Fichamento "A República"

A República

Livro I.

“ Fui ontem, disse Sócrates, ao Pireu com Glauco, filho de Aríston, com o objetivo de fazer minhas orações a deusa, e, ao mesmo tempo, com o desenho de ver de que maneira celebravam a festa, pois era a primeira vez que a faziam”(p.11).

“Depois de termos feito preces e contemplado a cerimônia, íamos regressar à cidade. Entretanto, Polemarco, filho de Céfalo [...] Mandou o escravo a correr, para nos pedir que esperássemos por ele”(p.11).

“E pouco depois chegou Polemarco a Adimanto, irmão de Glauco, Nicérato, filho de Nícias e outros mais [...]”(p.11).

“Disse então Polemarco: - Caro Sócrates, parece –me que vós estais a pôr a caminho para regressar à cidade”(p.11).

“ E não me conjecturas mal – declarei”(p.11).

“[...] Vamos sair depois do jantar para ver a festa. Estaremos lá com muitos jovens e conversaremos. Fiquem e não façam outra coisa”(p.12).

“Fomos para casa de Polemarco; e aí encontramos Lísias e Eutidemo, irmãos de Polemarco, e também, além deles, Trasímaco de Calcedônia [...] Estava lá dentro também o pai de Polemarco, Céfalo. Parece- me bastante envelhecido; há tempos que não o via”(p.12).

“Logo que me viu, Céfalo saudou-me com estas palavras:- Ó Sócrates, tu também quase não desces mais ao Pireu para nos veres [...] Não deixeis de estar na companhia destes jovens, mas também aqui à nossa casa [...]” (p.12).

“Com certeza, Céfalo – disse eu – pois é para mim um prazer conversar com pessoas de idade e bastante avançada”(p.13).

“Teria até gosto em te perguntar qual o teu parecer sobre este assunto – uma vez que chegaste já a esse período da vida, a que os poetas chamam “estar no limiar da velhice”? – se é uma parte difícil da vida, ou que declarações tens a fazer”(p.13).

“[...] A maior parte de nós lamenta-se com saudades dos prazeres da juventude, ou recordando os gozos do amor, da bebida, da comida e outros da mesma espécie [...] Alguns lamentam-se ainda pelos insultos que um ancião sofre de seus parentes, em cima disto entoam uma litania de quantos males a velhice lhes causa” [...] Mas quer quanto as estes sentimentos, quer quanto aos relativos aos parentes, há uma só e única causa: não a velhice, ó Sócrates, mas ao caráter da pessoas. Se elas forem sensatas e bem dispostas, também a velhice é moderadamente penosa; caso contrário, quer a velhice, quer a juventude, serão pesadas a quem assim não for”(p.13-14).

“[...] Depois que uma pessoa se aproxima daquela fase em que pensa que vai morrer, lhe acometem o temor e a preocupação por questões que antes não lhe viam à mente [...] Aquele que encontrar na sua vida muitas injustiças atemoriza-se [...] Porém aquele que não tem consciência de ter cometido qualquer injustiça, esse tem sempre junto de si uma doce esperança, bondosa ama da velhice, como diz Pindaro”(p.14-15).

“Falas me maravilhosamente, Céfalo – disse eu- mas essa mesma qualidade da justiça, diremos assim simplesmente que ela consiste na verdade e em restituir aquilo que se tomou de alguém ou diremos antes que essas mesmas coisa, uma vez é justo, outras injusto fazê-las?”(p.15).

“É isto absolutamente, Sócrates – interveio Polemarco- se, na verdade, se deve dar crédito a Serimônides”(p.16).

“Explica então- disse eu- tu que é herdeiro da discussão, que é que afirmas que Serimônides disse tão acertadamente acerca da justiça?”(p.16).

“Que é justo restituir a cada um o que se lhe deve [...]”(p.16).

“E então? E ao inimigos, deve restituir-se aquilo que acaso lhe devemos?”(p.17).

“Sem dúvida alguma, restituir- lhes aquilo que se lhes deve, ora, o que um inimigo deve a outro é, em meu entender, o que lhe convém: o mal”(p.17).

“Se temos de ser conseqüentes com o que se disse antes, dá ajuda aos amigos e prejuízo ao inimigo [...] Portanto, ele diz que a justiça consiste em fazer bem aos amigos e mal aos inimigos?”(p.17).

“Assim me parece”(p.17).

“A quem chamas amigos: aos que parecem honestos a uma pessoa, ou aos que são de fato, ainda que o não pareçam? E outro tanto direi dos inimigos?”(p.20).

“É natural – disse ele- amar a quem nos parece honesto e odiar quem nos parece mau”(p.20).

“Mas a justiça não é a perfeição dos homens? [...] E se fizer mal aos homens, meu amigo, é forçoso que eles se tornem mais injustos”(p.21).

“Assim parece”(p.21).

“Mas os justos podem tornar outrem injusto, por meio da justiça? Ou, de modo geral, os bons podem tornar alguém mau, por meio de sua perfeição?”(p.21).

“Mas é impossível”(p.21).

“Então, Polemarco, fazer mal não é a ação do homem justo, quer seja a um amigo, quer a qualquer outra pessoa, mas, pelo contrário, é a ação de um homem injusto”(p.22).

“Concordo- disse ele”(p.22).

“Mas, uma vez que parece que a justiça e o que é justo não eram nada disto, que outra coisa poderá dizer que são? [...] Ora, muitas vezes, mesmo enquanto conversávamos, Trasímaco tentara assenhorar-se da argumentação, mas logo os cisrcunstantes o haviam impedido. Assim que paramos e eu disse aquelas palavras, não mais ficou sossegado, lançou-se sobre nós como uma fera, para nos dilacerar [...] E ele, voltando-se para todos, exclamou”(p.22).

- “ Que estais falando aí a tanto tempo, Sócrates? [...] Se na verdade queres saber o que é justiça, não te limites a interrogar nem procures a celebridade a refutar a quem te responde, reconhecendo que é mais fácil perguntar do que a réplica”(p.22).

“– Trasímaco, não te zangues conosco. Se cometemos qualquer erro ao examinar os argumentos, tanto ele como eu, fica sabendo claramente que o nosso erro foi involuntário [...] Por conseguinte, é muito mais natural que vós, os que sois capazes, tenhais compaixão de nós, em vez de irritação”(p.23).

“- Ademais-continuou- se eu te revelar outra resposta melhor do que essas, para além de todas as que deste sobre justiça? Que pena mereces?”(p.24).

