A Revolução Cubana
BIBLIOGRAFIA
AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: UNESP, 2004. (Coleção revoluções do século XX)
INTRODUÇÃO
Não se deve ter a faculdade de estudar a América Latina sem analisar atentamente a Revolução Cubana. O processo revolucionário que se deu na Ilha localizada na América Central, é aduzido por Luis Fernando Ayerbe em “A Revolução Cubana”, -coleção Revoluções do século XX publicado pela editora UNESP- num grau que vai desde a Cuba pré-revolucionária até sua política atual. A obra tem por objetivo, analisar respectivamente elementos de Cuba que antecede a Revolução de 1959 e seu envolvimento com outras localidades, intercalando com as instalações de políticas ditatoriais em território cubano, tanto quanto os ideais almejados pelas forças opositoras para as relações que beneficiariam o país ulteriormente (p.18). Em suas 133 páginas divididas por cinco capítulos, o livro vai mostrando e destacando as relações de Cuba com outras regiões, inclusive com os Estados Unidos da América, este ganhando uma atenção especial no segundo capítulo. Ayerbe problematiza a obra na objeção de discutir o precedente e a posteridade da revolução como alvo de simples mudança de passagem de submissão de um império para outro, por isso, o autor se detém a fatores “objetivos” e “subjetivos” para elucidar sua ideia, bem como utilizando produções documentais e historiográficas de personalidades diretamente envolvidas no período, dentre elas "A história me absolverá" de Fidel Castro e relatos de Ernesto Che Guevara. Partindo desse pressuposto, a obra ensaia alguns indivíduos que participaram claramente nas decisões que influíram na multiplicidade de variações de decisões sociopolíticas, socioeconômicas e estruturais que nortearam o conjunto de manipulações em fins do século XIX e meados do XX para a elucidação do processo revolucionário cubano de 1959.
Luis Fernando Ayerbe é Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), e Livre-Docente em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), atualmente atua em diversos setores que envolve a História e suas relações internacionais, em destaque estudos que remetam a América Latina contemporânea, política externa dos Estados Unidos, relações inter-americanas, cultura e relações internacionais e análise de conflitos. Em 2001 recebeu o Prêmio Casa de las Américas, na categoria Ensaio Histórico-Social, pelo livro Estados Unidos - América Latina: a construção da hegemonia.
A Revolução Cubana- Luis Fernando Ayerbe
A história cubana é permeada por lutas pela sua autonomia e emancipação. Cuba foi o último país a se libertar do domínio espanhol denotando desde ai peculiaridades da ulterior Revolução Cubana.
Por sua posição estratégica e recursos naturais, sempre mostrou-se como um grande “quintal” dos Estado Unidos, ou seja, fornecedor de matérias-primas e mercado consumidor. Após as guerras pela liberdade (1868 a 1978 e 1885 a 1889), os norte-americanos aumentam sua influência econômica e política na região (Emenda Platt), chegando até o período pré- revolucionário, sempre com governos alinhados aos seus interesses, não obstante todo esse clima repressivo vivido pelo povo cubano culminará no golpe militar de Fulgêncio Batista, que anulará as eleições de 1952, onde o partido de oposição PPC (Partido do Povo Cubano, também conhecido como Partido Ortodoxo), era o grande favorito. Essa postura de repressão do governo Batista, irá culminar com a idealização da luta armada como meio de reconquista da liberdade. Essa ideologia, que será repassada para outros países, o êxito da revolução e o medo de que essa ideologia possa ser espalhada por todo o mundo, fará com que os Estados Unidos iniciem medidas de retaliação que chegaram até a atualidade.
No segundo capítulo o autor aborda com mais detalhes sobre essa política externa feita pelos Estados Unidos; que para defender sua hegemonia e princípios capitalistas, luta a favor de uma política contra a implantação do comunismo na América Latina. Esta luta contra o comunismo faz com que a potência norte-americana se amedronte devido a Revolução Cubana de 1959, logo aprofundando sua medida intervencionista influindo nas decisões econômicas e políticas de Cuba. Três argumentos norteavam os EUA para sua posição como guardião da segurança hemisférica: a existência de ambições expansionistas pleiteando a região, a defesa de um modelo de vida que representasse o que tinha de mais moderno inspirado no novo regime republicano contra a tradição colonialista das monarquias européias e a dificuldade das novas repúblicas latino-americanas para defenderem seus próprios interesses sem a ajuda estadunidense. A Doutrina Monroe que ficou muito conhecida por uma frase de grande impacto, “América para os americanos” feita pelo presidente James Monroe, e representou uma das legalizações feita pelos norte-americanos para “defender” a América da Europa. Na ilha de Cuba, os EUA também vão usar a Emenda Platt, feita pelo governo de Theodore Roosevelt, onde esta colocava na constituição cubana após a emancipação política, a autorização aos EUA para interferir em Cuba a qualquer momento em que o interesse de ambos fosse afetado. Inclusive através da Emenda Platt, o EUA foi autorizado a construir uma base militar em Cuba, na bacia de Guantánamo.
