A Nazaré desses dias em que vemos José levando para lá a sua nova família é uma aldeia de cerca de mil e trezentos habitantes, situada na baixa Galiléia, nas chamadas serras baixas. É uma povoação que vive exclusivamente da agricultura e do pastoreio.
A simplicidade e a rusticidade do seu povo é algo que se nota já no primeiro contato que se tem com ele. Em nada os habitantes da pacata aldeia serrana se parecem com os aristocráticos cidadãos de Jerusalém, nem com as populações urbanas das cidades da Samaria e da Galiléia, cuja interação com povos estrangeiros há muito já lhes mudou a forma de ser, de falar e até de pensar. Ali parece que o tempo demora mais a passar, e se alguém quisesse saber como viviam os antepassados dos judeus no tempo de Davi e Salomão, bastaria uma visita a Nazaré e uma conversa com seus rústicos aldeões para saber como eram as coisas naqueles áureos tempos em que Jeová ainda se dava ao trabalho de falar pessoalmente com alguns dos seus escolhidos.
Do centro da aldeia se avista todo o Vale do Jordão, com a sua verdura luxuriante. É uma imagem que deslumbra os olhos e faz comover o coração. Seu relevo é feito de rochas porosas, de onde brotam inúmeras fontes de cristalina água que se despe-nham pelos desfiladeiros abaixo, indo engrossar a corrente do Jordão. Suas colinas se prestam admiravelmente ao cultivo da vinha, da cevada, do grão de bico, das lentilhas e dos legumes, produtos que fazem desse encantador pedaço de chão o cinturão verde de uma região densamente povoada.
A aldeia foi erguida em volta de uma dessas fontes, e a urbe, constituída por pequenas casas feitas de adobe, construídas na forma de cubos um tanto informes, se espalha pelos contrafortes do morro, formando uma mancha branca que contrasta com o verde das baixas colinas, cuja maior altura não excede a trezentos metros. Cento e poucas edificações se podem contar ali e logo essa quantidade será acrescida de mais uma. Esse é pensamento de José quando a sua vista pousa sobre o aglomera-do de casas penduradas nas franjas das verdes colinas que o emolduram. Logo Maria estará, como aquelas mulheres que ele avista ao longe, carregando um cântaro de água na cabeça; logo, também, seus filhos estarão brincando com aqueles meninos que ele vê a correr pelas estreitas ruas da aldeia. Sabemos que é isso que ele está pensando nesse momento pelo profundo suspiro que exala quando essa visão o acomete. É o suspiro de um homem que finalmente parece ter encontrado o que procurava na vida: um lugar para viver e criar a sua família em paz.
É possível, de um lugar assim, sair algo de bom? Essa será a pergunta que alguém fará um dia, quando o filho de Maria se tornar uma celebridade e as pessoas souberem que ele vem de Nazaré. Os judeus do sul, ciosos da sua tradição e da sua história de fidelidade às raízes do povo de Abraão, de quem acreditavam ser herdeiros únicos, em detrimento dos seus conterrâneos do norte, a quem taxavam de rebeldes e hereges, certamente responderão a essa pergunta com uma sonora negativa. O desprezo pelos seus compatriotas da Samaria e da Galiléia era algo entranhado em suas personalidades há vários séculos e eles não faziam nenhum empenho para esconder esses sentimentos. Não obstante ser habitada predominantemente por judeus, os aristocráticos patrícios da Judéia chamavam o território dos galileus de “Galiléia dos gentios”, numa clara demonstração do preconceito que se voltava aos habitantes dessa região, povoada e repovoada muitas vezes por povos estranhos, vindos de todas as partes do oriente próximo, e nos últimos três séculos, também do ocidente, desde que Alexandre, o Grande, desmontara o império persa e o transformara em um mundo helênico.
Há quem diga que quando José e sua família migraram para a Galiléia, a povoação conhecida como Nazaré era um desses lugarejos esquecido pelas forças que fazem uma civilização. E não é estranho que seus habitantes não inspirassem muito res-peito em seus conterrâneos, pois eram tidos como caipiras atrasados e ignorantes, que viviam fora do tempo e das rotas conhecidas. Antes ou depois dos sucessos do filho de Maria é que não se sabe começou a campanha de difamação contra a aprazível aldeia, mas o fato é que ela sequer aparece nos mapas da época, o que levou alguns cronistas até a negar a existência, naqueles tempos, de tal povoação.