“– Que outra pena- respondi eu [...] Devo aprender junto de quem sabe. É isso, portanto o que eu merecer”(p.24).

“- Ouve então: Afirmo que a justiça não é outra coisa senão, a conveniência do mais forte. Mas por que não aprovas? Não quererás fazê-lo?”(p.25).

“- Desde que eu compreenda primeiro o que queres dizer, pois por agora ainda não sei. Afirmas tu que na conveniência do mais forte está a justiça? Que queres tu significar com isso, Trasímaco?”(p.25).

“- Pelo visto não sabes- prosseguiu ele- que, dentre os Estados, há os que vivem sob o regime da monarquia, outros da democracia, e outros da aristocracia? Ora em cada Estado não é o governo que detêm a força?”(p.25).

“Evidentemente [...], Ora, diz- me lá: não afirmas que obedecer aos que governam é ato de justiça? [...] Segundo o teu raciocínio, não só é justo fazer aquilo que convém ao mais forte mas também inversamente, aquilo que lhe é prejudicial [...] Não assentamos em que os governantes, ao prescreverem certos atos aos seus súditos, por vezes se enganam no que é melhor para eles, e ainda em que é justo que os súditos façam o que os governantes lhes prescrevem? Não foi nisso que concordamos?”(p.25-26).

“Assim o creio- disse ele”(p.26).

“[...] Ora, diz- me, Trasímaco: era assim que querias definir a justiça: aquilo que parece ao mais forte ser- lhe vantajoso, quer o seja, quer não? É assim que diremos que entendes?”(p.27).

“- De modo algum- respondeu [...]”(p.27).

“[...]- Mas então, Trasímaco, as artes governam e dominam aquele a quem pertencem? [...] Portanto, nenhuma ciência procura ou prescreve o que é vantajoso ao mais forte, mas sim ao mais fraco e ao que é por ela governado”(p.29).

“Concordou neste ponto, mas a muito custo”(p.29).

“ -Banqueteia-te à vontade com a tua argumentação- disse ele- que não serei eu quem te contradiga, a fim de não me tornar odioso aos presentes”(p.40).

“- Não concordamos que a justiça é uma virtude da alma, e a injustiça, um defeito?”(p.42).

“- Concordamos efetivamente”(p.43).

“ -Então, a alma justa e o homem justo viverão bem, e o injusto, mal”(p.43).

“ -Assim parece, segundo seu raciocínio”(p.43).

“ -Logo, o homem justo é feliz, e o injusto é desgraçado”(p.43).

“ -Seja- respondeu”(p.43).

“ -Contudo, não há vantagem em se ser desgraçado, mas sim em se ser feliz”(p.43).

“ -Como não?”(p.43).

“ –Então jamais a justiça será mais vantajosa do que a justiça, ó bem- aventurado Trasímaco?”(p.43).

“ –Seja este, Sócrates- disse ele- o teu festim das Bendidéias!”(p.43).

“Graças a ti, sem dúvida, Trasímaco- respondi-, pois te tornaste cordato e deixaste de ser desagradável. - [...] – O que é a justiça- largando esse assunto, precipitei-me para examinar, a esse propósito, se ela era vício e ignorância, ou sabedoria e virtude; depois, como surgisse novo argumento, o de que é mais vantajosa a injustiça do que a justiça, não me abstive de passar daquele assunto para este; de tal maneira que daí resultou agora para mim que nada fiquei a saber com esta discussão. Desde que não sei o que é justiça, menos ainda saberei se dá o caso de ela ser uma virtude ou não, e se quem a possuir é ou não feliz”(p.43).

Livro II.

“Pronunciadas estas palavras, julgava eu que estava livre da discussão. Mas, de fato, era apenas o início, ao que parece. Efetivamente, Glauco, que é sempre o mais destemido em tudo, também nessa altura não aceitou a retirada de Trasímaco, e disse: - Sócrates, queres aparentar que nos persuadiste ou persuadir-nos de verdade, de que de toda a maneira é melhor ser justo do que injusto?”(p.44).

“Queria convencer-vos da verdade – respondi – se estivesse ao meu alcance”(p.44).

“E vês uma terceira espécie de bem, no qual se compreendem a ginástica e o tratamento das doenças, e a prática clínica é outra maneira de obter dinheiro? De tais bens diríamos que são penosos, mas úteis, e não aceitaríamos a sua posse por amor a eles, mas sim ao salário e a outras conseqüências que deles derivam”(p.44).

“Acho na mais bela, a que deve estimar por si mesma e pelas suas conseqüências quem quiser ser feliz.”(p.44).

“[...]Afigura-se-me na verdade, que Trasímaco ficou fascinado por ti, mais cedo do que devia, como se fosse uma serpente. Quanto a mim, a argumentação de um e de outro lado não me satisfaz. Desejo ouvir o que é cada uma delas, e que faculdade possui por si, quando existe na alma, sem ligar importância a salários nem a conseqüências.[...]Contigo, sobretudo, espero aprender esse elogio. Por isso, vou fazer todos os esforços por exaltar a vida injusta; depois mostrar-te-ei de que maneira quero, por minha vez, ouvir-te censurar a injustiça e louvar a justiça.”(p.45).

“Dizem que uma injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la. De maneira que, quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras, e provam de ambas, lhes parece vantajoso, quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra, chegar a um acordo mútuo, para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas.”(p.45).

“[...]Demos o poder de fazer o que quiser a ambos, ao homem justo e ao injusto; depois vamos atrás deles, para vermos onde é que a paixão leva cada um[...]”(p.46).

“Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que fosse capaz de se abster dos bens alheios e de não lhes tocar[...]”(p.46).

“Em primeiro lugar, manda na cidade, por parecer justo; em seguida, pode desposar uma mulher da família que quiser dar as filhas em casamento a quem lhe aprouver, fazer alianças, formar empresas com quem desejar, e em tudo isto ganha e lucra por não se incomodar com a injustiça”(p.48).

“Efetivamente, leva-nos em imaginação ao Hades, instalam-nos à mesa, preparam-lhes um banquete dos bem-aventurados, coroando-os de flores, e fazem-nos passar todo o tempo, daí em diante, a embriagar-se, imaginado que o mais famoso prêmio da virtude é uma embriaguez perpétua [...] Quanto aos homens ímpios e injustos, esses, pelo contrário, enterram-nos no lodo no Hades, e obrigam-nos a transportar água num crivo, e ainda em vida lhes imputam má fama [...]”(p.49-50).

