A bíblia: introdução historiográfica e literária
Schlaepfer, Carlos Frederico;
A bíblia: introdução historiográfica e literária/ Carlos Frederico
Schlaepfer, Francisco Rodrigues Orofino, Isidoro Mazzarolo. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2004 – (Iniciação á Teologia/ coordenador: Francisco Morás).
Carlos Frederico Schlaepfer, nesta obra faz uma pequena introdução sobre como historicamente se formou o povo de Israel, relata sua transformações culturais e religiosas.
A estrutura do livro se da com uma apresentação expondo o propósito da coleção e os dez capítulos que vai se deter na temática sobre a historiografia e literatura bíblica, é constituída de cento e sessenta e seis paginas, e no seu final contem um índice.
O autor deixa clara a importância de se conhecer geograficamente o território de estudo, explicando que conforme se trocava de poder político na época, ou conforme era a economia se tinha um mapa diferente, ou seja, dependia de quem tava no poder para o mapa marcar quem era conquistado e quem havia conquistado.
Regiões como, Canaã, Síria, Fenícia, Harã, Assíria, faziam parte da região denominada meia-lua-fértil, pois era o caminho que os povos nômades e seminômades estavam acostumados a fazer entre o Egito e a Mesopotâmia.
É dentro desta circunscrição geográfica que encontraremos os primeiros relatos da Criação, do dilúvio, das historias e de personagens importantes, heróis invencíveis, e o encontro com o Divino.
Uma concepção antiga alimentava a idéia de que a humanidade teve origem em três grupos, mesmo carecendo de fundamentos antropológicos, elas fazem parte da tradição Bíblica. Os filhos de Noé que teriam povoado o mundo depois do dilúvio, Sem, Jafé e Cam.
A historia do Êxodo é um movimento de libertação do povo que esta sendo oprimido, em busca de sobrevivência este povo logo após o enfraquecimento do Egito busca uma nova Terra.
A partir daí vamos encontrar um povo ou lideres que vão colocar na boca de DEUS a legitimação para roubar a terra de outro povo (cananeus).
Palestina é um nome que esta terra recebeu entre outros, e ela parte do povo dos Filisteus, um povo que vivia nas encostas marinhas, este povo por ter tecnologia avançada na época e manusear bem a arte da guerra vai aparecer varias vezes na historia em lutas e confrontos com outras regiões.
Os cananeus são os primeiros habitantes da Palestina, segundo a obra, e eles formam um conjunto de povos descendentes do mesmo ramo genético de Cam.
Através de números a obra vai mostrar o tamanho da Palestina, como números de habitantes na época e como eram contados os períodos do tempo, trás também vários mapas para situar o leitor e mostra as diferenças nos mapas conforme a época.
Para entender a formação do povo de Israel na terra de Canaã é necessário voltar para as migrações, desde a família de Taré, pai de Abraão que saiu de Ur dos Caldeus e se deslocou para Harã. Depois da morte do patriarca Taré a família ou clã agora liderado por Abraão foi para Canaã, entre idas e vindas Abraão se estabelece em Canaã.
Quando chega um período de seca seus antecedentes Hebreus migram para o Egito e lá se tornam escravos.
E esta origem dá origem a Moises, este surgiu como um líder e sai do Egito com seu povo na travessia, desta população sai o povo de Israel, mas isso é uma narrativa teológica. A verdade que toda a historia do povo de Israel nasceu da tradição oral, esta era uma forma que o povo encontrou de relembrar e manter uma identidade.
Os feitos mais importantes foram passados de pai para filho por gerações e gerações.
Antes de ser escrita foi vivida, contada, relembrada, e celebrada. Para o povo só de ter DEUS nas historias era mais importante do qualquer exatidão histórica, pois o que estava em jogo era a liberdade e está vinha pela mão poderosa de DEUS.
Os textos da Bíblia na verdade se deram por longo processo de elaboração, passando por muitas mãos.
Importante ressaltar os grupos de Jetro e Moises, e a leitura que eles fizeram ao longo do tempo, o desenvolvimento de um DEUS libertador, não se sabe ao certo quando se dá a junção dos dois, mas se sabe que com a junção dos dois temos a junção de duas divindades, assim nasce YAHWEH (JAVÉ).
