A QUEDA
A tradição hermética sustenta que em dado momento na história do universo ocorreu uma ruptura entre as duas estruturas do universo (a material e a espiritual), fazendo delas compartimentos estanques. Daí passou-se a interpretar o cosmo como se ele fosse composto de partes diversas, incomunicáveis entre si, opostas, duais, contrárias mesmo. A produção universal, fosse matéria ou pensamento, passou a ser uma resultante da ação e reação entre energias antagônicas: bem e mal, luz e trevas, verdade e mentira, ação e reação, macho e fêmea, matéria e espírito, deuses e demônios etc.. Essas duas potências eram forças que atuavam em sentido contrário uma à outra, produzindo as realidades universais de um lado, e organizando-os de outro. Por fora, criava o universo físico pela dispersão, por dentro organizava o espirito, por compressão.
Da mesma forma, o divino e o profano, à semelhança do céu e da terra, tornaram-se unidades independentes, estranhas uma à outra. Nesse sentido, o que chamamos de “queda dos anjos”, alegoria encontrada em todas as tradições religiosas, pode ser entendida como a “captura” de uma mente pela matéria, dando como resultado a espécie humana consciente. Daí a estranha passagem bíblica na qual o demônio (o anjo caído) diz ao casal humano: “Deus sabe que se vós comerdes desses frutos, vossos olhos se abrirão e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal. “
Nos primórdios da civilização as pessoas se recordavam dessa ruptura e a interpretavam como uma “queda”, ou a expulsão da espécie humana de um paraíso. Elas tinham a sensibilidade de que um dia a sua espécie havia vivido em um mundo diferente, onde não havia conflitos de espécie alguma e toda a criação coabitava em paz e harmonia, obedecendo apenas aos grandes princípios que o Grande Arquiteto do Universo nele pusera para manter e preservar esse status quo. Esses princípios se manifestavam na forma de energias complementares que interagiam entre si e faziam com que o universo fosse estruturado de forma justa e perfeita, em todos os sentidos.
A doutrina chinesa do Taoísmo sustenta que o homem primordial (o ancestral de Adão que serviu de imagem e semelhança para o homem atual) era um ser equilibrado em seus aspectos yin e yang. Era passivo em relação á Divindade (em harmonia com o sagrado), e ativo em relação ao mundo (na sua habilidade de construtor). Depois da queda ocorreu a degenerescência da raça humana e esta se desequilibrou em seus aspectos yang (celestes) e tornou-se mais yin (terrenos). Ficou mais distante do seu pólo espiritual, razão pela qual teve que inventar a religião para recuperar esse equilíbrio perdido.
Yang é o pólo masculino e yin o feminino. Na versão bíblica da queda do casal humano, esses dois pólos representam as condições anteriores e posteriores à sua expulsão do paraíso. Dessa forma, a queda, conforme descrita na Bíblia, causada pela atitude da mulher colhendo e comendo o fruto proibido e depois convencendo o homem a comê-lo, nada é mais que uma metáfora que reflete o desequilíbrio das forças cósmicas que atuam no homem, ocorrido a partir de certo momento na vida da sua espécie.
Na História da civilização esse desequilíbrio coincide com o enfraquecimento das religiões solares e o aparecimento dos cultos metafísicos. Essa idéia está patente nas religiões do antigo Oriente, onde se nota uma eterna luta entre as potências contidas nas trevas e as potências presentes na luz. No Egito essa dicotomia aparece nos embates entre Osiris e Seth, potências representativas da luz e das trevas, respectivamente, e nos cultos mesopotâmicos e persas, na luta entre os deuses Marduc (Aura Mazda) e Arimã. Em qualquer caso, porém, trata-se de equilibrar os pólos energéticos do universo (macrocosmo) e do homem (microcosmo), buscando a medida exata entre o positivo e o negativo, entre a luz e a treva, a eletricidade e o magnetismo, a relatividade e a gravidade.
