"AS MULHERES NA VIDA DO CHE GUEVARA"
O título acima é de um dos livros do jornalista, pesquisador e escritor gaúcho Roberto Rossi Jung, cujos outros dois volumes compõem a trilogia sobre a vida do famoso internacionalista Ernesto “Che” Guevara de la Serna, a saber: Che Guevara, guerrilheiro heroico e Junto ao Che Guevara.
Além da importante citada trilogia, Jung, pertencente à Associação Gaúcha dos Escritores Independentes (AGEI), ao grupo Amigos Unidos Incentivando as Artes (A. G. U. I. A) e ao Centro Socialista de Estudos Políticos (Bloco 5), possui, em sua alentada bagagem literária, entre outros, os livros que seguem – O bar da Praça Júlio; Barão da Barra do Chuí; Esta terra tem dono, esta terra é nossa; A gaúcha Maria Josefa, primeira jornalista brasileira; A odisseia de José Borges do Canto; Joana Galvão; José Antônio Caldas, o vigário dos Farrapos; Paco, procurado vivo ou morto; O príncipe negro; Maria Baderna.
Em As mulheres na vida do Che Guevara, uma primorosa narrativa-reportagem, o autor delineia, uma por uma, as mulheres mais marcantes na existência do emblemático e mitológico líder guerrilheiro, o médico argentino que se tornou um cidadão do mundo. A edição é prefaciada pela farmacêutica Jussara Cony, feminista, ex-vereadora e ex-deputada estadual pelo Rio Grande do Sul, militante do PC do B, atualmente ocupando a Secretaria do Meio Ambiente (Sema), no governo Tarso Genro.
No precioso opúsculo – convém realçar –, não desfila somente um rosário interminável de odaliscas que teriam povoado a vida do épico revolucionário. Isto foi o que ousou divulgar a maliciosa coorte de adversários do Comandante, essencialmente composta pelos reacionários. Talvez para abortar, de saída, o intento maldoso dos detratores, Jung imprime, neste parágrafo, infra, uma muito necessária observação: “Amou algumas, casou com duas e manteve relacionamento mais íntimo com pelo menos mais três. Bem menos, portanto, do que muitos autores afirmam, e a própria história divulgou, de que seria uma multidão” (p. 14).
Com suas constantes andanças por diversos países e esconderijos, seguramente, o Che não foi um amante pontual. Também não foi nenhum Don Juan. Tanto que a primeira e excelsa mulher de extrema expressão, no seu tirocínio do guerrilheiro, lógico que por laços sanguíneos, é a própria mãe, Celia de la Serna y Llosa. Celia é a mulher, um titã, que mais exerceu influência na vida do Che; sobretudo um paradigma no que concerne à resistência, à obstinação, aos ideais socialistas e à rebeldia, tudo e sempre no afã de rastrear os passos do filho e defendê-lo, por cima de paus e pedras. Basta ver os anos de sofrimento que ela enfrentou, no cárcere, sob o tacão da ditadura argentina; uma mulher fustigada até pelas esquerdas reformistas, já pelo simples fato de ser a mãe do tão admirado e ao mesmo tempo odiado guerrilheiro.
Na primeira das cinco partes do livro, a mãe do Che palmilha praticamente quase todo o conteúdo do texto. Esta e a quinta parte são as de maiores extensões, porém, como todas, riquíssimas nas informações que norteiam, ‘pari passu’, os luminosos e tumultuados anos de vida do grande ícone da Revolução Cubana. Nuanças as mais inusitadas e inimagináveis da imensa caminhada do Che são apresentadas, ao longo da tessitura narrativa, com um brilhantismo que só uma caneta experiente e comprovadamente hábil, como a pena de Jung, poderia captar para o deleite de seus leitores. Vale muito, sim, debruçar-se sobre a leitura do livro. E não só pelo deleite, seu lado lúdico, mas pela riqueza e fundamentação das informações contidas no texto.
Até mesmo o lirismo, na feitura de As mulheres na vida do Che Guevara, não foi esquecido. Em bilíngue (a ótima tradução dos textos é da esposa do autor, D. Carmelina Donato Castro), a cada uma das cinco partes em que se divide o livro antecede um seleto poema de Pablo Neruda, todos extraídos dos fabulosos Veinte poemas de amor y una canción desesperada. Este recurso textual e estético traz um toque muito especial de bom-gosto à leitura dos capítulos.
Jovem ainda, formoso, inteligente, irrequieto e andarilho (Che andou praticamente pelo mundo inteiro), eis que desde os tempos da Faculdade de Medicina, o futuro internacionalista e carismático guerrilheiro de Sierra Maestra iria amealhar para si muitas amizades femininas e também alguns amores. Até nos seus momentos finais, nas selvas da Bolívia, à distância dos olhos, mas com bastante calor no coração, já por conta dos mútuos ideais revolucionários, Che usufruiu bravamente da companhia de Tâmara, ou a Tânia. Ela, talvez, a mais culta e aguerrida guerrilheira da existência do mito Che Guevara.