Todavia, ainda que compreendendo quem defendeu tal hipótese, motivada, quiçá, pelo desconhecimento da geografia da época, a informação que temos é bem outra. Com toda certeza, podemos afiançar que essa aldeia existia sim e estava incrus-tada em um dos territórios mais densamente povoados desses tempos: a região do Vale do Jordão e adjacências. Ali, no exíguo espaço de pouco mais de dois mil e quinhentos quilômetros quadrados, se concentrava uma população de quase quinhentas mil pessoas, espalhadas por cidades, vilas, aldeias e povoações, a maioria plantada à beira do lago de Genezaré, o chamado Mar da Galiléia.
Quem andasse por aquelas terras, naqueles dias, encontraria cidades bastante prósperas e muito agitadas. Todas muito parecidas, especialmente por que tinham sido construídas após a conquista helênica e a arquitetura delas seguia o estilo oriental de construir. Não obstante o incremento de alguns edifícios construídos á maneira greco-romana, elas não perdiam o ar típico das urbes palestinas, cercadas por hortos e jardins, onde pontificavam romãzeiras, figueiras, amendoeiras, sicômoros, nogueiras e principalmente muitas oliveiras. As cidades, tais como Tiberíades e Cesaréia, bem como os vilarejos construídos à beira do lago, como Cafarnaum, Betsaida Júlias, Korazim, Magdala, Nain, tinham seus núcleos principais espalhados ao longo do espelho d’água, enquanto que as cidades de Decápolis, geralmente mais afastadas do lago, eram construções protegidas, em sua maioria, por muralhas de cerca de cinco ou seis metros de altura, sempre construídas no sentido norte-sul, com comprimentos médios de cerca de um quilometro e meio, e largura igual a trezentos ou quatrocentos metros. Terminavam, quase sempre, numa grande torre que servia, na maior parte das vezes, de fortaleza para aquartelamento de soldados. Uma grande porta de três entradas, em forma de arco, dava acesso ao núcleo urbano por uma rua de aproximadamente trezentos metros de comprimento por dez de largura, calçada com blocos retangulares de pedras calcárea. No mais das vezes essa rua era ladeada por belos edifícios, alguns de dois ou três andares, cortando a cidade de leste para oeste, terminando justamente numa praça em frente ao lago, onde um porto com um cais apinhado de embarcações dava um caráter pitoresco à cidade. Nesses edifícios, ao lado dos inúmeros prédios públicos, os viajantes podiam encontrar também casas de banhos – uma instituição tipicamente romana –, juntamente com pousadas, estrebarias, prostíbulos e, às vezes, até teatros, ao lado da indispensável sinagoga, disputando espaço com templos dedicados aos muitos deuses adorados pelos povos gentios que habitavam essas cidades.
Nas ruas, aguadeiros, pedintes, contadores de histórias, trapaceiros, vigaristas, vendedores de todos os tipos de mercadorias, grudavam como carrapatos nos incautos passantes que faziam a besteira de demonstrar algum interesse na sua conversa ou nos seus produtos. Nas portas dos bazares, delicadas ânforas de vidro, enormes potes de cerâmica colorida, rolos de tecidos de cores berrantes, tingidos com múrex, tapetes, artigos de cutelaria, pratos, bacias e outros artigos de cobre, montes e montes de peixes salgados, barricas de azeitonas, frutas cristalizadas, peneiras e cestos, lâmpadas de azeite, etc., eram expostos em meio à azáfama infernal dos ambulantes, cada qual procurando gritar mais alto do que o outro para atrair a atenção para a sua mercadoria. Muitas tendas de comida e bebida ofereciam suas iguarias, consistentes principalmente de bolinhos de trigo com mel e petiscos feitos com peixes, fritos em azeite de oliva. Por toda parte, enxames de mosquitos tratavam de atormentar os cavalos, as mulas e os camelos amarrados nos postes em frentes às lojas, ou pousavam, aos montes, nas toscas mesas de madeira, onde centenas de pessoas bebiam vinho escuro, conhecido como néctar de Hebron, ou cerveja fermentada de cevada ou milho, ou ainda a forte aguardente extraída das abundantes palmeiras que, ainda hoje, cercam as cidades e vilas desse aprazível pedaço da Palestina.
