RESENHA CRÍTICA: A ÉTICA E OS COSTUMES

VALLS, Álvaro L.M. O que é Ética 9ª Edição. São Paulo: 2008. Brasiliense.

Pode-se observar que ao longo da análise da obra, o autor faz uma reflexão crítica sobre qual tipo de ciência seria a ética, baseando-se na liberdade humana. Traz discussões de ideias sobre a ética antiga, e sua relação com a religião, comportamento e valores, que associados à liberdade surgem problemas de consciência moral, do bem e do mal, de lei entre outros. Envolvendo problemas de ordem fundamental e específica, fazendo adiante a distinção da ética de outros ramos do saber. Assimilando ética, comportamento humano, ações e costumes, trazendo questionamentos diversos. Valls destaca a importância da ética inserida no cotidiano do homem, “pois na vida real eles não vêm assim separados”. No primeiro capítulo, o autor mostra os problemas, a maneira tradicional e a moderna em que os povos agiam diante da ética e da moral, já que o assunto gerava polêmica. Relacionando ética aos costumes, por exemplo, de um povo que poderia sofrer mudanças, considerando-se o que ontem era tido como errado, hoje é aceito. Tendo a ética uma função descritiva que se apoia na antropologia, costumes de diferentes épocas e lugares, esta também tem sido uma reflexão teórica. Os costumes foram reconhecidos através da história dos povos de como viviam, como se comportavam, quais normas políticas vigoravam naquela época etc. Em certos casos descobria-se a ética vigente de uma determinada sociedade através de documentos escritos, pinturas, esculturas, tragédias e comédias e formulações jurídicas, como as do direito Romano e leis de Esparta e Atenas. Assim descobriu-se que os costumes desses povos explicavam condutas e comportamentos que conhecemos hoje. Assim costumes e valores variam passando por transformações de um povo para outro.

A obra de Álvaro Valls destaca dois grandes nomes do estudo ético, Sócrates e Kant. (Sócrates, filósofo grego, condenado a beber veneno, acusado de induzir a juventude a questionar as leis). A ética vai além das leis, sendo a lei uma norma que nos diz como devemos agir, Sócrates obedecia às leis, mas as questionava em seus diálogos perguntando se estas leis eram justas. Sócrates seria o grande pensador da subjetividade.

Kant buscava uma ética que se apoiasse na igualdade dos homens, sendo esta fundamental para o desenvolvimento de uma ética universal que partiu do movimento iluminista que pregava a igualdade básica entre os homens. Sendo a ética vista como um dever ou obrigação moral. Kant achava que ética dependia da igualdade humana, buscava sempre a moral racional entre os povos, todos deveriam agir segundo a razão, a forma de um agir necessário e universal. “(...) a moral é a racionalidade do sujeito (...) porque é dever, eis o único motivo válido da ação moral", e se assim não o fosse, então “legalidade e moralidade se tornam extremos opostos”. (pág.20).

No segundo capítulo o autor faz uma reflexão sobre a natureza do bem moral buscando um princípio absoluto da conduta. Platão (lembrando que foi este quem escreveu os pensamentos de Sócrates), dizia: "Os homens deveriam procurar, então, durante esta vida, a contemplação das ideias, e principalmente da ideia mais importante, a ideia do Bem" (pág.25). A ideia do Bem traz em sua oposição, a ideia do Mal, que seria então, equivalente ao não ético, ao antiético. O sábio é um homem virtuoso estando aí o sumo do bem e para Platão a prática da virtude é a coisa mais preciosa para o homem, o sábio busca assemelhar-se a Deus. O diálogo das leis afirma que “Deus é a medida de todas as coisas”. (pág.27)

Ainda na Grécia antiga, Platão vai trabalhar os ideais do homem baseado na sua racionalidade, apontando quatro valores éticos: Nas pesquisas efetuadas (...)Platão vai organizando um quadro geral das diferentes virtudes. Sendo que as principais são: Justiça (dike) a virtude geral, que ordena e harmoniza (...)Prudência ou Sabedoria (frônesis ou sofía) é a virtude própria da alma racional, a racionalidade (...) Fortaleza ou valor (andréia) é a que faz com que (...) o prazer se subordine ao dever; Temperança (sofrosine) é a virtude (...) equivalente ao autodomínio, à harmonia individual.(pág.27) Aristóteles diz que o homem tem seu ser no viver, no sentir e na razão, o pensamento é o elemento divino no homem e o bem mais precioso. Já no terceiro capítulo aborda a relação da ética com a doutrina religiosa, onde se discute as influências de relacionamento, sexualidade e moralidade. As doutrinas procuravam orientar a vida dos indivíduos voltada para o bem às atitudes do ser humano perante a sociedade influenciava no modo em que as pessoas eram vistas. Viver de acordo com a natureza era questão moral e ter princípios religiosos era de fato, uma moral existente.

