Um excomungado exagerado

O livro Memórias de um excomungado, de Ricardo Kelmer, escritor cearense radicado em São Paulo, ex-católico e ateu assumido, chega a ser polêmico, de tão exagerado. O livro, um conjunto de crônicas em que o autor reflete sobre os aspectos negativos da religiosidade na vida, pode, devido ao tom exageradamente irreverente, dar a impressão de que ele está atacando as religiões. É preciso lê-lo com atenção para perceber que o autor não ataca nenhuma crença, mas os perigos do fanatismo religioso, os vigaristas que se dizem religiosos, a propaganda religiosa feita por jogadores de futebol e o preconceito contra os ateus e não-religiosos.

Ricardo Kelmer é um bom escritor, com uma prosa envolvente e um bom conhecimento dos assuntos que aborda. Entretanto, neste livro, ele errou ao adotar um tom exageradamente irreverente e chegar a usar, em algumas crônicas, palavras de baixo calão. Religião é um assunto muito delicado, que desperta suscetibilidades. Deve ser abordado de maneira racional e comedida. Não se está dizendo que o escritor deveria ser imparcial, afinal, ele está defendendo sua posição. O que ele deveria era ter exposto o tema de forma mais contida, com argumentos moderados, para que, quem o leia, se não concordar com ele, entenda que suas ideias são fruto de reflexão e que, o que ele escreve é com intenção de fazer o povo refletir, sem se deixar levar por fanatismos nem se enganar por vigaristas que se aproveitam da boa-fé e da religião para ganhar lucros. Falar de religião de maneira polêmica pode causar discussões desnecessárias e fazer com que se seja mal-interpretado.

Ele está certo nas críticas que faz e cita exemplos que mostram que a religião pode desunir em vez de levar as pessoas a se entenderem. Fala sobre o arcebispo que excomungou os que decidiram que a menina de 9 anos, grávida de gêmeos do padrasto que a estuprava, mostrando a pouca inteligência dos argumentos do referido sacerdote. Cita um pastor vigarista que prega sobre uma água milagrosa, prova que alguns dos povos mais civilizados não são religiosos, concluindo que se pode ter caráter e ser ético sem ser religioso. E, o mais importante, expõe o quanto é ridículo fazer da religião uma bandeira, como fazem muitos jogadores de futebol.

Porém, quando se quer criticar, não basta que estejamos certos. Temos que criticar de forma racional, sem nos levarmos pelos extremos. Ricardo Kelmer critica os extremismos dos que são religiosos e, ao tentar defender os não-religiosos, acabou cometendo um extremismo. Quando cometemos atitudes extremas, podemos causar conflitos desnecessários. Tem-se que criticar da maneira certa.