Junto ao porto, nessas povoações construídas à beira do lago, era comum encontrar uma rua que acompanhava toda a sua extensão. Nela, de um lado, se abrigavam as oficinas dos arte-sãos de vidro, os famosos sopradores, que praticavam a milenar arte da fabricação de cristais, descoberta no antigo Egito e espa-lhada por todo o médio oriente como um segredo corporativo digno da melhor maçonaria. Do outro lado, dezenas de postes e outros aparatos, onde se amarravam as alimárias e se estaciona-vam as carroças para receber as cargas que saiam dos embarca-douros, se erguiam como mudas testemunhas das atividades praticadas naqueles improvisados portos. Nas ruas laterais, estreitas e escuras, um animado comércio de cerâmicas, tecidos, especiarias, couros curtidos, frutas, hortaliças e peixes, faziam dessa parte da urbe um local mal cheiroso e soturno, que a mui-tos estrangeiros dava medo freqüentar.
No cais do porto, uma multidão de carregadores vestidos apenas com uma tanga de linho, suarentos e encurvados por enormes fardos de tecidos, barricas de azeitonas, caixas e outros engradados, subiam e desciam as escadas dos atracadouros. E-ram os ham-há-ares, estrangeiros em sua maioria, pobres trabalhadores de jornada, cuja condição social era pior do que as de um servo, pois a estes, pelo menos, o amo era obrigado a sustentar, conforme mandava a lei.
A maior cidade existente nesse território para onde a família de José está migrando é Citópolis, uma das urbes pertencente ao conjunto das dez cidades helenizadas, chamado Decápolis, que com os seus trinta mil habitantes é o centro nervoso da regi-ão. Citópolis é a única das dez cidades fundadas pelos gregos e romanos que chegaram depois da conquista macedônia, que fica na margem ocidental do Jordão. As outras nove, Rafana, Dion, Abila, Hipos, Gadara, Filadélfia, Pela, Gerasa e Gaba, ficam na margem oriental do sagrado rio. O governo delas é exercido pelos romanos, através de Conselhos nomeados diretamente pelo Consulado da Síria.
Outra cidade importante na região onde se situa Nazaré é Séforis, escolhida por Herodes Antipas para ser a capital da tetrarquia da Galiléia, em razão da sua privilegiada localização geográfica. Com cerca de vinte e poucos mil habitantes nesses dias, sua importância estratégica vem do fato de ter sido construída num entroncamento de estradas. Tanto as vias que ligam as regiões do sul às do norte, saindo de Jerusalém, ladeando a margem ocidental do Jordão e terminando em Cesaréia marítima, quanto as que ligam o interior do continente ao Mediterrâneo – sentido lago-mar –, saindo de Tiberíades e indo até Ptolomaida, nas margens do Mediterrâneo, passam por Séforis. Os romanos, eles mesmos grandes construtores de estradas, melhoraram bastante essas vias, e por elas se pode ir de Enom a Guishala, de um extremo a outro da Galiléia, em tempos que não excedem de três ou quatro dias a pé, ou quando muito, em dois dias, sobre o lombo de uma boa montaria. Dessa maneira, Séforis, cidade construída também à moda helênica, é uma encruzilhada importante na Palestina e para ali converge boa parte da vida da região. Além dessas cidades, são abundantes na região as vilas e as aldeias. Agripina, Nain, Salim, Cafarnaun, Caná, Korazim, Betsaida, Magdala, entre dezenas de outras povoações menores, de um e outro lado do lago, fazem dessa parte da Palestina uma das regiões mais urbanizadas do império.