O ideal ético da Fraternidade Universal, e da Igualdade de Kant, e do próprio cristianismo, também estão atrelados ao pensamento de Marx: “O marxismo é, no século XX, uma grande tradição de preocupações éticas, onde persistem elementos do cristianismo em forma secularizada” (pág.39)

No capítulo “Os ideais éticos”, agir moralmente significaria agir de acordo com a própria consciência. Praticar o bem era importante na doutrina. Para muitos, viver de acordo com a natureza era fundamental, era como viver aos princípios de Deus. E ainda havia aqueles que achavam que o mais importante era a busca pelo prazer. A autonomia individual estaria atrelada à razão, e não mais aos dogmas religiosos como na Idade Média. É quando surge e se desenvolve a burguesia e se constroem os Estados nacionais, “(...) entre os séculos XV e XVIII, a burguesia que começava a crescer (...) acentuou outros aspectos da ética: o ideal seria viver de acordo com a própria liberdade pessoal, e em termos sociais o grande lema foi o dos franceses: liberdade, igualdade, fraternidade” (pág.45). O homem racional, autônomo, autodeterminado, aquele que age segundo a razão e a liberdade, eis o critério da moralidade.

O quinto Capítulo, aborda ética relacionando-a a liberdade humana, fato que depende do modo de pensar e agir do homem, lembrando sempre que há normas a serem seguidas e responsabilidades a serem cumpridas. Liberdade guiada pela consciência moral e que muitas vezes leva o ser humano a crises existenciais. O livre-arbítrio (livre escolha entre o Bem e o Mal), base da liberdade individual, leva-nos a outro ideal ético geral fundamental, o ideal da Liberdade. Segundo Valls, “Falar de ética, significa falar de liberdade” (pág.48). Segundo Karl Marx, ética e liberdade estão intrinsecamente atrelados, uma não existe sem a outra: “Quando (...) não há mais espaço para a liberdade e consequentemente nem para a ética” (pág.50). Kierkegaard diz que a liberdade deve consistir na opção voluntária pelo bem, consciente da possibilidade de preferir o mal, descreve a angústia como experiência humana do ser livre, de poder optar e ter mesmo que optar.

No Sexto Capítulo “Comportamento Moral: o bem e o mal” surgem então dúvidas quanto praticar o bem e o mal. a norma como uma imposição de conduta se torna moral, e não ética, como bem coloca o santo medieval Tomás de Aquino: “Aquino (...) desse uma importância fundamental à consciência moral. (...) Aquela voz interior que nos diz que devemos fazer, em todas as ocasiões, o bem e evitar o mal" (pág.63). Agir para o bem é uma questão de ética, a forma como esse bem será praticado, depende única e exclusivamente de cada um. O comportamento moral engloba toda a preocupação que o ser humano tem com a consciência individual. agir ético é negar o mal. O Bem é talvez o ideal ético mais aspirado desde a antiguidade, como enfatiza Valls: “Agir eticamente é agir de acordo com o bem (...) distinção levantada já há alguns milênios, parece continuar válida" (pág.67). O Bem, para o filósofo dinamarquês Kierkegaard (1813-1855), seria uma escolha guiada pelo livre-arbítrio do homem, pois, o “homem pode conhecer o bem e preferir o mal”. O Bem só pode ser alcançado a partir da livre escolha, jamais imposto: “(...) uma pessoa ética é aquela que age sempre a partir da alternativa bem ou mal (...) aquela que resolveu pautar seu comportamento por uma tal opção” (pág.68)

No Sétimo capítulo: “A Ética Hoje” O modo de pensar e agir influencia sim nas questões políticas e na busca do ideal. A ética é um conceito que sempre esteve presente em todas as sociedades e hoje se resume em uma ética individual, onde cada pessoa define o que prefere seguir e idealizar. Adorno, ainda, “(...) chama a atenção para o fato de que hoje a ética foi reduzida a algo privado. (...) E se hoje a ética ficou reduzida ao particular, ao privado, isto é um mau sinal” (pág.70). Hegel insistiu numa outra esfera que chamou de vida ética e hoje grandes problemas éticos encontram-se em três momentos da vida (família, sociedade civil e estado). A linha hegeliana vai colocar, então, a liberdade atrelada a um novo conceito, o de Cidadania, “A liberdade do indivíduo só se completa como liberdade do cidadão de um Estado livre e de direito. As leis, a Constituição (...) a própria prática de eleições periódicas aparecem hoje como questões éticas fundamentais” (pág.74). Porém, a cidadania atrelada ao Estado traz uma séria reflexão, ainda pertinente à contemporaneidade, talvez a grande crítica ao pensamento hegeliano:

