MINDA-AU - livro de Contos
Márcio Renato dos Santos é jornalista e mestre em Estudos Literários pela UFPR, faz parte da equipe do jornal literário Rascunho, fundado em 2001, em Curitiba, pelo jornalista Rogério Pereira.
Conheci Márcio Renato em 2006, quando ministrou uma palestra para a turma da Oficina de criação literária, que oriento no Solar do Rosário. Na época o Márcio havia escrito mais de 600 contos, porém ainda não queria publicá-los. Disse que esperaria até sentir que eles estivessem completamente aprimorados. Essa atitude é muito difícil de encontrar, pois nós escritores somos, geralmente, pessoas muito ansiosas e ainda com o agravante de termos compulsão por publicar.
Nesse sentido, Márcio Renato dos Santos revelou uma paciência zen.
Atualmente, ele já escreveu mais de 700 contos e decidiu publicar seu primeiro livro. Escolheu 7 trabalhos de seu arsenal, ou seja, 1% dos contos que escreveu, e dessa maneira nasceu a obra Minda-Au (Márcio Renato dos Santos, Ed. Record, 2010, 80 páginas).
O nome Minda-Au evoca um fato de sua vida, era uma criança de um pouco mais de um ano de idade, um dia, gatinhando pela casa, viu um quadro de um dromedário e falou: Minda-Au. Quando recebemos essa informação, o título do livro, a principio estranho, revela o seu valor. O ser humano antes de adquirir a linguagem materna tem sua própria linguagem. “Ninguém entende o que o nenê disse”, desesperam-se as mães. É isso. É a linguagem particular, a torre de Babel que separa os seres humanos. E se todo escritor procura a sua própria linguagem, sua própria voz, nada melhor do que Minda-Au para evocar esse orbe inteligível do eu, onde se misturam lembranças, imagens, sons, emoções, pensamentos, ideias, essa torrente que circula no mundo subjetivo de Márcio Renato dos Santos. Na minha opinião, quando o escritor intitulou Minda-Au ao seu primeiro livro, ele escolheu muito mais do que um título, escolheu ser fiel a si mesmo.
As histórias acontecem em Curitiba, cidade muito carismática, e um pouco desse carisma pula dos contos e apodera-se das retinas dos leitores.
Em “Teletransporte nº 2”, o personagem não sabe se está acordado ou sonhando, enquanto dirige um carro desgovernado. Renato disse que nesse trabalho fez “uma metáfora da própria vida, pois não temos controle sobre nossa trajetória no mundo”. E não temos mesmo!
Talvez por isso os gregos imaginavam as Parcas tecendo a vida humana.
“A guitarra de Jerez”, um dos mais belos contos do livro, inicia com uma negação: “Nunca toquei a guitarra que está na sala do meu apartamento. Ninguém mexeu nela. As pessoas que me visitam não tiram os olhos. Músicos desejam manuseá-la. Crianças querem tocar. Não deixo.” (...)
As frases curtas marcam o ritmo, e esse “Não deixo” aguça a curiosidade do leitor. Por que ninguém pode tocar esse belo instrumento?
Márcio Renato dos Santos nos leva por caminhos sinuosos e inesperados. Esse é o primeiro livro de um experiente contista. Vale a pena conferir.
(Essa resenha foi publicada no mês de maio no ICNews, coluna: Livros, de Isabel Furini)