Quando os romanos conquistaram o território da Palestina, o Pró-Consul Áulio Gabino, nomeado por César para governá-lo, dividiu a Palestina em cinco distritos e escolheu Séforis, então uma pequena aldeia, para capital do distrito da Galiléia. Mandou construir lá um anfiteatro para quatro mil pessoas, um hipódromo, um grande castelo para servir de arsenal e aquartelar tropas, um tribunal, templos e outros edifícios públicos, necessários para abrigar uma administração. Depois, durante o governo de Herodes, Séforis cresceu e se tornou uma importante referência regional. Após a morte de Herodes, o Grande, e o ambiente conturbado que se seguiu à sucessão do velho rei asmoneu, por causa da partilha que ele fez da Palestina entre os seus muitos herdeiros, a Baixa Galiléia se tornou um local de intensas lutas. Patriotas e bandidos, independente do mérito de suas causas, sempre aproveitam essas ocasiões para fazer valer seus interesses. Assim, dezenas de bandos armados varejavam a região, atacando caravanas, saqueando cidades e vilas, armando emboscadas às forças que tentavam impor a ordem no território, pro-movendo guerrilhas que não poupavam nem os próprios patrícios. Sem nenhuma autoridade com mão forte o suficiente para pacificar a região, o imperador romano teve que intervir. E o fez dividindo a Palestina em quatro tetrarquias, onde, em cada uma delas, assentou um dos herdeiros de Herodes, como ele mesmo já havia disposto em seu testamento. A Galiléia e a Peréia cou-beram a Antipas; a Judéia, a Iduméia e a Samaria foram para Arquelau, enquanto que as terras ao norte do lago, conhecidas pelo nome de Ituréia e Traconitide, também chamadas de Transjordânia, ficaram com Filipe. Gaza, Ascalon, Azoto e Jânia, cidades junto ao mar, foram para sua irmã Salomé, a única herdeira feminina, que logo as entregou para o controle direto dos romanos.
Dessa forma, se José tivesse escolhido não viver na Judéia depois da morte de Herodes, por medo de Arquelau, como escreveu aquele cronista que os mandou para o Egito, certamente a sua decisão não teria sido muito feliz, porquanto Nazaré, a aldeia por ele escolhida para viver, estava em meio a uma região muito mais conturbada do que a sua pequena Belém de Judá. Entretanto, a esta altura já sabemos que outros motivos o levaram a tomar essa decisão e não precisamos mais ficar justificando essa que parece ter sido uma rematada loucura. Aliás, foi pouco depois que ele se estabeleceu em Nazaré, que um indivíduo de nome Judas, filho de um notório ladrão e salteador de caravanas chamado Ezequias, tomou Séforis de assalto e saqueou o arsenal da cidade, deixando lá um belo número de mortos entre os soldados da guarnição que a defendia. Essa foi uma das muitas insurreições ocorridas naqueles dias, e como a maioria das sedições levantadas durante o domínio de Roma, ela também não deu em nada. Mas o fato de ter envolvido vários cidadãos de Séforis, judeus patriotas ou descontentes com a submis-são da pátria aos romanos, fez com que uma grande comoção envolvesse a região e a revolta se espalhasse para além dos limites da cidade. Em represália, os romanos destruíram Séforis e passaram a fio de espada a maioria dos seus habitantes. Os que não morreram foram vendidos como escravos.
Nazaré não foi incomodada pelos romanos, que despejaram toda a sua fúria contra os habitantes de Séforis e não varejaram as aldeias próximas, como costumavam fazer nesses casos. Todavia, depois dessa tragédia, os habitantes da Galiléia se tornaram mais cordatos e passaram a conviver com a presença romana na região sem muitas queixas, o que lhes valeu muitas e ácidas críticas dos seus patrícios da Judéia.