Na Maçonaria essa tradição tem um claro paralelo na orientação utilizada nos seus templos. Estes têm a sua planta sempre orientada do ocidente para o oriente (onde nasce o sol) e a marcha ascendente do irmão dentro do templo deve sempre seguir a orientação do ocidente (yin, escuro) para o oriente (yang, luminoso); e também da esquerda (yin) para a direita (yang), porque este é o sentido da rotação da terra (Yang). Como o homem, originalmente, veio do céu (yang), enquanto vivendo na terra (yin), ele deve fazer o caminho inverso para voltar para ele.
Talvez as civilizações que tenham chegado o mais próximo possível dessa unidade primordial sejam a antiga civilização egípcia e suas congêneres, as civilizações pré-colombianas. Essas civilizações tinham na luz (o sol),a sua deidade principal. Seus homens de ciência intuíam que o mundo era feito de luz. Os ecos de uma cultura incompreensível, apesar de todos os estudos realizados até agora, ainda ressoam pelas ruínas dos corredores dos imensos edifícios e magníficos templos construídos por aqueles povos, como a querer dizer que os espíritos dos maçons que lapidaram aqueles maciços blocos de pedra, ergueram aquelas colunas fantásticas, lavraram aquelas estátuas maravilhosas, construíram as gigantescas e colossais edifícações que se encontram nos areais do Egito, nas montanhas andinas e nas selvas da América Central ainda lá se conservam para nos dizer que o tempo não existe, o universo é único, que somos nós que não entendemos as leis naturais e, conseqüentemente, prejudicamos o fluxo constante da energia que o molda, interrompendo a corrente de Maat, permitindo que o mal entrasse na terra.
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Notas
[1].Gênesis 3:5
[2] A aplicação desses conceitos nas antigas religiões do Oriente foi magnificamente descrita por Arthur Verluis em seu livro, Mistérios Egípcios, publicado no Brasil pelo Círculo do Livro, São Paulo, 1988. René Guénon, em A Grande Tríade, Ed. Pensamento, São Paulo, 1987, também discorre com muita inspiração sobre esse tema. A física moderna ensina que o equilíbrio universal é causado pela contraposição da energia positiva que é gasta pelo universo em sua expansão e pela energia negativa gerada pelos campos gravitacionais que mantém estáveis os sistemas planetários.
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Do livro " Lendas da Arte Real", no prelo.
A tradição hermética sustenta que em dado momento na história do universo ocorreu uma ruptura entre as duas estruturas do universo (a material e a espiritual), fazendo delas compartimentos estanques. Daí passou-se a interpretar o cosmo como se ele fosse composto de partes diversas, incomunicáveis entre si, opostas, duais, contrárias mesmo. A produção universal, fosse matéria ou pensamento, passou a ser uma resultante da ação e reação entre energias antagônicas: bem e mal, luz e trevas, verdade e mentira, ação e reação, macho e fêmea, matéria e espírito, deuses e demônios etc.. Essas duas potências eram forças que atuavam em sentido contrário uma à outra, produzindo as realidades universais de um lado, e organizando-os de outro. Por fora, criava o universo físico pela dispersão, por dentro organizava o espirito, por compressão.
Da mesma forma, o divino e o profano, à semelhança do céu e da terra, tornaram-se unidades independentes, estranhas uma à outra. Nesse sentido, o que chamamos de “queda dos anjos”, alegoria encontrada em todas as tradições religiosas, pode ser entendida como a “captura” de uma mente pela matéria, dando como resultado a espécie humana consciente. Daí a estranha passagem bíblica na qual o demônio (o anjo caído) diz ao casal humano: “Deus sabe que se vós comerdes desses frutos, vossos olhos se abrirão e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal. “
Nos primórdios da civilização as pessoas se recordavam dessa ruptura e a interpretavam como uma “queda”, ou a expulsão da espécie humana de um paraíso. Elas tinham a sensibilidade de que um dia a sua espécie havia vivido em um mundo diferente, onde não havia conflitos de espécie alguma e toda a criação coabitava em paz e harmonia, obedecendo apenas aos grandes princípios que o Grande Arquiteto do Universo nele pusera para manter e preservar esse status quo. Esses princípios se manifestavam na forma de energias complementares que interagiam entre si e faziam com que o universo fosse estruturado de forma justa e perfeita, em todos os sentidos.