“Para o homem injusto, que saiba granjear fama de justiça, a sua vida diz-se que é divinamente boa. Portanto, “uma vez que a aparência”, como me demonstram os sábios, “subjuga a verdade” e é senhora da felicidade, é para esse lado que devemos voltar-nos por completo [...] Mas não há nada de grandioso que não tenha dificuldades [...]”(p.51-52).

“Então, talvez exista uma justiça numa escala mais ampla, e mais fácil de aprender [...]”(p.55).

“[...] Como é que a cidade bastará para a obtenção de tantas coisas?[...]”(p.56).

“E agora? – Deve cada um destes homens executar o seu trabalho próprio, para ser comum a todos? [...] Penso também que, em primeiro lugar, cada um de nós não nasceu igual a outro, mas com naturezas diferentes, cada um para a execução de sua tarefa [...]”(p.56-57).

“Portanto, temos de tornar a cidade maior. A que era sã não é bastante, mas temos de a encher de uma multidão de pessoas [...] Não precisarmos roubar a terra dos nossos vizinhos, se queremos ter o suficiente para as pastagens e lavoura [...]”(p.60-61).

“[...] Como fundadores, cabe- nos conhecer os moldes segundo os quais os poetas devem compor [...] Mas isso mesmo dos moldes respeitantes à teologia, queria eu saber quais seriam”(p.67).

“[...] E que, por sua vez, as mães, convencidas pelos poetas, não atemorizem os filhinhos, contando-lhes histórias errôneas, de como certos deuses vagueiam de noite, com a aparência variada de estrangeiros ou forasteiros, a fim de que, ao mesmo tempo, nem blasfemem contra os deuses, nem tornem os filhos mais medrosos”(p.71).

“E quanto à mentira por palavras? Quando e a quem é útil, a ponto de não merecer o desprezo? Não será em relação aos amigos e aos chamados amigos, quando, devido a um delírio ou a qualquer loucura, intentam praticar qualquer má ação, que ela se torna útil como um remédio, a fim de os desviar? [...] Por não sabermos onde está a verdade relativamente ao passado, ao acomodar o mais possível a mentira à verdade, não estamos a tornar útil a mentira?”(p.72).

“Quando alguém disser tais coisas dos deuses, levá-lo-emos a mal e não lhe daremos um coro, e consentiremos que os mestres as usem na educação dos jovens, se queremos que os nossos guardiões sejam tementes aos deuses e semelhantes a eles, na máxima medida em que isso for possível ao ser humano”(p.73).them to infamy, and inflict upon them the punishments which Glaucon described

Sócrates defende em sua discussão, o não relacionamento da justiça com o cidadão, mas sim com a cidade. E com Glauco e Adimanto, irmãos de Platão, que tentam demonstrar a bondade intrínseca da justiça e não só os seus efeitos.

Sócrates conduz um diálogo para chegar ao seu principal objetivo, que é definir o que é a justiça ouvindo de Céfalo a primeira definição “Justiça é dizer a verdade e restituir o que se tomou” E seu filho Polemarco define a Justiça como “dar a cada um o que lhe é devido”. E Sócrates é irônico dizendo que não se deve restituir algo á alguém que está fora de juízo. E faz com que Polemarco afirme que “a Justiça é favorecer aos amigos e prejudicar os inimigos”. Sócrates ainda não satisfeito, rebate dizendo: “Se alguém disser que a Justiça consiste em restituir a cada um aquilo que lhe é devido, e com isso quiser significar que o homem justo deve fazer mal aos inimigos, e bem aos amigos - quem assim falar não é sábio, porquanto não disse a verdade. Efetivamente, em caso algum nos pareceu que fosse justo fazer mal fazermal a alguém”. Trasímaco, cobra pela discussão e a define como justiça “o interesse do mais forte”. Tirando toda a ética da justiça.

Sócrates, ainda aponta os profissionais necessários para suprir todas as exigências de uma cidade, descreve como uma cidade minúscula tornar-se-á grande e luxuosa, com a necessidade de classes de cidadãos especializados em seus ofícios. O que é um dos temas mais importantes da República: - A educação.”Não estamos apenas a examinar, ao que parece, a origem de uma cidade, mas uma cidade de luxo. Talvez não seja mal. Efetivamente, ao estudarmos uma cidade dessas, depressa podemos descobrir de onde surgem nas cidades a justiça e a injustiça”(p.60).

Ele também deixa claro a formação de um exército “Então, meu amigo, é preciso uma cidade ainda maior,com um exército, não exíguo, mas completo, que saia a dar combate, lutando contra o invasor por todos os bens da cidade e quanto acabamos de dizer”(p.61).purveyor to our bodily wants?

E que os jovens precisam ser valentes, lutarem com energia. Que é necessário ser perspicaz, para assim poder descobrir o inimigo. “[...] E rápido na perseguição, desde o momento em que se apercebeu dele; e, além disso, forte, para combater, se for apanhado”(p.62).

Livro III.

“Sócrates - A propósito dos deuses, temos aqui aquilo que, em minha opinião, devem ouvir desde crianças, e aquilo que não devem, aqueles que haverão de honrar as divindades e os pais, e que haverão de ter em grande conta a amizade entre as pessoas”(p.74).

“Sócrates - Conseqüentemente, precisamos ser vigilantes também a respeito daqueles que contam essas histórias e pedir-lhes que não lancem calúnias contra o Hades, mas sim que o elogiem, pois suas histórias não são verdadeiras nem úteis àqueles que irão combater”(p.74).

“Sócrates - Portanto, devemos expurgar, iniciando com estes versos, todas as asserções deste tipo”(p.74).

“Antes queria ser servo da gleba, em casa de um homem pobre, que ndo tivesse recursos, do que ser agora rei de quantos mortos pereceram...”(p.74).

“A alma enrola-se dos seus membros para a mansão do Hades , gemendo a sua sorte ao deixar a força da juventude”(p.74).

“Palavras iguais a estas e outras do mesmo tipo, pediremos licença a Homero e aos demais poetas para que não se ofendam se as eliminarmos. Não que a maioria não as considere poéticas e suaves, porém, quanto mais poéticas, menos devem chegar aos ouvidos de crianças e de homens que devem ser livres e recear a escravidão bem mais que a morte”(p.75 ).

“[...] Devem ainda rejeitar-se toods os nomes terríveis e medonhos relativos a estes lugares”(p.75).

“Cocito” e “Estige”,”espiritos dos mortos”¹ e “espectros”, e outras designações do mesmo jaez que fazem arrepiar quem as escuta [...]”(p.76).

“Sócrates - [...] Um homem assim se basta a si mesmo para ser feliz e que, ao contrário dos outros, necessita bem pouco de outras pessoas”(p.76).