Não vou recontar o livro, pois seu autor ir-me-ia cobrar processo pelo plágio; e escriba nenhum alcançaria tal façanha. O brilhantismo da narrativa de escritor Roberto Jung, com tudo bibliograficamente documentado, dando nomes aos bois, só nos sugere a indicar e propagar com fervor que leiam As mulheres na vida do Che Guevara. Há muitas minúcias, na trajetória do líder internacionalista, mundo afora. Ora Che é aclamado, aqui, mas já lutando contra o imperialismo, acolá; e tudo por um mundo socialista. Por outra, em incontáveis ocasiões, caçado feito uma fera, em várias partes do Planeta.
Pelo que se depreende da saborosa leitura de As mulheres na vida do Che Guevara, deixo aqui a veemente assertiva de que o texto não enfoca namoricos, colóquios meramente sentimentais nem vulgaridades. É um relato seriíssimo, másculo, em linguagem chã e clara; uma infinidade de detalhamentos da carreira de um dos mais notáveis artífices da Revolução Cubana, um herói aclamado mundialmente que combateu ao lado de Fidel e Raúl Castro, Camilo Cienfuegos e tantos outros idealistas companheiros. Portanto, homens que literalmente quebraram a espinha dorsal da ditadura de Fulgencio Batista y Zaldívar, em 1959, e bem ao nariz dos “donos do mundo”, os EUA.
As mulheres que povoaram os caminhos do Che foram todas de muita fibra e com espírito de decisão. Nenhuma foi mera aventura amorosa; todas tiveram enorme significação para o heroico guerrilheiro. Por isso, eis uma lista, conforme registrou o autor do pequeno grande volume de 140 páginas: Celia de la Serna y Llosa (mãe de Che; comunista, rebelde, obstinada, com certeza a quem o filho saiu; Celia (‘irmã’); Ana María (‘irmã menor’); Berta Gilda Infante, a Tita (‘companheira de estudos’, com quem manteve ‘estreita relação de amizade’; ela entrou em profunda depressão psíquica após a sua morte, deslocando-se para a Bolívia’; suicidou-se); Carmen Córdoba Iturburu de la Serna, La Negrita (prima, a ‘primeira experiência amorosa’, quando Ernesto tinha quinze anos), Celia Sanchez (‘companheira de ações guerrilheiras’); Beatriz (a tia, ‘que o recebia como a um filho’); María Del Carmen Ferreyra, a Chichina (namorada, em 1950, com quem pretendia casar-se, mas foi passado para trás); Hilda Gadea (peruana, exilou-se na Guatemala; primeira esposa, com quem teve a primeira filha, Hilda Beatriz; divorcia-se de Hilda; a Hilda mãe morre em 1974 e Hilda filha, em 1995); Zoila Rodriguez García (a guajira campesina, com a qual tem um romance); Aleida March (‘sua mulher’, a segunda, em 1959; pedagoga e ativista cubana de cujo matrimônio nasceu a sua filha mais velha, Aleida Guevara March, médica); Haydée Tâmara Bunke Bider, ou Tânia, a Guerrilheira (que teve alguns amantes, com indícios de que também o Che; utilizou vários pseudônimos, entre os quais os nomes supostos de Haydée Bidel, Laura Gutiérrez, Vittoria e Martha Iriarte), uma argentina de nascimento que vai atuar como intérprete, em Berlim, e lá conhece o Comandante, em 1960, quando este chefiava uma delegação comercial; teria ela, no futuro, importante papel na vida do revolucionário; foi depois parar em Cuba; voltando à América do Sul, assumiu a luta armada, até o trágico desfecho de todos guerrilheiros na Bolívia; Lilia Rosa López (cubana com quem o Che teria tido um filho, de nome Omar Khayyan, em 1964).
A 5ª PARTE da obra em questão, não obstante seja de uma riqueza estrondosa de detalhes sobre os mais variados assuntos (nomes de realce dos personagens da Revolução Cubana e da guerrilha, na América Latina, encontros clandestinos, missões diplomáticas de Cuba, no exterior, os efetivos combates, as fugas e baixas nas tropas de combate, a emboscada ocorrida por delação), trata basicamente da atuação de Tânia, a Guerrilheira, e da ‘via crucis’ do batavo Ernesto Guevara, sempre acossado pelo exército de René Barrientos Ortuño, com o apoio logístico da CIA.
Fecha-se o mimo de leitura do livro de Jung com algumas “coincidências”, que por ele são apontadas. São fatos alvissareiros para muitos e trágicas notícias para a extrema direita da Bolívia, lá onde se travara com muito sangue e perdas humanas a guerrilha do Comandante Che Guevara. Além de inúmeros soldados e guerrilheiros mortos, o então general presidente da Bolívia, René Barrientos, “morreu carbonizado num acidente de helicóptero em abril de 1969”; “o coronel Joaquin Zenteno Ayala morreu vítima de um atentado (...), em Paris, em abril de 1976” e “Gary Prado Salmón, comandante do pelotão da 8ª Divisão do Exército, empenhado na captura do famoso revolucionário, em 1981, foi baleado numa manifestação e ficou paraplégico” (p. 130).
Agora, sem delongas, que todos os companheiros, amigos ledores, se proponham a ir à leitura da joia impressa; e verão que ainda não foi dito um cêntimo da riqueza de conteúdo do aludido volume.
Maio de 2011.
Fort., 15/06/2011.