MEMÓRIAS DE JOHN LENNON ( E YOKO ONO)
Originalmente publicado em 2005 nos USA, a coletânea MEMÓRIAS DE JOHN LENNON, editada por Yoko Ono e reunindo testemunhos diversos de pessoas que conheceram o ex beatle, como Pete Townshend, Elton John, Jean Baez, Jello Biafra, Mick Jagger e Carlos Santana, apenas para citar alguns nomes do universo do rock, pode ser considerada mais do que uma mera compilação de pequenos ensaios biográficos ou simples homenagem póstuma.
Nas páginas desta cândida brochura é a contemporaneidade do legado de Lennon que se esboça em múltiplas vozes, desenhando sua imagem como um mito do nosso tempo, como a personificação do “grande indivíduo”, ou herói mitológico que nos inspira a ação e a individuação. Lennon personifica um arquetípico constelado na cultura ocidental, o eterno rebelde em sua melhor definição, ou, simplesmente, nossa incapacidade enquanto singularidade para adaptar-se as situações coletivamente estabelecidas no plano privado e social.
Dentre as várias narrativas reunidas uma das que mais me fez pensar foi a de Townshend, do the Who, em sua “cela de compor”. Reproduzo-a aqui em fragmento:
“... Mais tarde eu vi Yoko, a quem eu conhecia por sua ligação com o meu mentor na escola de artes, Gustav Mentger, que, com Malcom Cecil- tinha me inspirado a usar a destruição como parte do meu manifesto artístico no palco. Ela estava realizando “happenings” nem vários locais do entorno de Londres em 1967. Ela era chocante, desafiadora, inspiradora e aparentemente insana. Foi uma das primeiras terroristas da arte, combinando uma profunda moralidade com o confrontamento e o impacto. Ela também era envolvente e profundamente erótica.
Não me surpreendeu que ela e John descobrissem um ao outro. Ela e eu não nos encontramos cara a cara até 1993, ou por ai, quando Bob Dylan foi homenageado pela CBS em uma cerimônia em Nova York. Ela estava com o filho, Sean, que agora é meu amigo. Lembro que fiquei impressionado de ver como Yoko parecia ainda tão jovem e como tinha se tornado particularmente bonita.
O papel social e artístico de John foi acentuado pela parceria que acabou tendo com Yoko. Acho muito difícil imagina-lo sem uma mulher independente, poderosa e eficiente em sua vida.
Yoko nunca desviou John de sua atividade principal. Ele esteve entre os principais de nós a perceber que, em 1967, as composições pop, para serem especiais, exigiriam mais do que a habilidade de entreter e fazer refletir: as musicas tinham que mudar o mundo e aguçar nossas percepções sobre ele, sua maravilha e suas falhas. Nada de novo, talvez para Bob Dylan, escorado como discípulo de Pete Seeger, mas para jonh e seus colegas, como eu, aquilo era uma coisa para a qual não tínhamos sido preparados nem treinados. A musica era “pós-guerra”, para dançar e como ajuda para esquecer. Nós dois tínhamos freqüentado a escola de artes é claro, e tenho certeza de que isso ajudou. Um dos professores de arte de John foi Donald Pass, o pintor visionário de anjos e da “colheita de almas”, algo que Donald afirma ter testemunhado. Essa inspiração e ambição ( de recriar uma revelação divina) deve ter inspirado o jovem John quase tanto a noção de vestuário de alguns de seus amigos de Hamburgo- a roupa supercool da Rive Gauche, influenciada pelo Elvis.
Ao ouvir “Strawberry Fields” pela primeira vez, e depois “ A Day in the Life” de Sgt. Pepper e “I Am Walrus” de Magical Mistery Tour, eu soube que John era também um gênio tocado pela mesma revelação. Ele tinha encontrado um caminho para se comunicar comigo em charadas, abstrações e vinhetas divinas bde impressionismo musical. Foi quando ele começou a trabalhar com Yoko que sua composição se tornou mais específica, inclinando-se menos para o alucinógeno poético de Alice no Pais das Maravilhas e mais para consciência social de Woody Guthrtie. No caso de John, a reconciliação desses dois mundos gerou uma das mais incríveis musicas pop já compostas.”
Yoko Ono. Memórias de John Lennon/ editado e apresentado por Yoko Ono; tradução de Peine e Dalroney Nóbrega. SP: Spiringer Publicações 2010, pg. 250-251