“Sócrates - Então, de novo pediremos a Homero e aos outros poetas que não apresentem Aquiles, que era filho de uma deusa, ora deitado de lado, ora de costas, ora de cabeça para baixo [...]” (p.77).

“E, muito mais ainda, pediremos a Homero que nao represente os deuses lamentando-se e dizendo ai de mim! Desgraçada! Ai! Mãe infeliz do mais valente dos homens!”(p.77).

“E, se é desta maneira que falam dos deuses, que ao menos não ousem desfigurar o maior de todos, fazendo-o dizer:”(p.77).

“Ah! É um guerreiro que eu estimo, que vejo com meus olhos ser perseguido à volta da cidade, e o meu coração geme”(p.77).

“[...] Se os nossos jovens tomassem a sério tais palavras, e não rissem delas, como indignas dos seres a quem dizem respeito, dificilmente alguns deles, sendo simples homens, se julgariam indignos de assim proceder e censurariam a si próprios se lhes acontecesse também dizer ou fazer algo semelhante; mas, ao menor infortúnio, se abandonariam, sem a mínima vergonha, a queixas e lamentações”(p.78).

“Sácrates — Portanto, não poderemos admitir as palavras de Homem a respeito dos deuses: - Um riso inextinguível se ergueu entre os deuses bem-aventurados, ao verem 1-Hefesto afadigar-se pelo palacio fora”(p.78).

“Para a grande massa ,os ponyos cardeais da temperança não são obedecer aos chefes ,a ser senhor de si,relativamente aos prazeres da bebida,de afrodite e da comida ?”(p.79).

O que se vê no Livro III da República é a continuação da construção da educação dos guardiões. Se no Livro II se tratava de traçar regras aos poetas e moldar os mitos, nesse terceiro o que se percebe é a continuidade do movimento iniciado anteriormente, no sentido de estender também às outras artes as mesmas premissas sob as quais se devem construir os mitos.

Nesse sentido, para incitar a coragem é preciso remover o temor residente na perspectiva do Hades, na impetuosidade dos deuses e promover que não tenham por naturais posturas de lamentação e desvario, pois eles precisam ser fortes se pretender que sejam bons guardiões. Deve-se, ainda, afastá-los da mentira e aproximá-los da moderação, para que cresçam bons e sérios, conforme a natureza que devem ter. Pode-se ver que o autodomínio tem uma importância acentuada, já que é por meio dessa qualidade que se manifestarão outros traços da conduta esperada para esses guardiões, como seriedade, moderação e respeito pelos outros habitantes da cidade. Tudo o que vai contra o caráter que se deseja moldar nesses jovens é afastado dos mitos, já que eles são o canal pelo qual se realiza o aprendizado dos mesmos dês de a infância. Ao longo do percurso do terceiro livro são mostrados vários traços inconvenientes aos guardiões sendo cada um deles imediatamente censurado e retirado da mitologia nascente.

Dando prosseguimento ao diálogo e tendo-se por definido do que afirmar sobre os deuses, resta saber o que dizer dos homens. Há, porém, um impedimento: ainda não se chegou, a saber, o que é a justiça por natureza e como ela é útil a quem a têm. Esse trecho, apesar de breve, nos remete ao verdadeiro motivo do diálogo, guiando o raciocínio, já que coloca sempre em vista o horizonte maior da obra.

São analisadas posteriormente a elocução, as harmonias e as melodias, perceptíveis na música tanto quanto os mitos. Em resumo, a ótica sob a qual todas são interrogadas leva em conta as duas leis enunciadas no Livro II, a respeito do teor dos mitos. Afinal, é a natureza que se quer moldar nos jovens o fator que determina o conteúdo dos mitos. E esses, por sua vez, influem no modo como devem se apresentar nas artes a fim de penetrar a alma dos jovens. De modo geral, deve-se excluir dela tudo o que incentive excessos, languidez e intemperança; fazendo com que proporcione à alma dos guardiões qualidades favoráveis a essa função.

Pode ser interessante notar que, entre todas as artes, a música é privilegiada na educação. Isso se deve ao fato de calar fundo na alma e com força moldar o caráter. A sensibilidade produzida por ela faz florescer as qualidades e a observância às leis por parte dos guardiões.

Depois da música, a ginástica surge na formação desses jovens, mas dentro da perspectiva de que a alma boa torna bom o corpo tanto quanto possível, e não o contrário. Também aqui se adverte que eles devem manter distância de todos os maus hábitos que vão contra sua natureza, devendo ainda ser fortes fisicamente e impetuosos quando preciso. No entanto, eles devem diferenciar-se dos atletas que, apesar da força, não são resistentes à condições adversas. A ginástica deve, assim como a música, ser simples e moderada, para que haja um equilíbrio que afaste o excesso de zelo para com o corpo e também a brandura extrema. A música visa à polidez; a ginástica, à coragem e força. Essas são, como mencionado no livro anterior, as qualidades inerentes ao bom guardião. Uma vez isso estabelecido, é preciso selecionar, entre esses, o melhor e mais dedicado para liderá-los. Ele tomará as decisões em vista unicamente do bem da cidade, sendo auxiliado e obedecido pelos demais. Para solidificar nos habitantes da cidade - e principalmente nos guardiões - a convicção de que, mesmo vivendo de modo simples em relação aos demais, eles são superiores, é sugerido um mito.

Brevemente, o que se narra é a colocação, pela terra (progenitora de todos os homens), de ouro na alma dos que tem mais valor e prata na dos que o auxiliam, havendo nos demais ferro e bronze. É importante que todos se persuadam disso para que a cidade exista, pois do interior dessa perspectiva, tendo sua subsistência proporcionada pela cidade em pagamento por sua dedicação, os guardiões acreditam ser mais valioso o ouro e prata de sua alma que qualquer outra riqueza existente na cidade. Assim, não aspirariam eles a qualquer benefício além do que recebem e não ameaçariam os demais por elas.

Por fim, vemos no Livro III a presença central da construção da educação dos guardiões estabelece por si mesma, aos poucos, as bases sobre as quais toda a cidade se moldará. E é com esses parâmetros que se iniciará o Livro IV, discorrendo acerca da natureza dos guardiões, na medida em que ela deve influenciar todos os outros habitantes, pois não seria cabível ter no interior de uma mesma cidade mitos e culturas distintas.

O interessante é que Sócrates guando interrogado, a sua resposta era em cima de outra pergunta, e isso se estendia até a pessoa achar a resposta.

Livro IV.

