Resenha: O centauro no jardim - Moacyr Scliar
Sociedade Quadrúpede
Júlia Marssola
Este livro aborda uma das maiores imperfeições da sociedade atual: o preconceito. Suas envolventes 233 páginas são divididas em breves capítulos que distinguem nitidamente cadaq etapa da vida do protagonista, possibilitando, assim, uma mais abrangente interação do leitor com a temporalidade dos fatos. Tem como autor o fascinante Moacyr Scliar, filho de judeus cuja perfeição e irreverência com que conduz as narrativas fizeram-no membro da Academia Brasileira de Letras. Suas belíssimas obras, já publicadas em mais de 20 países, englobam vários gêneros com grande repercussão crítica. Frequentemente, abordam a imigração judaica e outros temas de igual relevância, como socialismo, medicina (área de sua formação), vida na classe média, etc.
As sutis ilustrações da capa dialogam com o texto, situando o leitor acerca da complexidade dos sentimentos.
Moacyr scliar adentra o metódico universo judaico a partir do relato dos periclitantes infor´tunios de um centauro inserido no mundo real, inseguro e apreensivo a respeito de seu futuro.
Surpreendentemente, Guedali nasce de pais humanos que, aturdidos, buscaram incessante e frustradamente uma razão para a calamidade. As tradicionais cerimônias judaicas foram realizadas. À medida que crescia brutalmente no cativeiro que se tornara a pequena fazendo de Quatro Irmãos, estabelecia consistentes vínculos afeetivos com as irmãs Mina e Débora, tornando-se objeto de inveja de seu mendaz irmão Bernardo. Já na adolescência, aspirava liberdade e mulheres; a sexualidade é delineada com maestria por Scliar. Até que, pesaroso com seus malogros, foge de casa. A princípio, encontra-se num circo, onde se relacione com uma robusta domadora, a qual grita apavorada quando a verdadeira identidade de Guedali lhe é revelada. Seguindo viagem, encontra uma belíssima semelhante: Tita. Amaram-se fervorosamente. Descobriram um médico interesseiro no Marrocos que poderia transformar-lhes em humanos. FInanciados por Dona Cotinha, viajam precariamente nos porões de um navio. Já como humanos, instalam-se em São Paulo, onde Guedali, com toda inteligência adquirida em anos e anos de leitura, abriu um rentável negócio. Apresenta Tita para a família, casam-se e têm filhos gêmeos. Paulatinamente, formaram um agradável círculo de amizades.
Via-se perturbado: não sabia definir-se entre humano e centauro; as coisas com Tita haviam esfriado. A vida tornara-se melancólica, mas instigante. Certo dia, voltando de uma fracassado reunião, flagra Tita em pleno deleito de adultério: estava abraçada com um centauro, o qual é morto depois de fugir exasperado quando os amigos entraram. Tira desespera-se. Guedali abandona, inconsequente, família e amigos. Voltaria a ser centauro
De volta ao Marrocos, instala-se na clínica do médico, que lhe apresenta algo extraordinário: uma esfinge. Timoratamente, aproxima-se dela. Amam-se todas as noites. Esporadicamente, Lolah tinha ataques de fúria. Na cabeça do pobre homem, um turbilhão de pensamentos adversos: desistira da operação, mas era tarde demais.
A sala de cirurgia foi invadida por Lolah, que destruiu o cavalo do transplante, estava apaixonada. Morto, ele retorna à fazenda onde vivia na infância. Como que milagrosamente, reencontra Tita e fazem as pazes, nutrindo profundo amor e desejo um pelo outro.
O afortunado desfecho propõe ao leitor um período de intensa reflexão sobre a genialidade do texto, minuciosamente desenvilvido com um possível intuito de desabafo. A renomamda obra é fomentada em crítica ao preconceito em geral, no caso de Moacyr, pode ser atribuído ao judaísmo, e ao capitalismo senvagem, bem retratado na figura do médico marroquino. Riquíssima, é inundada de preciosas informações da cultura judaica, contribuindo notavelmente, para a ampliação do conhecimento de mundo.
A hipnotizante mistura entre real e fantástico implica consideravelmente no desenvolvimento da capacidade lógica de análise textual. Trabalhando com críticas consistentes, contribui para a formação de opiniões. O público-alvo é selecionado. Contudo, seria interessante a leitura de jovens entre 14 e 18 anos cujo conhecimento e maturidade já suportam uma leitura da magnitude do vocabulário e assuntos explorados na obra.
Formidável, é também uma ótima opção para os amantes intelectuais de Moacyr Scliar.