Os subterrâneos da liberdade e o comunismo romântico de Jorge Amado
Estava lendo a obra de Jorge Amado em sequência cronológica quando me deparei com seu proselitismo comunista mais explícito: Os subterrâneos da liberdade – em três volumes.
Confesso que, a princípio, quase interrompi a leitura devido às sucessivas “topadas” impostas pela pregação marxista incrustada no texto. Perpassam toda a obra uns cansativos ensinamentos comunistas, tirando a fluidez da escrita e nos fazendo lembrar que estamos lendo, assim como lembramos estar caminhando ao tropeçar.
Penso, aliás, que esse seja o maior pecado da obra de Jorge Amado, de quem me tornei fã. As pregações de cunho social aparecem desde seus primeiros romances, e se sucedem até desembocar nos subterrâneos da liberdade, onde parecem ficar represadas.
O romance apresenta um comunismo romântico dulcíssimo, onde os personagens comunistas são de uma candura sem limites, todos eles abençoados por um Stalin também muito doce, inspirado talvez, ouso supor, na figura de papai Noel.
A mais doce de todas as criaturas é Mariana, uma comunista heroica. Logo após se casar com João, também ele militante comunista, os dois são obrigados a viver em locais separados, clandestinos, impossibilitados de se encontrar apesar do imenso amor que os une. Um diálogo revela os sentimentos e caráter da heroína:
(Mariana) (...)tem dias em que eu daria dez anos de vida para estar cinco minutos com ele, para ouvir sua voz e olhar nos seus olhos. Tu sabes quantos meses fazem que não vejo João? oito meses... (...)Mas se eu te digo que sou feliz, muito feliz... Sei que ele está trabalhando, eu também estou trabalhando, é como se estivéssemos juntos. E só saber que ele me ama é uma alegria tão grande! Já chegará o dia quando estaremos juntos e essa separação de agora vai fazer que sejamos ainda mais unidos. Não o tenho junto de mim, é bem verdade. Mas o que é o amor, Marcos? Será somente a vida em comum, ou mais que isso, são os sentimentos em comum, os mesmos ideais, a mesma luta? Eu estaria triste e infeliz se meu amor fosse tão mesquinho, que exigisse, para existir e durar, a presença permanente de João. Há mil outras coisas que nos ligam cada vez mais um ao outro, compreendes?
... Marcos sorriu também e comentou:
– Ah! Vocês são feitos de outro barro. Os operários. (...)É nessas horas que eu compreendo porque o proletariado é a classe dirigente(...)
E tome pregação...
Escrita entre 1952 e 53 a obra pinta um comunismo dulcíssimo liderado por um Stalin bondoso e cândido. Pouco tempo depois as denúncias contra o regime stalinista forçariam uma revisão radical nessa concepção. Penso que a obra de Jorge Amado se beneficiou enormemente com essa libertação. Desse livro em diante as pregações desaparecem permitindo uma fluidez maior em seus textos, livres dos percalços das pregações.