Foi logo depois desses acontecimentos, entretanto, que Herodes Antipas assumiu o governo da tetrarquia da Galiléia e reconstruiu Séforis para servir-lhe de capital. Podemos invocar esse fato como mais um dos motivos de José ter trocado Belém por Nazaré, já que outros, de ordem moral, sentimental e até legal, ele já os tinha de sobejo. Se a eles somar-se este outro, de ordem econômica, teremos aí um conjunto lógico de razões que justificam a decisão que ele tomou. Com isso não se precisa ficar incomodando Jeová nas alturas, para que Ele se dê ao trabalho de convocar um membro de suas hostes e mandá-lo fazer uma longa e complicada viagem – que assim deve ser essa jornada entre o céu e a terra –, para avisar o assustado carpinteiro que o adiposo e cruel monarca da Palestina procurava o filho de Maria para matá-lo. E como fizemos de José um homem comum, igual a todos os outros nascidos sobre a terra, não custa imaginar que ele também tivesse um lado sombra, de vez em quando sussurrando ao seu ouvido que seria bem melhor para todos se esse menino não tivesse nascido. Ou então, já que nasceu, que não vingasse. E que não se tenha como motivo de escândalo esses pensamentos que estamos pondo na cabeça de José, pois se ele era um ser humano, como temos certeza que era, é muito justo que os tivesse. Afinal, não temos necessidade nenhuma de acreditar que as pessoas que alcançam grandes merecimentos na vida precisam ser diferentes da gente comum e que todos os seus pensamentos sejam puros como a primeira manhã do universo. A propósito, diga-se que a mesma fé que inventou a santidade, foi também a responsável pelo nascimento do pecado, já que, como os dois lados de uma moeda, um não existiria na ausência do outro.
Por fim, que motivações teria José para largar tudo que possuía na vida e fugir da Judéia somente para salvar a vida de um menino que só constrangimento lhe trazia? Mais fácil seria deixar que os soldados de Herodes o degolassem – se fosse verdade que ele realmente queria fazê-lo –, pois assim, sem trabalho e sem culpa, teria o seu problema resolvido. E mais, fazê-lo ir para o Egito, terra tão infensa à sua cultura e tradições, além de ser uma coisa complicada para o pobre homem, que mal falava o seu gutural aramaico, é muito difícil de justificar, mesmo que se invoque o Deus de Israel como mandante. Afinal, convenhamos que seria muito estranho um Deus tão austero e cioso em relação às interações que o seu povo mantinha com estrangeiros, exigir da família que Ele escolheu para criar o Seu próprio filho um exílio dessa ordem, num país de tantas lembranças tristes e influências assaz perigosas para o seu espírito.
Por fim, se não bastassem as razões aqui invocadas para a fuga de José para Nazaré, há esta que não pode ser esquecida. É graças à grande procura por mão de obra especializada em construção, resultante da empreitada levada a cabo por Herodes Antipas, que José consegue emprego e estabilidade na sua nova vida em Nazaré, que não fica muito distante de Séforis. Por isso é que iremos vê-lo, nestes primeiros anos da sua vida na Galiléia, no lombo do seu burrico, nas primeiras horas da manhã, a vencer os cinco ou seis quilômetros que separam sua pequena aldeia da cosmopolita Séforis. Depois o encontraremos a trabalhar nos canteiros das grandes obras que aquele rei ergue pela cidade toda, exercendo a profissão que herdou do pai. Lá está ele, com o menino Judas a assisti-lo, serrando vigas, aplainando traves e cavando os caixilhos onde elas se ajustarão para servir de suporte para os telhados dos palácios, fortalezas e prédios públicos que Antipas ergue na capital da sua tetrarquia, em substituição aos que a fúria romana derrubou. Passa nisso os três primeiros anos dessa sua nova vida e nesse ínterim vai ganhando fama como bom carpinteiro, o que lhe permite, terminadas as obras de construção em que trabalhou todo esse tempo, montar sua própria carpintaria nos fundos da pequena casa que construiu em Nazaré.
Eis, pois, como vemos as coisas se passarem. De forma singela e lógica aportou a família do carpinteiro em Nazaré e ali habitará até os dias em que de lá tiver que sair por causa dos sucessos do filho de Maria. Nada mais conseguimos imaginar para dar cobro á história da sua migração para Nazaré, a não ser concordar que o filho de Maria, a partir desse momento assumisse a condição de nazareno. Fosse pelo fato de ter crescido em Nazaré e esse adjetivo ter-lhe sido chumbado por razões de geografia, ou por que Maria, em razão dos sucessos já referidos aqui, o tenha consagrado ao serviço do Senhor de Israel, a verdade é que por esse qualificativo ele ficou conhecido. Como Sansão, o forte, seus cabelos nunca conheceram navalha. E nisso também podemos dizer que não contou mentiras o cronista que deu essa informação. E foi por isso que ele veio a ser chamado O Nazareno.