Este livro é uma narração de diálogos entre Sócrates e Adimanto acerca dos princípios que uma cidade deve possuir e de como deve ser sua procedência para seu bom fundamento.

Para Sócrates é de suma importância que aqueles que exercem cargos de responsabilidade na cidade não sejam negligentes em suas funções e, assim, não prejudiquem a cidade.

“[...] Porquanto, se os sapateiros se tornarem negligentes e, se estragarem, aparentando ser o que não são, não é desgraça nenhuma para a cidade; porém, se os guardiões das leis e da cidade só o forem na aparência, vês bem que a deitam toda a perder de alto á baixo, e que, inversamente, só eles detêm o poder de a administrarem bem e de a fazerem feliz”(p.113).

Quando a cidade é sensatamente administrada, excede a qualquer outra em tamanho e é grande no verdadeiro sentido da palavra.

Observamos ainda que quando um governo supremo é bem exercido, irá se alargar. Efetivamente, uma educação e instrução honestas que se conservam tornam a natureza boa, e, por sua vez, naturezas honestas que tenham recebido uma educação assim tornam-se ainda melhores que os seus antecessores.

Sócrates cita alguns hábitos que são relevantes para a boa educação de uma cidade, dentre eles estão: os bons modos, o respeito para com os mais velhos, honrar aos pais, ter compostura e se vestir decentemente.

“Há, portanto, ainda duas virtudes a examinar na cidade, a temperança e a que é causa de toda esta investigação, a justiça”(p.124).

“A temperança é uma espécie de ordenação, e ainda o domínio de certos prazeres e desejos, como quando dizem, não entendo bem de que maneira, ‘ser senhor de si’ [...]”(p.125).

“Ora, a expressão ‘ser senhor de si’ não é ridícula? Com efeito, quem é senhor de si será também, sem dúvida, escravo de si, e o que é escravo, senhor, porquanto é à mesma pessoa que se faz referência em todos estes casos”(p.125).

Para Sócrates, quando cada um desempenha a sua tarefa na cidade, está, na verdade, exercendo a justiça.

“[...] Se um carpinteiro experimentar fazer o trabalho de um sapateiro, [...] trocando os utensílios respectivos ou salários, [...] Porventura achas que o fato causará grande prejuízo á cidade?”(p.129).

“De modo algum – respondeu”(p.129).

“Mas quando, penso eu, um homem for, de acordo com a sua natureza, um artífice ou negociante qualquer, e depois, exaltado pela sua riqueza [...] Tentar passar para a classe dos guerreiros, ou um guerreiro para a dos chefes ou guardiões, sendo indigno disso [...] Nesse caso penso que também acharás que esta mudança e confusão serão a ruína da cidade”(p.129).

Logo vemos que toda e qualquer confusão deste tipo, pode ser considerada prejuízo para a cidade, portanto classificada de injustiça por Sócrates.

Cada instrução e exemplo de educação que foi sabiamente exposto neste livro é consideravelmente útil. Observamos isso à seguir, na última fala de Sócrates.

“Contudo, isso considero-o como uma só forma de constituição, porquanto, quer haja vários, quer um só, não abalarão as leis importantes da cidade, desde que tenham a educação e instrução que expusemos”(p.142).

Livro V.

"A mulher dará filhos à cidade começando aos vinte anos até aos quarenta; o homem, depois de ter ultrapassado a meta mais fogosa da sua vida, a partir de então pode gerar filhos à cidade até aos seuscinquenta e cinco anos"(p.156).

"É esse, realmente, o máximo de capacidade física e intelectual de um e outro”

(p.156).

"Porém, em meu entender, quando as mulheres e os homens tiverem ultrapassado a idade da geração, deixaremos aos varões a liberdade de se unirem a quem quiserem, exeto a uma filha, mãe, neta ou avô; e, por sua vez, às mulheres, exeto um filho, um pai, ou outro parente em linha reta, descendente ou ascendente. E tudo isso, só depois de os termos exortado a terem o maior cuidado em não darem à luz o fruto dessas uniões, e, se gerarem algum filho, e se ele forçar o caminho, em disporem dele, partindo do princípio de que tal ser não será criado"(p.156).

Nesta obra concluiu-se que Platão tinha uma idéia de reconstruir a cidade, com pessoas, mudando as regras.

Como as mulheres poderiam ser úteis na cidade, com sua braveza, sua inteligência.

Na página 156 entende-se que Platão constituiu uma idade para se ter filhos, e os habitantes daquela cidade, como as mulheres, por exemplo, começariam a ter filhos aos vinte anos e teriam que parar aos quarenta a sua vida útil de reprodução, e os homens depois que passasse o tempo de meta fogosa de sus vida, poderiam, já começar a gerar filhos à cidade, e só deveriam parar sua vida útil de reprodução aos cinquenta e cinco anos .

Platão queria fazer um exército guardião da cidade com homens e mulheres fortes, porque se alguém não cumprisse a lei, tocando em mulheres mais velhas do que a idade de reprodução, ou mesmo um mais novo que se atrevesse a querer reproduzir, dando a cidade um filho, este seria sem proteção nenhum, propriedade dos sacertotes, em vez disto seriam chamados de bastardos, ou não autorizados ou pior ainda, de guardas das trevas e da incontinência.

Ele tinha, o cuidado acerca da educação, dos filhos e da guarda dos outros cidadãos, e que as mulheres deveriam ir ao combate como entre cães para participarem de tudo, pois eles acreditavam que ela os criou em comunidade, todos unidos em um só pensamento.

Livro VI.

Ao se deparar com certas situações Sócrates afirma que certas discussões não valem a pena e denota que não concorda com certos conceitos. Porém continua discorrendo sobre uma cidade perfeita, no entanto, afirma que seria necessário investigar as verdadeiras intenções de seus governantes, que seriam os “guardiões” da cidade. Para tal análise precisa-se que haja um conhecimento pleno e não um conhecimento superficial que usa o campo das opiniões.

Mas para alcançar tal conhecimento é necessário ter uma justiça plena, para que não se faça apenas especulações vazias e sim afirmações contundentes. Sócrates afirma que este aprendizado vem intrínsecamente ligado à verdade, à justiça, à coragem, assim não entregaria o comando da cidade a outros.

No entanto, os que se voltavam à filosofia acabavam sendo taxados de “estranhos”, assim não seriam capazes de governar a cidade. Sócrates “convicto” que uma cidade que não privilegia seus filósofos não são consequêntimente governadas com justiça, o que não aconteceria em uma cidade perfeita, pois a constituição dos que vivem a verdade e os que tem seu pleno conhecimento se faria prevalecer.