Com o presidente Kennedy (1961), foi feito um plano de intervenção em Cuba, exatamente para tentar parar a revolução cubana, comandada por Fidel Castro; a mesma aparece como exemplo da consequência do que pode continuar acontecendo se os norte-americanos continuassem mantendo a política intervencionista do governo de Eisenhower, que apoiava todo regime anti-socialista e combatia todos que seguissem sua autonomia de Estado sem medir nenhuma conclusão dimanada das premissas. Esta intervenção é feita após um relatório da CIA, que mostrou ao governo americano que o comunismo em Cuba não ira cair tão fácil. Precisava ser combatido. Para deter os princípios revolucionários cubanos, pois se disseminaria rapidamente entre os outros países da América Latina, o governo envia 1500 homens, que estavam na região de Guatemala para a bacia dos porcos em Cuba para prender ou matar Fidel Castro, mas são detidos pela forças Cubanas prendendo vários soldados.
Perdendo esta batalha, o governo Kennedy tomou outra medida, fazendo o bloqueio naval a Cuba, com o pretexto que Cuba estava ajudando a URSS na Guerra Fria. Este episódio caracterizou a crise dos mísseis, logo Cuba estava no meio da disputa entre os dois países, o governo cubano era a favor da instalação de mísseis nucleares pela URSS, apontando para os EUA, para tentar impedir novas intervenções estatais na ilha. No ano de 1974 houve uma reunião dos países latino-americanos que acabaram com os fins das sanções econômicas e políticas feitas pelos EUA a Cuba. Nos EUA chegara ao fim o governo de Nixon, que ficou marcado como um governo das derrotas, pois perdeu a guerra do Vietnã em 1973, o escândalo Watergate em 1974, fora a perca das sanções de Cuba.
Outro aspecto discutido no livro nos mostra como os líderes do movimento revolucionário organizaram a sociedade na política e na economia após chegarem ao comando. Na primeira fase da organização social podemos destacar organizações através das quais o socialismo cubano foi sendo construído. Dentre elas o autor destaca a Associação de Jovens Rebeldes, A Federação de Mulheres Cubanas e os Comitês de Defesa da Revolução, além das Escolas de Instrução Revolucionária, usada para formar militares dentro da ideologia socialista e revolucionária. Politicamente surge em 1965 o PCC (Partido Comunista Cubano) da união do Movimento 26 de julho, do Diretório Revolucionário e do Partido Socialista Popular. Em 1976 surge a nova Constituição baseada nos “... parâmetros europeus...” (p,76).
Quanto a Constituição alguns pontos merecem maior atenção do autor. Estado socialista, o PCC como dirigente do Estado e vanguarda cubana e Cuba como parte da comunidade socialista mundial, confirmando legalmente a sua ligação com o CAME (Conselho Econômico de Ajuda Mútua) liderados pela ex União Soviética, tendo Cuba participado formalmente da organização em 1972 sendo que dessa participação surge uma necessidade de integração ao sistema, que se dá com a Constituição de 1976.
Tratando do aspecto econômico, Cuba se baseia na indústria com destaque para dois pontos. Os bens de consumo tem uma produção nacional com gradativa alta entre 1958 e 1974. Já na questão da agricultura ocorreram duas reformas agrárias, o que gerou a produção, principalmente com a tecnologia na colheita da cana-de-açúcar, inclusive com melhorias na infra-estrutura de energia, transportes e comunicações.
Ayerbe nos mostra melhorias sociais que entre 1958/74 ocorreram, inclusive no setor tecnológico quanto a pesquisas e desenvolvimento, que levam Cuba a produção autônoma de medicamentos, o que é um diferencial dos países do 3º mundo na questão da exportação é um contraponto a economia cubana baseada no açúcar que sofre com a instabilidade dos preços e da concorrência de outros países, o que levou o país a buscar como alternativas os empréstimos junto aos bancos internacionais e o intercâmbio maior dentro do CAME com a URSS, pois Cuba comercializava de forma “garantida” seus produtos.
O autor mostra que entre 1975/1985 Cuba consegue o crescimento da sua economia, sendo que a partir de 1986 uma nova crise se acentua, tendo como aspectos principais o aumento de juros da dívida externa, a queda no preço do açúcar,o aumento do bloqueio dos Estados Unidos e as mudanças no Leste Europeu que levam ao fim do CAME.
A problematização do autor nesse aspecto fica no entendimento que Cuba que até então era protegida pela relação com a CAME dos problemas que afetam o restante da América Latina, com a crise do Leste Europeu passa a sofrer com os mesmos problemas dos outros países do continente.
Esse período entre 1989 até 1993 é de crise aguda, onde Cuba tem uma queda nos índices comerciais, o que gera uma fuga de pessoas em direção à Costa dos EUA e uma crise com esse país pela deportação dos fugitivos, sendo ainda que em 1994 surge a primeira grande manifestação contra o governo de Fidel Castro.
A saída da crise econômica vem principalmente da reforma Constitucional de 1992, onde se destaca a mudança da propriedade privada, a participação de setores não-estatais e a lei de investimentos estrangeiros de 1995 que permite investimentos estrangeiros para o desenvolvimento do país e o comércio exterior. Internamente o capital estrangeiro é usado para desenvolver o turismo e as indústrias extrativas, e ainda os camponeses são autorizados a vender em mercados públicos parte da sua produção, além disso, o dólar é liberado para transações comerciais (pp. 84-85).