A doutrina chinesa do Taoísmo sustenta que o homem primordial (o ancestral de Adão que serviu de imagem e semelhança para o homem atual) era um ser equilibrado em seus aspectos yin e yang. Era passivo em relação á Divindade (em harmonia com o sagrado), e ativo em relação ao mundo (na sua habilidade de construtor). Depois da queda ocorreu a degenerescência da raça humana e esta se desequilibrou em seus aspectos yang (celestes) e tornou-se mais yin (terrenos). Ficou mais distante do seu pólo espiritual, razão pela qual teve que inventar a religião para recuperar esse equilíbrio perdido.
Yang é o pólo masculino e yin o feminino. Na versão bíblica da queda do casal humano, esses dois pólos representam as condições anteriores e posteriores à sua expulsão do paraíso. Dessa forma, a queda, conforme descrita na Bíblia, causada pela atitude da mulher colhendo e comendo o fruto proibido e depois convencendo o homem a comê-lo, nada é mais que uma metáfora que reflete o desequilíbrio das forças cósmicas que atuam no homem, ocorrido a partir de certo momento na vida da sua espécie.
Na História da civilização esse desequilíbrio coincide com o enfraquecimento das religiões solares e o aparecimento dos cultos metafísicos. Essa idéia está patente nas religiões do antigo Oriente, onde se nota uma eterna luta entre as potências contidas nas trevas e as potências presentes na luz. No Egito essa dicotomia aparece nos embates entre Osiris e Seth, potências representativas da luz e das trevas, respectivamente, e nos cultos mesopotâmicos e persas, na luta entre os deuses Marduc (Aura Mazda) e Arimã. Em qualquer caso, porém, trata-se de equilibrar os pólos energéticos do universo (macrocosmo) e do homem (microcosmo), buscando a medida exata entre o positivo e o negativo, entre a luz e a treva, a eletricidade e o magnetismo, a relatividade e a gravidade.
Na Maçonaria essa tradição tem um claro paralelo na orientação utilizada nos seus templos. Estes têm a sua planta sempre orientada do ocidente para o oriente (onde nasce o sol) e a marcha ascendente do irmão dentro do templo deve sempre seguir a orientação do ocidente (yin, escuro) para o oriente (yang, luminoso); e também da esquerda (yin) para a direita (yang), porque este é o sentido da rotação da terra (Yang). Como o homem, originalmente, veio do céu (yang), enquanto vivendo na terra (yin), ele deve fazer o caminho inverso para voltar para ele.
Talvez as civilizações que tenham chegado o mais próximo possível dessa unidade primordial sejam a antiga civilização egípcia e suas congêneres, as civilizações pré-colombianas. Essas civilizações tinham na luz (o sol),a sua deidade principal. Seus homens de ciência intuíam que o mundo era feito de luz. Os ecos de uma cultura incompreensível, apesar de todos os estudos realizados até agora, ainda ressoam pelas ruínas dos corredores dos imensos edifícios e magníficos templos construídos por aqueles povos, como a querer dizer que os espíritos dos maçons que lapidaram aqueles maciços blocos de pedra, ergueram aquelas colunas fantásticas, lavraram aquelas estátuas maravilhosas, construíram as gigantescas e colossais edifícações que se encontram nos areais do Egito, nas montanhas andinas e nas selvas da América Central ainda lá se conservam para nos dizer que o tempo não existe, o universo é único, que somos nós que não entendemos as leis naturais e, conseqüentemente, prejudicamos o fluxo constante da energia que o molda, interrompendo a corrente de Maat, permitindo que o mal entrasse na terra.
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Notas
[1].Gênesis 3:5
[2] A aplicação desses conceitos nas antigas religiões do Oriente foi magnificamente descrita por Arthur Verluis em seu livro, Mistérios Egípcios, publicado no Brasil pelo Círculo do Livro, São Paulo, 1988. René Guénon, em A Grande Tríade, Ed. Pensamento, São Paulo, 1987, também discorre com muita inspiração sobre esse tema. A física moderna ensina que o equilíbrio universal é causado pela contraposição da energia positiva que é gasta pelo universo em sua expansão e pela energia negativa gerada pelos campos gravitacionais que mantém estáveis os sistemas planetários.
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Do livro " Lendas da Arte Real", no prelo.