Os filósofos também foram marginalizados, porque dentre eles, haviam outros que queriam se beneficiar com seus argumentos. Como é o caso dos Sofistas. Existia a possibilidade de haver uma cidade perfeita e justa, no entanto, seria preponderante a escalada de um filósofo genuíno ao comando da cidade. Com isso poderiam mostrar que seus projetos seriam os ideais e mais justos para a cidade.

No entanto, para haver contato com tais virtudes, para um bom governante, ele deve ter o conhecimento da idéia do bem. Que nunca deixou de ser o foco da filosofia e dá sentido à justiça e a muitas outras virtudes.

Sócrates também fala sobre o dúbio sentido que privilegia o mundo dos objetos em detrimento ao mundo das idéias. Assim como também discorre sobre a gradação ascendente de níveis que levam à percepção instável da qual podem resultar em simples opiniões em detrimento da plenitude das idéias.

Enfim o que Sócrates desejava no cerne do seu ser era nada mais que uma cidade justa, honesta e que pudesse ser governada por pessoas dignas de confiança.

Livro VII.

A leitura do Mito da Caverna nos leva a uma discussão sobre a caverna, as correntes que aprisionam a humanidade ao longo da história e a realidade, invisível a todos aqueles que, enganados, sofrem a manipulação daqueles que detêm os mecanismos de opressão, sejam eles ‘intelectuais’ ou coercitivos.

Prisioneiros e acorrentados para sempre? As sombras serão projetadas continuadamente? Seremos corajosos o suficiente para nos percebermos a verdadeira imagem da alegoria que nos acostumamos a ver, em todos os seguimentos da grande mídia e do senso comum que nos rodeia?

Um momento complicado desta mudança é a percepção de que as coisas não são do jeito que realmente são. Nossa visão é ofuscada quando percebemos que, tudo aquilo que acreditávamos ser a mais pura verdade, não passa de um medíocre teatro de marionetes, por mais ridículo que pareça ser.

Alguém é capaz de se libertar sozinho? Ou deverá ser conduzido por alguém? Talvez estas questões não sejam tão importantes assim. O que deve prevalecer é a oportunidade de levar toda a percepção e experimentação de que o verdadeiro conhecimento não é aquele que vemos no quotidiano. Quanto mais conhecemos, mais somos responsáveis.

Pensamos na validade da grande lição do ‘Mito da Caverna’. Ser um ponto de luz, um condutor de pessoas ao encontro da entrada desta caverna, por mais difícil que seja ou que pareça ser. Seremos chamados de loucos, alienados e até mesmo perturbadores da ordem. Mas, que ordem?

Ser um filósofo. Capaz de refletir sobre a realidade como de fato ela é. Contemplação das idéias. O conhecimento, limitado pela caverna, precisa ser levado a efeito pela constante busca da verdade. Somos agentes desta busca e desta mudança.

Livro VIII.

Diante da exposição de Sócrates a respeito de como se dá o conhecimento foi discutida a viabilidade da cidade perfeita, que só pode existir de fato se tiver filósofos por governantes, sua natureza e, seguidamente, a natureza do conhecimento verdadeiro. Uma vez fundamentadas afirmações que até então tinham sido tomadas tal como ditas, o trajeto da discussão pode prosseguir e, para tanto, retomando o exame referente aos tipos de governo encontrados de fato, qual entre eles seria o melhor e mais justo, assim como o teor da constituição interna do homem semelhante a ela, baseado na analogia Ver/Conhecer, o desvio proposto por Polemarco e Adimanto.

A discussão acerca da cidade, eram avaliados os tipos de governo encontrados nas cidades já existentes, a saber: timarquia, democracia, oligarquia e tirania, sendo que as outras constituições estariam entre as mencionadas. Todas são examinadas quanto à sua presença em nível de publico e individual, ainda na intenção de comparar dentro delas o homem mais justo ao mais injusto, levando ao cabo a pesquisa acerca da natureza e benefício da justiça.

Com relação ao homem na democracia, já haviam constatado que ele era bom e justo (544 e). Sócrates propõe que seja examinada em seguida a constituição que privilegia as honras (denominando-a timarquia) e o homem tal como ela, depois a oligarquia e o homem oligárquico, seguindo com a democracia e o democrático e, finalmente, a tirania e seu correspondente no homem (545 e). O exame das constituições segue uma seqüência na qual cada uma tem origem na corrupção da anterior; de maneira análoga se dá o exame da constituição dos homens relativo a cada uma delas. O recurso expositivo usado por Sócrates remete a uma progenitura na qual os filhos seguem uma orientação que os leva a decair quanto às virtudes da constituição de seu pai. Esse movimento, entretanto, não poderá ser reproduzido com a máxima precisão, dado o espaço limitado.

Com relação ao homem democrático, como afirmam (544 e), é bom e belo, pois já incorreram nesse exame anteriormente. Em seguida, é examinada a timarquia, e como ela decorre da aristocracia. Podemos notar, aqui, que Sócrates parte, como era de se esperar, da constituição da cidade perfeita que levantou, dando a entender que as outras constituições são inferiores à reinante nela, uma vez que surgem de sua corrupção. Voltando à timarquia, a rebelião dos descontentes, que coloca de lado os melhores no governo e na guerra e projeta homens ávidos por riquezas, opera mudanças na forma de governo. De um lado, os antigos governantes valorizam a virtude e a constituição anterior; de outro, é difícil achar homens zelosos e íntegros para os cargos de governo entre os restantes. Pois eles serão ávidos de riqueza e a valorizarão no particular enquanto a regulam no publico, descuidando, além disso, das Musas e da ginástica. Em síntese, tanto tal governo quanto o homem correspondente a ele são um misto de bem e mal, o que caracteriza essa forma de governo.

A oligarquia, por sua vez, é examinada na cidade e no homem que a ela se assemelha. Uma vez sabido que ela é a forma de governo que tem por critério de participação no governo o censo, ou seja, um mecanismo que permite apenas os ricos no governo, ventando aos pobres essa possibilidade, passa-se a examinar o homem oligárquico. Tal homem, perante a busca de riqueza, termina por valorizá-la mais que a virtude, organizando o censo justamente para controlar o governo e continuar em superioridade em relação aos outros. O que acaba sendo desvantajoso, uma vez que os mais ricos nem sempre são os mais qualificados para exercer tais cargos. Isso prejudica a administração da cidade e a divide em duas partes: a rica e a pobre. Outra desvantagem, segundo Sócrates (552 a), é a multiplicidade de funções admitida na constituição. Tem-se na cidade oligárquica governantes ricos, mas cidadãos vivendo na mendicância.

