MEU LIVRO DE CORDEL
"Pelo amor que tenho a todas as estórias e poesias de Cordel, que este livro assim o seja, assim o quero numa ligação profunda e obstinada com todos os anônimos menestréis nordestinos, povo da minha casta, meus irmãos do nordeste rude, de onde um dia veio meu pai para que eu nascesse e tivesse vida."
Cora Coralina
O cordel, a meu ver, é um gênero poético dos mais elaborados, apesar de sua aparente simplicidade e tem no seu jeito de contar estórias sua principal atração.Como gênero literário, é extremamente significativo para a cultura nordestina. Li por aí que uma de suas origens é que veio de Portugal, que existe desde a Idade Média quando seus folhetos eram expostos pendurados em cordões ou barbantes.Vindo no "balaio" da colonização, a “moda” pegou também nas feiras do nordeste brasileiro e, embora já rareando, além de serem vendidos assim os escritores de cordel, declamam e até cantam seus versos, enchendo as feiras livres de alegria e poesia.
Para quem já leu qualquer poema ou conto de Cora Coralina sabe que está diante de uma escritora extraordinária não só pela capacidade inventiva, mas principalmente pela sensibilidade poética com que descreve qualquer objeto, sentimento ou ser vivo que escolhe como tema de seus escritos.
Saber que também ela gostava e se identificava com esse gênero me deixou muito feliz. Mais que feliz, emocionada, pelo generoso reconhecimento de suas raízes, tão caras a cada um e a cada uma que, como eu, ama e respeita o lugar onde nasceram e vivem os seus.
As palavras que iniciam MEU LIVRO DE CORDEL já dispensariam qualquer comentário, mas o sentimento que nos toma a cada um dos 43 poemas deste livro é a prova viva de que é preciso dizer mais. Ler e reler cada um, ver com os olhos da imaginação cada paisagem descrita, cada personagem escolhido, cada sentimento que transborda do pensamento para a composição dos versos, é um exercício único.
Li e reli cada um dos poemas com a reverência e a emoção de quem lê uma declaração de amor á vida: “Entre pedras que me esmagavam / Levantei a pedra rude dos meus versos”. (Das pedras. pág.11). Uma declaração de amor a poesia: “Perdoe-me poeta. Tão tarde o conheci! Tantos cantores pelo mundo... para minha ignorância eras mais um dentre eles.” (Pablo Neruda (I). pág.25) Uma declaração de amor ao amor: “Nas palmas de tuas mãos / leio as linhas da minha vida / Linhas cruzadas, sinuosas, / interferindo no teu destino.” (Meu Destino. pág. 87)
Quem lê a biografia de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, a Cora Coralina (li que significa “coração vermelho”) sente que ela nunca desistiu da vida, apesar das adversidades de viver numa época de tantas limitações sociais. Numa das vezes que estive no museu da Língua Portuguesa, em S. Paulo e vi a exposição “Cora Coralina – Coração do Brasil” me emocionei diante dos originais de seu caderno de receitas de doces, de suas fotografias, diante do conjunto da obra de uma mulher que mal tinha o curso primário, mas sua estória de vida, talento, sabedoria e sensibilidade poética tornou-a reconhecida como uma das maiores escritoras desse país.
Ao fundo, painéis com os originais de Cora Coralina.Na foto, Moisés, filho de minha amiga Núbia e eu, tietando a exposição no final de 2009.
E se só isso não bastasse para dizer o quanto este livro é especial o poema a seguir, na íntegra, diz um pouco do que foi e é essa mulher tão poeta, tão gente, tão especial.
Não conte pra ninguém
Eu sou a velha
mais bonita de Goiás.
Namoro a lua.
Namoro as estrelas.
Me dou bem
com o Rio Vermelho.
Tenho segredos
como os morros
que não é de advinhá.
Sou do beco do Mingu
sou do larguinho
do Rintintim.
Tenho um amor
que me espera
na rua da Machorra,
outro no Campo da Forca.
Gosto dessa rua
desde o tempo do bioco
e do batuque.
Já andei no Chupa Osso.
Saí lá no Zé Mole.
Procuro enterro de ouro.
Vou subir o Canta Galo
com dez roteiros na mão.
