrada totalmente. Em poucos autores encontrei tamanha fluência na leitura. A quebra de raciocínio e a mudança de assunto, características que caem tão bem à crônica, são fartamente utilizadas. E como são povoadas essas crônicas do Nelson! Santo Deus! Seu livro é um índice onomástico. Nelson Rodrigues é o primeiro autor de índices onomásticos que se tem notícia. Só que vive repetindo os nomes: Dom Hélder Câmara e Hélio Pellegrino, por exemplo, apareciam quase todo dia nas suas crônicas. Coisa impressionante. E o pior é que nos afeiçoamos a eles, assim como a sua úlcera – que o acordava às três horas da manhã, ainda que não doesse.

Suas crônicas não possuem necessariamente continuação, mas a leitura de cada uma é mais saborosa se tivermos lido a anterior – Nelson prolongava assuntos e vivia fazendo referências ou mesmo repetindo coisas ditas nos dias anteriores. Grande Nelson, eu também faço isso, embora não tenha um jornal diário para escrever. Esses assuntos que ocupavam espaço nos seus textos costumavam oferecer reflexões bastante instigantes – embora, provavelmente, sejam lidas com muita restrição pelas esquerdas.

Afinal, Nelson não poupava críticas ao intelectual de esquerda que passava o dia na praia e as noites no boteco, bastante preocupado com o que acontecia no Vietnã e absolutamente ignorando que houvesse fome no Nordeste ou sofrimento de índios na Amazônia. Os próprios marxistas – muito mais do que Marx – foram alvos de severas admoestações (“O marxismo é o ópio do povo”, disse em um sarau), que se estenderam também às tietes de Sartre, um gênio que, dizia, beirava a imbecilidade.

Posso dizer que não é uma leitura passiva – estamos sempre sendo estimulados a tomar posição. Não que tenha escrito em tom doutrinário – ao contrário, a sua leitura, quando despida das paixões ideológicas, é uma das mais engraçadas do gênero. Nelson era uma verdadeira ostra. Estão lá várias frases de efeitos criativíssimas. Mas a prova de que não é possível ficar alheio às opiniões de Nelson, eu encontrei nas últimas crônicas.

Nelas, um senhor – e eu o imagino como um senhor – resolveu fazer uns acréscimos ao Nelson. Quem conhece o livro, sabe que as crônicas são divididas em tópicos numerados. Pois esse senhor resolveu anotar a caneta os seus próprios tópicos, ao final. Lá está o Nelson falando no tópico 14 ou 15 sobre os jovens do Brasil, e em seguida aparece um número 16: “É um nacionalista esse Nelson. E com razão! Os jovens dessa época só se preocupavam com as coisas do estrangeiro”.

Em outra parte, comenta o Nelson sobre as inovações pretendidas por D. Hélder para tornar as missas mais populares, incorporando ritmos e instrumentos mundanos. Nelson imagina um grande samba na missa. E lá está novamente o senhor, concordando com Nelson, e acrescentando a história de um frade que queria manifestar seu amor a Nossa Senhora dando cambalhotas na igreja, só que sozinho, sem ninguém ver. E para terminar, na última crônica, quando Nelson dá uma alfinetada em Ferreira Gullar, o nosso homem novamente endossa a crítica, citando alguma obra que não gostou.

Quando eu publicar um livro com as minhas crônicas, vou deixar um espaço ao final de cada crônica, para que o leitor acrescente o que achar conveniente.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 30/09/2011
Reeditado em 30/09/2011
Código do texto: T3249432
Classificação de conteúdo: seguro