O homem examinado a seguir, parcimonioso e trabalhador, abstêm-se do supérfluo, o que se dá também na cidade cujo governo é conforme a ele. No entanto, se essas características estão presentes em tais constituições, não se deve a educação, mas à necessidade – não sendo genuínas. Dessa forma, mesmo comedido na vida prática, havendo oportunidade, esse homem comete ações corruptas, em se tratando de bens alheios. Mesmo tendo postura melhor que os já vistos, a verdadeira virtude da alma ele não possui (554 e). É importante lembramos que a permissividade da oligarquia gera descontentamento em grande parte dos cidadãos. Essas tensões culminam na ruptura dessa constituição. Com efeito, Sócrates diz sobre isso: “passa a existir democracia, creio eu, quando os pobres, vitoriosos, matam uns, expulsam outros, e aos restantes fazem participar do governo e das magistraturas em pé de igualdade e, no mais das vezes, cargos são distribuídos por sorteio” (577a). Eis o homem democrático e sua cidade par.

O modo de vida vigente em tal cidade pode parecer belo a princípio, mas o desprezo pela busca da verdadeira bondade, assim como a excessiva indulgência e o descaso para com os estudos fazem dela bem menos livre do que seria de se esperar, na medida em que se torna escravo de sua liberdade.

Por fim, é examinado o tipo de governo que Sócrates define como “a mais bela constituição, e o mais belo homem” (562 a): a tirania. Derivada, pos sua vez, da democracia, ela tem por gênese a busca insaciável da liberdade em tal governo, é isso que a leva a transformar-se em tirania. Aos que a levam ao extremo cabe a punição por parte dos outros. Isso faz com que alguns – os que punem – sejam tidos como oligarcas e ímpios, havendo necessidade de proteção para que não caiam em ciladas. Antes de contratar estrangeiros, seria bem mais fácil libertar escravos que já estão na cidade, pois esses serão gratos e o defenderão sempre. Daí nasce a condição de um indivíduo que, uma vez protegido, pune os que vão contra o povo, defendendo-o. Quando, porém, não houver mais malfeitores, ele será obrigado a manter sua posição de forma ostensiva e violenta. Eis o tirano de Sócrates, finalizando a exposição das diferentes formas de governo, que domina o Livro VIII da obra.

Pode-se notar o fato de que para Sócrates, os homens, na democracia são livres em excesso, o que prejudica a constituição, na medida em que seus cidadãos, justamente por terem essa liberdade, se revoltam com freqüência. A tirania, ao contrário, não detém para seus cidadãos tal liberdade, mas é elogiada por Sócrates, pois é a forma de governo que mais se aproxima da que reina em sua cidade perfeita.

Livro IX.

No livro IX, foi exposto e tratado as formas de governo que seguem uma trajetória na qual caminhava sempre a natureza de cada tipo de governo, que são avaliados às já encontradas nas cidades já existentes, como: democracia, oligarquia e tirania sendo que as outras constituições se encontram entre as mencionadas são todas analisadas em nível de público e individual, na intenção de comparar dentro delas o homem justo ao mais injusto, seguindo a risca pesquisas a cerca da natureza e benefícios da justiça. Tendo tratado de todas as formas de governo enumeradas por Sócrates a ordem da obra deixa para o livro IV o exame do homem em junção da tirania.

Iniciando o livro IX Sócrates antes do exame do homem tirânico, lembra-se e comenta sobre a falta de pesquisar os desejos. Com efeito é imprescindível observar inicialmente que desejos assim estão presentes em todos os homens, sendo que a diferença se faz pela moderação, natural ou habitual, que cada homem é capaz de impor a eles. É nesta sintonia que Sócrates e seus interlocutores retornam à natureza do homem democrático a partir do oligarquíco, para então embarcar no homem tirânico.

Tal homem conforme Sócrates, “se torna rigorosamente um tirano, quando, por natureza, ou por hábito, ou pelos dois motivos, se torna ébrio, apaixonado e louco” (573 a.C). Em outras palavras o homem tirânico se deixa levar por todos os desejos que nele habita, fazendo de tudo para satisfazê-los, colocando-os acima de tudo.

Em seguida é questionada a felicidade do homem, Sócrates propõe então, examinar a tirania, primeiro na cidade, depois dentro do homem. É interessante notar a menção ao governo de um rei em contraposição à situação da tirania, no que diz respeito ao governo de sua cidade perfeita. Também podemos observar que Sócrates, ao ter elogiado a tirania, o faz não por mérito mas como forma de governo que proporciona justiça e felicidade, pela sua semelhança de estrutura de governo em relação ao de sua cidade perfeita.

Voltando, o exame da cidade tirânica a revela escrava de seus prazeres e desejos, tendo a maioria dos homens escravos e poucos livres. É uma cidade que não pode fazer o que quer. Sendo assim a tirania é a forma mais infeliz das formas de governar. O tirânico em seu particular só não é mais infeliz que o próprio tirano que governa cegamente, pois esse não tem controle de seus desejos é obrigado a controlar os cidadãos. O governante tirano não possui liberdade já que, além de não poder deixar a cidade para não perder o poder , por isso teme os cidadãos. O governante tirano adula seus cidadãos e, não podendo realizar nenhum de seus desejos, leva uma vida temerosa e infeliz.

Concluindo o percurso desse exame resta saber qual é o homem mais feliz. Sobre isso Sócrates responde ordenando descrentemente o homem da realidade o da timocrácia, o da oligarquia, o da democracia e, por fim o da tirania. Porém quanto mais virtudes, mais perto da felicidade está um governo e seus cidadãos. Em meio a essa discussão conclui-se que a felicidade deriva-se da virtude.

O homem que agrega mais virtudes é o que tem a razão como guia de sua constituição interna. Seguindo o seu raciocínio Sócrates revela que somente colocando o homem à frente de si a parte racional, e buscando conhecer o mais alto é possível atingir o verdadeiro conhecimento do ser. E quando não se busca o conhecimento verdadeiro vivendo a mercê de desejos e opiniões acabam por competir e destruir-se mutuamente.

Em um todo, resumindo os fatos, quanto mais longe da razão, mais longe se está da lei e da ordem, portanto, mais perto da tirania, tanto em particular quanto no público. Assim o tirano é o mais distante dos verdadeiros prazeres.

