Os 100 melhores contos de HUMOR da Literatura Universal



Humor é coisa séria. Dito assim pode não passar de chavão, mas quem convive, conviveu ou ao menos já se deparou com alguém sem nenhum humor sabe da falta que o mesmo faz para avaliar algumas (quase todas!) situações da vida.

Se há o mau humor como estado de espírito, provocado por situações alheias e até adversas a nossa vontade, há também o mau do humor (Distimia), que deve ser objeto de tratamento médico, pois a pessoa acometida por esse mal faz da sua e da vida de quem com ela convive um verdadeiro calvário de falta de humor e negatividade.

O “jeito mala de ser” do mal humorado faz dele um personagem único. A carga de negatividade de seus comentários sobre qualquer assunto, faz dele o “assunto” de piadas e comentários jocosos pois não é fácil conviver com alguém com “tolerância zero” para o que quer que aconteça ou se diga.

Por ter a convicção de que o humor é mesmo assunto muito sério percebo, não sei se equivocadamente, um preconceito em algumas opiniões formuladas em artigos, em comentários que leio, com os textos de humor. Não raro, são tratados como algo menor, mas quero recomendar para quem tem a mesma convicção que eu, ou por quem ainda duvida dessa seriedade, a leitura do livro Os cem melhores contos de HUMOR da Literatura Universal, da EDIOURO-TECNOPRINT.
 
Flávio Moreira da Costa fez um trabalho formidável de pesquisa e garimpou preciosidades da literatura universal dos contos de humor, da antiguidade até os dias atuais. Como escolhas são sempre pessoais, mesmo seguindo critérios universais, certamente que alguns dos contos que ali estão não seriam da minha escolha  mas todos tem seus méritos, justificados convincentemente pelo organizador da coletânea.

O excelente texto que se segue é parte da introdução do livro, que fala por si só desse tipo de texto tão pouco compreendido pelo grande publico, mas muito importante para que entendamos a complexidade, mas também a leveza e a beleza da espécie humana que consegue rir e fazer rir até de suas misérias, de seus dramas mais sofridos, de sua face mais sórdida.

Afinal, há algo mais animador que um sorriso, que uma boa gargalhada?


 Meu filho e eu, rindo por nada, por tudo...

A SÍNDROME DE AKAKI AKAKIÉVICH E OS HUMORES

Flávio Moreira da Costa

Nada ao mesmo tempo mais individual, cultural e pessoal do que o riso, o sorriso, a gargalhada. Individual, porque cada um de nós tem o humor que tem ou que merece, e nada se pode fazer a esse respeito - a não ser, em caso de muita falta de humor, algum tipo de terapia, mas isso é outra história. Cultural no sentido antropológico da palavra, porque o humor resulta de uma infinidade de condicionantes locais, sociais, históricas, raciais, climáticas etc., tudo aquilo enfim condensado numa determinada formação coletiva - e nesse sentido não se pode esperar que o humor de um russo seja igual ao de um esquimó, ou, para ficarmos no plano brasileiro, que o humor de um gaúcho da fronteira seja o mesmo que o de um nordestino do agreste, ou ainda, reduzindo a paisagem, o de um carioca ao de um paulista.

Ao mesmo tempo, como querer que o humor da Antigüidade, por exemplo, do grego Aristófanes ou dos latinos Plauto e Terêncio, tenha a mesma constituição e os mesmos matizes de riso do que o da Idade Média do saxão Chaucer e do florentino Boccacio, ou do pródigo Renascimento do espanhol Cervantes, do francês Rabelais e do inglês Shakespeare? Finalmente, o humor é universal porque rir faz parte do ser humano - sabemos que o homem é o único animal que ri (A hiena não conta, é claro). Dito isso, os contos desta nossa antologia (porque é deste gênero de literatura, conto, que se trata, em primeiro lugar) não são contos de humor: são contos de humores. E como resultado esta dificuldade inicial de pesquisar o assunto e organizar o livro, nós outros, leitores - e um “autor" de antologia deve ser antes de mais nada um bom leitor -, o que temos é uma imensa diversidade: do alto destas narrativas aqui agrupadas, quase 28 séculos nos contemplam.