Os Estados que existem de fato são a instância do interesse comum universal, acima das classes e dos interesses egoístas privados e de pequenos grupos. Ou são de fato aparelhos conquistados por esses grupos, por uma classe dominante, que conquista o Estado para usar dele como seu instrumento de hegemonia, para a dominação e a exploração dos desprivilegiados? (pág.75). Chegando a questionamentos éticos mais específicos dentro da comunicação e referindo-se à mídia, que é sustentada por empresas privadas na maioria dos casos e, muitas vezes, têm os seus próprios códigos de ética, Valls, então, questiona o próprio valor do noticiário: (...) valeria a pena analisar a ótica e a sintaxe da comunicação que aparecem (...) nos noticiários atuais (...) a lógica simples do 'e', da adição pura e simples (...) este tipo de comunicação (...) não favorece o despertar de uma consciência eticamente mais crítica (...) reforça a indiferença e o sentimento de impotência do espectador (pág.77).

Essa sintaxe do noticiário atual (informativa) teria mudado muito de seus primórdios da imprensa (opinativa), teria atrofiado a capacidade analítica das massas, as questões éticas assim, teriam desaparecido. Tal advento vai ao encontro com os estudos do alemão Jürgen Habermas, que questiona o desaparecimento do espaço público na sociedade atual, fato vinculado ao papel dos meios de comunicação historicamente, e que vai além da imprensa e do noticiário: Assim, o rádio e a televisão podem ser muito mais ditatoriais do que o telefone, o qual, como as antigas cartas, possui uma forma mais dialogal. Isto não significa que aqueles, como meios de comunicação, não podem ser postos a serviço da democracia (...) na medida em que a informação também é uma forma de poder e como tal, se bem distribuído, de favorecer as relações éticas entre os homens (pág.77).

Diante do exposto verifica-se que o autor faz uma reflexão profunda sobre ética desde os princípios éticos básicos conhecidos e estudados passando pelos primórdios das sociedades humanas, sendo esta uma leitura crítica em que o autor aponta as principais correntes de estudos da ética, sua evolução histórica, iniciado na Grécia Antiga, passando pela era medieval, o Iluminismo e chegando ao cenário mais atual, da era moderna e da contemporaneidade. Nesse caminho, importantes pensadores e suas obras são mencionados, mostrando o parâmetro dos valores e ideais da reflexão ética. Tornando-se esta uma leitura esclarecedora. Que vem mostrar quanta complexidade é encontrado para discorrer sobre o mesmo, mas não descarta a grande necessidade e ao mesmo tempo a obrigatoriedade da constante vivência e atualização, vemos que em todos os lugares e culturas a ética é pertinente, seus valores, crenças, costumes, modos de vida, e acima de tudo verifica-se as normas expostas – e que há um poder maior que está acima de todos, conforme a época, eles vêm modificando-se, pelas constantes mudanças sociais e tecnológicas criadas e organizadas pelo próprio homem; embora para cada “homem” as realidades venham contextualizar realidades diferentes – assim sendo, Ética é tudo aquilo que consideramos correto, que vivemos e defendemos e, tem como referencial o respeito ao outro, o que ele vive, cada um deve pensar de certa forma em conviver e trocar experiências, participando ativamente do processo social envolvendo indivíduos de diferentes lugares. Ainda neste ponto de vista torna-se essencial ressaltar que a ética está em cada um, em todos os lugares e a todos os momentos se exige ética de todas as pessoas – concernentes ao modo de falar, como falar, quando falar.

Conclui-se que a leitura da obra traz uma grande compreensão para o conhecimento histórico dos dilemas enfrentados pelas mudanças de costumes relacionados à ética que define como praticar o bem e qual caminho seguir. Aprendem a lidar com as diferenças e diversos costumes de um povo a outro. A forma como a ética e a moral vão ser exploradas, varia, pois enquanto uma se torna dever, a outra tende para a obrigação. Sendo esta de grande contribuição para o conhecimento dos acadêmicos de direito e acadêmicos em geral de outras áreas, professores, pesquisadores e outros profissionais da área científica, bem como para a sociedade. Até aqui surgem diversas palavras-chave ligadas à ética, teríamos os seguintes valores: Bem, liberdade, igualdade, fraternidade, universalidade, o livre-arbítrio, a razão, bom-senso, justiça, prudência, fortaleza, temperança, socialismo e cidadania. Esses são os grandes valores éticos históricos da humanidade e, também, os que Álvaro Valls trabalha no decorrer de seu livro.