Se você quiser, moço,
vem comigo:
Vamos caçar esse ouro,
vamos fazer água... loucos
no Poço da Carioca,
sair debaixo das pontes,
dar o que falar
às bocas de Goiás.
Já bebi água de rio
na concha de minha mão.
Fui velha quando era moça.
Tenho a idade de meus versos.
Acho que assim fica bem.
Sou velha namoradeira,
lancei a rede na lua,
ando catando estrelas.
Serviço:
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, a Cora Coralina
(Poetisa brasileira)
1889 – 1985
Poetisa brasileira nascida em Goiás, GO, que apesar de distante das grandes cidades como dos credos e receitas de literatura vigentes no Brasil, construiu uma obra poética com motivos autênticos do cotidiano interiorano. Filha do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e de Jacita Luiza do Couto Brandão, cursou apenas as primeiras letras com mestra Silvina e já aos 14 anos escreveu seu primeiro conto, Tragédia na Roça. Tornou-se doceira de profissão e casou-se (1934) com o advogado Cantídio Tolentino Bretas e foi morar em Jabuticabal, interior de São Paulo, onde nasceram e foram criados seus seis filhos. Voltou a viver em Goiás (1956) depois de ficar viúva e passou a cuidar de sua obra definitiva, enquanto que com a mesma rica simplicidade de seus personagens, fazia vendia doces cristalizados para sobreviver. Morando longe dos grandes centros ficou desconhecida do mundo intelectual nacional por mais de 70 anos de vida. Publicou seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás, quando já contava com 77 anos. Onze anos depois escreveu Meu livro de cordel. Depois de publicar Vintém de cobre - meias confissões de Aninha (1983), recebeu o prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, e morreu em Goiânia, dois anos depois. Logo após sua morte, seus amigos e parentes uniram-se para criar a Casa de Coralina, que mantém um museu com objetos da escritora.
http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_1555.html
Quem quiser saber mais, aprender mais sobre cordel visite a ABLC, Academia Brasileira de Literatura de Cordel no site: http://www.ablc.com.br/
"Pelo amor que tenho a todas as estórias e poesias de Cordel, que este livro assim o seja, assim o quero numa ligação profunda e obstinada com todos os anônimos menestréis nordestinos, povo da minha casta, meus irmãos do nordeste rude, de onde um dia veio meu pai para que eu nascesse e tivesse vida."
Cora Coralina
O cordel, a meu ver, é um gênero poético dos mais elaborados, apesar de sua aparente simplicidade e tem no seu jeito de contar estórias sua principal atração.Como gênero literário, é extremamente significativo para a cultura nordestina. Li por aí que uma de suas origens é que veio de Portugal, que existe desde a Idade Média quando seus folhetos eram expostos pendurados em cordões ou barbantes.Vindo no "balaio" da colonização, a “moda” pegou também nas feiras do nordeste brasileiro e, embora já rareando, além de serem vendidos assim os escritores de cordel, declamam e até cantam seus versos, enchendo as feiras livres de alegria e poesia.
Para quem já leu qualquer poema ou conto de Cora Coralina sabe que está diante de uma escritora extraordinária não só pela capacidade inventiva, mas principalmente pela sensibilidade poética com que descreve qualquer objeto, sentimento ou ser vivo que escolhe como tema de seus escritos.
Saber que também ela gostava e se identificava com esse gênero me deixou muito feliz. Mais que feliz, emocionada, pelo generoso reconhecimento de suas raízes, tão caras a cada um e a cada uma que, como eu, ama e respeita o lugar onde nasceram e vivem os seus.
As palavras que iniciam MEU LIVRO DE CORDEL já dispensariam qualquer comentário, mas o sentimento que nos toma a cada um dos 43 poemas deste livro é a prova viva de que é preciso dizer mais. Ler e reler cada um, ver com os olhos da imaginação cada paisagem descrita, cada personagem escolhido, cada sentimento que transborda do pensamento para a composição dos versos, é um exercício único.