Em outras palavras: apesar da tragédia da história humana, há pelo menos 28 séculos que a humanidade consegue rir dela mesma. O homem comum acha que o humor é apenas o cômico: o tombo do palhaço, a piada de salão, a anedota da esquina ou aquele filme ou programa de televisão cujo bordão ele sabe de cor. Não que o senso comum esteja errado (vamos evitar o preconceito), mas com certeza sua percepção se limita apenas a uma das mil faces do simples ato de abrir a boca, mostrar os dentes e fazer os olhos e a inteligência brilharem ao longo da humanidade.

Apesar de sua simplicidade aparente, o humor por vezes é muito perigoso, e não são poucos os autores presentes que pagaram com prisão ou exílio, como Voltaire, para citar só um caso. (“No Brasil Colônia, a lnquisição portuguesa matou o comediógrafo Antônio José, o Judeu; o Estado Novo prendeu o Barão de ltararé tantas vezes que ele colocou um cartaz na redação do seu “A Manha”: Entre sem bater”; e a "Revolução" de 1964 perseguiu humoristas do “Pasquim", mas não só.) Também é descontraído o humor, infantil, brincalhão, tenso ou intenso; é sério, é sátira, crítica social ou de costumes; é o humour e o wit inglês, o spirit e o burlesco francês; o tragicômico e o melodramático do Norte europeu; o racionale o absurdo da Europa Central; é sofisticado e irreverente, civilizado e primitivo; é saudabilíssimo e é noir; é de morrer de rir ou serve apenas para, sutilmente, nos fazer pensar; é inofensivo e corrosivo; é chanchada, pastelão, moralista e psicológico. E so on, assim por diante.

A UNESCO cataloga cerca de 500 conceitos para a palavra "cultura" (daí a eterna confusão nesta área, principalmente... burocrática). Sobre "humor" creio não haver um levantamento semelhante. As definições dos dicionários, seja o Petit Robert, o Webster ou o Aurélio, são apenas insuficientes ou limitadoras. Não teria graça teorizar sobre ele aqui. Mas vale lembrar que Monteiro Lobato, um homem sério e que por isso mesmo fez e pensou o humor, considerava-o "a maneira imprevisível, certa e filosófica de ver as coisas", acentuando, no final, que a essência desses três itens era a imprevisibilidade.

Uma curiosidade: para Lobato, e para tantos outros, a Inglaterra é o país do humor por excelência ("E o que é a excentricidade inglesa senão o humor da conduta?"), e, por outro lado, "o alemão tem incompatibilidade orgânica com o humor". Será? Sim, são muitos e variados os humores. Deles, não todos, mas uma boa gama está representada nesta antologia. O humor da ou na literatura, feito por escritores, antigos, ocidentais, orientais, medievais, renascentistas, clássicos, modernos, contemporâneos e em geral seríssimos e. . . mal-humorados. Sílvio Romero já dizia, há mais de um século: o bem-humorado não faz humor; quando alguém faz humor é sinal que está mal-humorado. Paradoxos fazem parte do raciocínio lógico e têm lá sua graça. Quem pode rir melhor é o leitor, que ri por último, como se diz.
 
Conheça o autor um pouco mais

Flávio Moreira da Costa é jornalista desde os 15 anos(sic), romancista, contista, antologista, crítico de cinema, arte e literatura é um dos escritores brasileiros mais premiados. Em 1983, com Malvadeza Durão, venceu o Concurso Nacional de Contos do Paraná. Por O Equilibrista do Arame Farpado, em 1998, recebeu os prêmios Machado de Assis da Biblioteca Nacional, Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, Melhor Romance da União Brasileira de Escritores, além de ter sido finalista do Prêmio Nestlé. Nem Todo Canário é Belga ganhou novamente, em 1999, o Prêmio Jabuti. (...)A prioridade nos últimos anos é a sua obra enquanto escritor e a tradução de contos para as suas antologias de conto mundial. Em 2001, selecionou, traduziu e organizou Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal, imediatamente aplaudido por público e crítica. No final de 2002, lançou Os 100 Melhores Contos de Crime e Mistério da Literatura Universal e em 2003, As cem melhores histórias eróticas da literatura universal.
http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/FlavioMoreiradaCosta.htm