Um amor por Nova Iorque
INOPSE: Reunião de quatro graphics novels do mestre Will Eisner, retratando em um panorama original o cotidiano das ruas e edifícios da maior metrópole norte-americana
Presente no nascimento da indústria das HQs nos anos 1930, Will Eisner pode ser chamado de “avô dos quadrinhos”. Um dos gigantes da nona arte do século XX, participou por mais de cinquenta anos da construção e evolução das comics, passeando pelos vários tipos e gêneros, aventuras, sci-fi, heróis, policiais, didáticos e os álbuns gráficos.
Considerado o criador das primeiras narrativas gráficas, com Um contrato com Deus (A Contract with God, 1978), Eisner retorna às estandes das livrarias brasileiras, com o volumoso Nova York: a vida na grande cidade (Will Eisner's New York: life in the big city, tradução de Augusto Pacheco Calil) pelo selo Quadrinhos na Cia, da Companhia das Letras.
Composto por quatro livros, publicados entre 1981 e 1992, compreende Nova York: a grande cidade (New York)lançada anteriormente em 1988, pela Martins Fontes, e estava fora de catálogo, O edifício (The building), publicada pela Abril em 1989, na célebre coleção Graphic Novel, e as inéditas Caderno de tipos humanos (city people notebook) e Pessoas invisíveis (Invisible people), vagamente relacionados uma com as outras, mas que segue o estilo aberto de O contrato com Deus, ampliando as histórias para demais bairros nova-iorquinos, não somente ambientando no Bronx.
Eisner recria o que sua memória continha, dos anos 1930 a 1960, em Nova York vemos vinhetas breves e pequenas ficções gráficas, como verdadeiros contos, curtos, precisos, concisos, densos. Baseadas em suas observações, sobre cenários habituais das ruas da cidade, lugares em torno de um hidrante, de degraus, garagens e grelhas de bueiros, as histórias são breves vislumbres, sem personagens continuados, algumas bem próxima da realidade, outras comoventes. Como em A fonte, onde diversos tipos da cidade visitam um lixeiro a procura de uma coisa que lhe sirvam.
O edifício, pelo contrário, é uma graphic novel no melhor estilo, conta a história da vida de quatro fantasmas que possuem laços com um prédio já demolido, e como, no fim, se unem, após a morte, de uma maneira que não fizeram em vida. Sentimental, a narrativa nos faz refletir sobre o que fazemos com o nosso passado e memórias, como lidamos com as escolhas e mudanças que elas acarretam e como mesmo aquilo que mal notamos no nosso dia-a-dia serve de testemunha para nossas ilusões, desilusões, amores, medos e objetivos.
Cadernos de tipos urbanos, Eisner continua com sua narrativa aguda, mais realista, mostrando como se ele próprio estivesse registrando ou desenhando o cotidiano dos seus habitantes. Novamente um bocado de histórias sem diálogos, com personagens que fluem e rompem suas páginas, com se o papel não definisse as fronteiras. O autor faz um estudo dos tipos que habitam suas nova yorks, como ele próprio diz: “viver numa cidade grande pode ser comparado a existir numa selva. Tornamo-nos criaturas do ambiente. A reação dos ritmos e coreografias é visceral, e em pouco tempo a conduta de um morador fica tão singular quanto a de um habitante da selva. Vemos habilidades ancestrais e sobrevivência e mudanças sutis de personalidade afetarem o comportamento. Aqui temos uma espécie de estudo arqueológico de tipos urbanos”.
Por último, Pessoas Invisiveis, Eisner se revela mais sombrio, com três histórias – O santuário, O poder e Combate mortal – sobre pessoas esquecidas e solitárias, pondo em xeque o isolamento e a indiferença impostos pela metrópole.
Com introdução de Neil Gaiman, que apresenta uma abordagem sentimental sobre a figura do mestre e amigo, o livro ainda possui algumas cenas excluídas e notas do editor de Eisner, Dennis Kitche, que faz um breve histórico editorial das narrativas.
Em suma, Eisner confere um retrato real da vida urbana e seus personagens, que muitos desenhistas e cartunistas ainda seguem, numa verdadeira obra de arte. Para não contar o capricho da Companhia e o preço justo. CONFIRAM