"As Velhas"
FILHO, Adonias. As Velhas.2ª e.Rio de Janeiro. Ed. Bertrand Brasil S.A. 1975. Obra que tem estrutura, como na tragédia grega, forjada a partir de um prólogo que anuncia o tema do texto, tendo caráter de síntese. O mundo Adoniano possui uma espécie de força mágica, elemento textual que funciona como dissimulador da violência e da luta pelo poder, inerentes ao território da Região Sul da Bahia. A memória e a liberdade são os fundamentos básicos do seu processo ficcional.
A obra, As Velhas, conta a história de quatro velhas, que são entrelaçadas pelo destino.
Tari Januária pede ao filho, Tonho Berê, que vá buscar os ossos do pai. Por meio das lembranças de Tonho Berê, o leitor conhece a história de Tari Januária, a índia pataxó, viúva de Pedro Cobra, baixinha, quase nanica, mãos miúdas, pernas secas, graveto é o corpo; sentada sempre no banquinho de três pés, a mover os bilros e a mascar o fumo, que de falar tão pouco parece muda. Para conseguir os ossos do pai, Tonho Berê conhece as outras três velhas. Zefa Cinco, pele morena, baixinha, seios pequenos e redondos, olhos cor de pólvora, a que sem perder um tiro e sem tremer a mão enviara cinco cabras para o inferno e a que matou seu pai, Pedro Cobra.
Zefa Cinco matou Pedro Cobra, porque dois filhos dela foram estraçalhados por duas onças, que Pedro estava perseguindo. Tonho Berê era criança e viu tudo, e agora sua mãe lhe pedia que fosse buscar os ossos de seu pai. Zefa Cinco lhe dá os ossos de seu pai se ele lhe trouxer sua filha Asa, essa havia fugido com caçador, Binô do Itororó. Para achar o rastro de Asa, Tonho Berê ruma para uma vila chamada Itororó, e ali fica sabendo que Asa fora abandonada por Binô.
É nessa busca que ele chega até Camacâ e conhece a terceira velha. Zonga, negra , alta, magra de pernas compridas, peitos murchos. Zonga diz a Tonho Berê que a mulher procurada está em Buerarema. Chovia muito e Tonho Berê, enquanto espera a chuva parar, conhece a história de Zonga. Depois segue viagem Buerarema, ele conhece Lina de Todos.
Linha de Todos, era “miudinha, encurvada, enrugadinha, a pele branca de leite, os olhos azuis faiscavam. Os cabelos enrolavam para cima que o laço de embira prende no coque apertado.” (...). Tonho Berê fica sabendo que este nome Lina de Todos, é devido o marido dela, Timóteo Lapa, convidar os vizinhos para jogarem e beberem em sua casa com freqüência. Para recuperar o que tinha perdido, jogou a própria mulher e perdeu.
Lina de Todos, fica furiosa e ofendida, assim, propõe a todos que matem seu marido e ela será de todos. A partir daí trocava seu corpo por serviços na terra. Lina teve dez filhos, briguentos e violentos, e passaram a aterrorizar Buerarema. Esses filhos roubam Asa de Binô do Itororó fazendo-a prisioneira juntamente com sua filha, Marimari. Asa é obrigada ser mulher de um dos filhos de Lina. Depois que Marimari cresce, é obrigada ser mulher de um de seus netos, Mas, Marimari foge de Buerarema com Tonho Berê e seu sobrinho Uirá, filho de João Pintado e Branca Ita, filha de Tari Januária.
Na obra, As velhas, o acontecer ficcional, ligado à memória seja do narrador seja do personagem, flui alicerçado na ideologia vivenciada.
A estrutura do poder revelador da ambição e da dominação, é sustentada pela violência, pelo medo, pelo ódio e, isto é próprio do território, fundamentado na obra.
Enquanto os personagens vivem em violência, o narrador- personagem busca extirpá-las dos seus descendentes. Esse processo de busca é desenvolvido pela imperativa realização do desejo – “Eu quero os Ossos” (1993, p.2) – e, através dele, é redimensionado o mesmo espaço.
De uma forma ou de outra, busca o estado ideal onde o homem encontre, em existência e essência, a explicação e o sentido do viver. Por isso mesmo, há necessidade de desvendar o passado para, a partir dele, descobrindo-se, conhecer-se e conhecendo-se, retomar-se as raízes e, este avanço exige sempre retorno para o conhecimento da origem.
Desse conhecimento – “a vida dela que ela contou a mãe e mãe me contou. Disso eu conheço” (1975, 113) - resulta a libertação. Refazendo o trajeto da vingança, do ódio, do sofrimento, constrói-se, por outro lado, o caminho da vida, pela lição ouvida ou vivida (contada ou sentida).
Em algumas circunstâncias quando o narrador é re-narrador por processo de memória na memória, a distância do tempo enfraquece o sentimento dos fatos, pois a memória, em As Velhas, é formada de oitiva, “porque tenho tudo nos ouvidos” (1975,114). Por essas estratégias, os personagens muito mais do que elementos da história, funcionam como fontes de informação do passado, elementos fundamentais na construção do discurso ficcional. O personagem que conta o que ouve ou ouviu, em momentos, traz a memória coletiva das tradições, dos mitos , do folclore.
O avançar e retroceder do jogo temporal revelam a tendência estética filosófica do autor, coerente com a sua concepção da condição humana, com a sua preocupação com o destino do homem – Tari Januária manda buscar os ossos de Pedro Cobra e Marimari “veio em lugar dos ossos do pai” (1975, 124).
No ensaio sócio-cultural Sul da Bahia, Chão de Cacau, Adonias Filho diz que “em todo esse tempo, nas funduras das grandes florestas, em tudo o que foi uma guerra contra a natureza, gerou-se uma violenta saga humana no ventre mesmo da selva tropical”(1981, 20). O que antes fora vivenciado, agora é transformado em ficção, por relato dos personagens presentes, ou através das lembranças do que disseram outros referidos.
Adonias Filho, em As Velhas trabalha a etnia brasileira, escolhendo as representações africanas e indígenas como interfaces básicas de nossa identidade cultural, mediadas, sobretudo, pelo sagrado e pela oralidade.
Apesar de, em seu projeto estético, Adonias Atribuir lugar de realce aos interlocutores africano e indígena, seu procedimento ultrapassa o veio particularizado. Desses grupos, o autor retira valores que constituem verdadeiros universais da cultura como a integração com o mundo natural, a presença do sagrado e a valorização da memória.