A mudança nas relações comerciais vem do estreitamento do intercâmbio com a Europa e com a América, com participação do ALADI (Associação Latino-Americana de Interação) e na CARICOM (Comunidade do Caribe) de 2000.
O autor nos mostra o progresso da questão energética que a abertura ao capital estrangeiro permitiu, culminando em 2004 com a descoberta da Repsol/YPF de grandes reservas de petróleo nas águas cubanas no Golfo do México, sendo que essas reservas convergem para uma revisão por parte dos Estados Unidos do embargo econômico a ilha, pois se elas continuarem as empresas estadunidenses do setor será prejudicadas.
Finalizando, na questão econômica e social o autor mostra números que comprovam a melhoria de indicadores desses dois setores entre 1994 e 2003, já na parte política, são apontadas algumas mudanças em relação ao começo da Revolução, dentre os quais o autor destaca que existe uma mudança da referência socialista na Constituição que dá lugar “... ao internacionalismo proletário, à amizade fraterna, à ajuda, a cooperação e à solidariedade dos povos do mundo, especialmente os da América Latina e do Caribe...” (p.90) e a linha de referência que sai o marxismo-leninismo e passa ao “... ideário de José Martí e as idéias político-sociais de Marx, Engels e Lênin...” (p.90), apesar disso os ideais de Martí já estivessem presentes de 1961 com mistura do antiimperialismo de Martí e o Marxismo, além da abertura do PC na sociedade cubana, cedendo espaço as centrais sindicais numa valorização de grupos não estatais surgidas após a revolução, isso acaba aproximando candidatos e o povo (viés Bonapartista), além da liberdade religiosa que o Estado reconhece.
No quarto capítulo o autor elucida sobre o governo dos EUA após o fim da Guerra Fria, na intervenção de que os EUA seriam o único pais a promover a paz e a prosperidade no mundo, baseando se em uma política externa de convívio universal, da democracia liberal e na economia do mercado e como a discussão aqui pormenorizada chegou até nós, pois após o atentado de 11 de setembro de 2001, os EUA baseados nas leis Torricelli e Helms-Burton, sinalizou para Cuba a necessidade de fortalecer o controle interno e externo de vigilância.
Por fim, o autor termina seu livro colocando em debate as controvérsias que levantaram a Revolução Cubana. Desde os primórdios da revolução, suas implicações em relação a oposição ao capitalismo tem gerado muita polêmica. Ayerbe ressalta a fragilidade das críticas endereçadas a Cuba, donde a “falta de perspectiva histórica”, que desencadearam suas ações vem de antemão da política intervencionista norte-americana, que não deixava a ilha outra alternativa se não a agilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos problemas apresentados pelo autor, algumas considerações ou provocações são necessárias.
A relação de Cuba como a URSS beneficiou muito a ilha, mais é possível concordar com o entendimento de que Cuba saiu da dominação americana para a URSS. Como entender então o Imperialismo dos EUA quanto aos países Latino-Americanos? A magnitude da questão gera um debate específico, assim como todas problematizações impostas pelo autor na obra. Através das diversificações de questionamentos Ayerbe, acabou por demonstrar o quanto fatores da revolução de 1959 ainda rodeia questões mundiais e atuais. As ações externas estadunidense permearam a América Latina como uma ronda política disposta a aniquilar todos os regimes que se opusesse a sua fase hegemônica capitalista. Por isso, explicitado na introdução deste trabalho: não se deve ter a faculdade de estudar a América Latina sem analisar atentamente a Revolução Cubana, pois em tese é impossível. Como não estudar o único e pequeno país que obteve sucesso com suas forças reacionárias? A resposta é vaga é nula.
Partindo de regimes populistas e nacionalistas, o autor abre a inserção de qual a importância da liderança de Che e Fidel na Revolução. A política de Che e Fidel são iguais? A relação Cuba X EUA pós 11 de setembro de 2001 e a descoberta em Cuba de petróleo tomará quais rumos? A forma de bloqueio e intervenção dos EUA em Cuba se repete em outros países, inclusive com os mesmos argumentos. Afinal, existe algum tipo de Revolução de caráter operário, institucional ou explicitamente social possível nos dias atuais, já que o próprio Fidel diz que a Revolução Armada não tem mais espaço na atualidade, pois as perspectivas e a sociedade são outras?
Os índices sociais cubanos mostrados pelo autor são quase sempre melhores que os de outros países capitalistas, partindo desse pressuposto, como entender o discurso de pobreza total que existe perante o resto do mundo? Foi lúcido e claro compreender que a potência norte-americana sabe e estuda com que deva se meter. As implicações aplicadas a Cuba durante esses anos não foram as mesmas aplicadas a China. Além de cálculos sistemáticos, se a revolução fora benéfica ou não, ainda causa polêmica, porém o que de fato pode-se afirmar é a obsessão capitalista estadunidense dimensionada a ilha da América Central.