Segundo Sócrates ao contrário do que afirma Trasímaco, em sua tese a justiça é muito mais útil e prazerosa do que a injustiça. Sócrates ilustra justiça e injustiça em seu íntimo; e com relação ao injusto é como se alimentasse apenas as feras, enfraquecendo a parte humana. Sendo assim, a razão é dominada por ímpetos e desejos. E o homem justo age diferente, cuida da parte humana que tem poder sobre toda a sua alma e domina seus ímpetos.

A discussão retorna à questão da natureza que se refere á esfera pública e a cidade perfeita afirmando ser melhor ter um governante divino a um tirano. No que afirma Trazímaco um governante não pode governar para prejuízo dos cidadãos, deve ter em mente o bem da cidade como um todo.

Enfim, um homem justo tal qual sua cidade segue sempre a razão e busca sempre a virtude, levando sempre uma vida temperante e sábia.

Chegando ao fim da discussão em que se propôs a distinguir com clareza a justiça e a injustiça no íntimo do homem que detêm uma ou outra, assim como o que disso decorre, o que se vê no último livro da obra, é uma retomada da questão concernente ao lugar da poesia na cidade perfeita.

Livro X.

Platão não é o iniciador, e sim o herdeiro da "velha divergência" entre filósofos e poetas. A motivação ético-teológica, se reatualiza na República. Para poder apreciar o sentido dessa reatualização, importa que não se considere o Livro X isoladamente, mas se atente para os primeiros livros do diálogo.

Neles, e com vistas a uma melhor determinação do justo - que é o que está em pauta - Platão mostra a necessidade de se discutir as afirmações dos poetas. Trata-se assim de destituí-los da autoridade de que ainda gozam na educação e na opinião comum.

Só graças à discussão filosófica e a uma educação por ela inspirada - o que pressupõe a produção ou a seleção de mitos - é que se pode esperar uma maior realização da justiça, tanto

no plano do indivíduo (do governo de sua alma) quanto no nível da cidade. A leitura aqui proposta das "razões" de Platão na República não impede que reconheçamos a importância da tragédia para a compreensão da existência humana, inclusive no que toca à idéia do divino.

Se levarmos em conta conta o horizonte de considerações que se pode proceder a uma leitura do Livro X, não o tomando, sem mais, ao pé da letra. Antes de abordá-lo, seria conveniente recordar as inúmeras referências à poesia e às artes em geral que comportam os livros centrais do diálogo.

Como esquecer o papel privilegiado da música na educação? É, no entanto, à pintura que recorre Platão ao forjar suas comparações, como é o caso quando Sócrates replica à objeção de Adimanto segundo a qual os guardiães podem não se sentir felizes com as interdições que lhe são feitas (somente a eles e não a todos, note-se).

Ao declarar que o que deve primar na cidade é a felicidade do todo e não a de cada uma de suas partes, Sócrates se serve da comparação com a pintura de uma estátua. Não há por que reservar as mais belas cores às mais belas partes do corpo —teríamos então o olho pintado de vermelho—; o que importa é a beleza e a perfeição do todo. (A questão que caberia levantar aqui é uma das mais essenciais em filosofia moral: qual a relação entre o singular, o universal e o todo?)

Com o Livro IX se encerra a argumentação do diálogo. Divide o Livro X em duas partes: a primeira relativa à "expulsão da poesia" (595A-608C) ; a segunda (608C-621D) seria uma espécie de fourre-tout onde se retoma o tema das recompensas da justiça. O que se precisa compreender são as razões de Platão para manter o Livro X como fecho da República.

Na passagem onde se lê que a poesia mimética deve ser expulsa da cidade, a cidade de que metaforicamente se trata é antes de mais nada a da nossa própria alma. Para que ela seja bem governada, convém liberá-la das crenças e dos apegos incompatíveis com a justiça. Platão está sendo irônico quando inverte os termos da denúncia da qual foi vítima seu mestre: "vocês não vão me denunciar aos poetas trágicos e aos outros artistas que praticam a imitação".

Não se pode também excluir que Platão seja crítico em relação sobretudo a Eurípides pelos excessos de seu teatro. E se dele remonta até Homero, que é o poeta dos poetas e tido por pai dos trágicos, não o faz antes de lhe prestar uma bela e enfática homenagem, confessando a ternura e a admiração que por ele nutria desde de sua mais tenra infância (595B 9- 595C 3). Só que o amor à poesia não deve impedir o filósofo de ser lúcido e de banir de sua alma aquilo que no pensamento de Homero e dos outros poetas fica muito aquém da verdade ou mesmo a deforma, como é o caso da imagem que os poemas de Homero, de Hesíodo e dos trágicos propõem dos deuses.

Se Platão preconizava uma regulação do uso da produção poética —como hoje são chamados a fazer os comitês de ética em relação às produções tecnico-científicas ou às produções da mídia no setor da comunicação—, não instituía um tribunal para condenar desvios relativos a uma ortodoxia, a um corpo de definições dogmáticas, como aquele que condenara seu mestre Sócrates. O que ele queria traçar eram as coordenadas de uma educação capaz de implantar na alma uma harmonia e uma aspiração ao Belo e ao Bom.

A pergunta a ser endereçada ao Livro X da “República” seria a seguinte: “será que a educação pode ser feita a partir somente de bons exemplos, quando inevitavelmente em nosssa experiência da realidade confrontamos toda espécie de conduta?” Platão parece não ter podido entrever os efeitos, muito diversos, que produzem as fábulas sobre a alma de cada um. Nem tampouco foi de todo capaz de avaliar o que a alma humana comporta de meandros, de desvios e de inclinações perversas. Talvez não tivesse como vislumbrar a profundidade do mal que nos ameaça e, portanto, o que as nossas ações podem ter de injustificável já que em cada alma tende a prevalecer o amor injusto ou ilusório de cada um por si mesmo ou pelos seus, mesmo ao preço do bem devido aos outros.

Em resumo, o que se pode dizer é que se a poesia oferece um espelho majestoso da condição humana, nem por isso dispensa o filósofo de clarificar e retificar a diánoia dos poemas, com vistas às noções que norteiam e, de certo modo, moldam a existência dos homens, a começar pelas idéias que se fazem do divino. Foi o que Platão, o discípulo de Sócrates, tão bem compreendeu.

Referência bibliográfica:

Platão – “A República” –

Editora. Martin Claret Ltda. – 7ª Reimpressão – 2009.

Coleção – “A Obra-Prima de Cada Autor”

FACULDADE DON DOMÊNICO

GUARUJÁ

2009

Ilton J S
Enviado por Ilton J S em 21/05/2011
Reeditado em 28/05/2011
Código do texto: T2984366
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