Li e reli cada um dos poemas com a reverência e a emoção de quem lê uma declaração de amor á vida: “Entre pedras que me esmagavam / Levantei a pedra rude dos meus versos”. (Das pedras. pág.11). Uma declaração de amor a poesia: “Perdoe-me poeta. Tão tarde o conheci! Tantos cantores pelo mundo... para minha ignorância eras mais um dentre eles.” (Pablo Neruda (I). pág.25) Uma declaração de amor ao amor: “Nas palmas de tuas mãos / leio as linhas da minha vida / Linhas cruzadas, sinuosas, / interferindo no teu destino.” (Meu Destino. pág. 87)
Quem lê a biografia de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, a Cora Coralina (li que significa “coração vermelho”) sente que ela nunca desistiu da vida, apesar das adversidades de viver numa época de tantas limitações sociais. Numa das vezes que estive no museu da Língua Portuguesa, em S. Paulo e vi a exposição “Cora Coralina – Coração do Brasil” me emocionei diante dos originais de seu caderno de receitas de doces, de suas fotografias, diante do conjunto da obra de uma mulher que mal tinha o curso primário, mas sua estória de vida, talento, sabedoria e sensibilidade poética tornou-a reconhecida como uma das maiores escritoras desse país.
Ao fundo, painéis com os originais de Cora Coralina.Na foto, Moisés, filho de minha amiga Núbia e eu, tietando a exposição no final de 2009.
E se só isso não bastasse para dizer o quanto este livro é especial o poema a seguir, na íntegra, diz um pouco do que foi e é essa mulher tão poeta, tão gente, tão especial.
Não conte pra ninguém
Eu sou a velha
mais bonita de Goiás.
Namoro a lua.
Namoro as estrelas.
Me dou bem
com o Rio Vermelho.
Tenho segredos
como os morros
que não é de advinhá.
Sou do beco do Mingu
sou do larguinho
do Rintintim.
Tenho um amor
que me espera
na rua da Machorra,
outro no Campo da Forca.
Gosto dessa rua
desde o tempo do bioco
e do batuque.
Já andei no Chupa Osso.
Saí lá no Zé Mole.
Procuro enterro de ouro.
Vou subir o Canta Galo
com dez roteiros na mão.
Se você quiser, moço,
vem comigo:
Vamos caçar esse ouro,
vamos fazer água... loucos
no Poço da Carioca,
sair debaixo das pontes,
dar o que falar
às bocas de Goiás.
Já bebi água de rio
na concha de minha mão.
Fui velha quando era moça.
Tenho a idade de meus versos.
Acho que assim fica bem.
Sou velha namoradeira,
lancei a rede na lua,
ando catando estrelas.
Serviço:
- Autor: Cora Coralina
- Gênero: Literatura Brasileira - Poesia
- Editora: GLOBAL EDITORA
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, a Cora Coralina
(Poetisa brasileira)
1889 – 1985
Poetisa brasileira nascida em Goiás, GO, que apesar de distante das grandes cidades como dos credos e receitas de literatura vigentes no Brasil, construiu uma obra poética com motivos autênticos do cotidiano interiorano. Filha do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e de Jacita Luiza do Couto Brandão, cursou apenas as primeiras letras com mestra Silvina e já aos 14 anos escreveu seu primeiro conto, Tragédia na Roça. Tornou-se doceira de profissão e casou-se (1934) com o advogado Cantídio Tolentino Bretas e foi morar em Jabuticabal, interior de São Paulo, onde nasceram e foram criados seus seis filhos. Voltou a viver em Goiás (1956) depois de ficar viúva e passou a cuidar de sua obra definitiva, enquanto que com a mesma rica simplicidade de seus personagens, fazia vendia doces cristalizados para sobreviver. Morando longe dos grandes centros ficou desconhecida do mundo intelectual nacional por mais de 70 anos de vida. Publicou seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás, quando já contava com 77 anos. Onze anos depois escreveu Meu livro de cordel. Depois de publicar Vintém de cobre - meias confissões de Aninha (1983), recebeu o prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, e morreu em Goiânia, dois anos depois. Logo após sua morte, seus amigos e parentes uniram-se para criar a Casa de Coralina, que mantém um museu com objetos da escritora.
http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_1555.html
Quem quiser saber mais, aprender mais sobre cordel visite a ABLC, Academia Brasileira de Literatura de Cordel no site: http://www.ablc.com.br/