Israel tinha uma organização diferenciada das demais regiões, era constituída por tribos e uma confederação descentralizada, governada por juizes e sua liderança não era vitalícia e sim temporária. Mas este tipo de organização na nasce pacificamente, houve muitos desafios internos, e externos.
Por haver descentralização em Israel, havia vários santuários importantes entre eles o santuário de Silo, se torna centro de romarias, pois nele estava a arca da Aliança.
Betel outro santuário importante, pois era vinculado à memória do Patriarca Jacó.
A páscoa era a principal festa no período dos juizes, sendo uma festa pastoril, a páscoa era celebrada no inicio da primavera. O conteúdo da festa mudou com o passar dos tempos, agora ela representa o processo de libertação do povo.
Mas com a evolução de algumas aldeias surgi uma classe diferenciada “Os proprietários de boi”, a domesticação do boi proporciona o avanço da agricultura a o estoque da colheita, com isso outros grupos vão se enfraquecendo, e logo, o grupo abastado vai pedir a monarquia. O que estimulou estes grupos a pedir a monarquia, foi às invasões dos povos do mar (Filisteus).
Por serem um grupo que já manuseava o Ferro os Filisteus ganharam diversas batalhas, enquanto Israel estava na era do bronze. Estes relatos se encontram nas literaturas de Juizes e são relatos considerados como sagas, pois é uma lembrança coletiva e uma memória tribal.
A centralização em Israel acontece nos finais do período de Juizes, mas a monarquia vai se estabelecer mesmo no ano 1000 a.C com a conquista de Jerusalém conduzida por Davi.
Esta conquista marca o fim do período tribal, e o triunfo da urbanização as aldeias israelitas, Com a morte de Davi quem herda seu trono é seu filho Salomão, este vai ser lembrado por ampliar o império, fortalecer as frentes de trabalho, e concentrar riquezas em Jerusalém.
A centralização nunca foi unanimidade e com isso surgi um movimento de resistência ao rei e a política urbana assim começa o período dos profetas.
Este movimento vai ser mais intenso em épocas de crise sóciopolítico provocados pela dinastia centralizadora, existem quatro movimentos proféticos que apresentam interferência na historia.
O primeiro com Samuel no surgimento da monarquia. O segundo na dinastia Omri (885-841 a.C), com Elias, Eliseu, Miquéias, e Jemla. O terceiro com o desenvolvimento econômico que atingiu Israel no séc. VIII a.C, com Amós, Oseías, Isaias, e Miquéias de Morasti. E o quarto na crise sóciopolítico na reforma de josias e a queda do reino de Judá com, Sofonias, Habaruc, Naum, Jeremias e Baruc.
Com a morte do rei Josias, se dá o inicio da crise que vai levar o povo de Israel para o exílio. A derrota militar de um povo significava que o vencedor levaria escravos como parte do saque, visando fazer algum lucro que pagasse os custos das batalhas, era como se fosse uma indenização pela guerra paga pelos derrotados.
Foram para o exílio pessoas que podiam liderar uma revolta, tais como, artesão, sacerdotes, escribas, relatos mostram que no ano 598 a.C foram deportados 3.023 judeus para Babilônia. O exílio é uma grave crise pela qual o povo de DEUS passa, esta crise é gerada pela perda de principais referencias que davam a eles uma identidade, a terra, a lei, o Templo na cidade tida como santa (Jerusalém).
A crise política é lida dentro de uma perspectiva religiosa, por isso as escrituras do exílio são uma tentativa de resgatar ou preservar esta identidade, então surgi uma nova consciência que é à base do judaísmo até os dias de hoje. Mesmo longe de Judá eles são judeus.
A esperança nasce quando no exílio é feito a releitura da historia e da profecia, a partir da crise gerada no exílio a historia Deuteronomista também é relida recebendo uma versão definitiva. O ponto alto da releitura se da na reflexão do povo junto ao profeta, deixando clara que toda aquela situação era porque o povo pecou e deu as costas para DEUS, e a liberdade só vai ser reconquistada quando o povo voltar para DEUS. O exílio deixou marcas profundas naquele povo a ponto de dividir a historia, mas foi ali que o povo descobriu novos caminhos. A Bíblia surge neste contexto de exílio, é nesta época que os livros começam a ser selecionados para servir de apoio na liturgia e nos ensinamentos.
A presença dos gregos no Oriente é marcante, a partir do século V a.C., eles começaram a estabelecer rotas comerciais entre as ilhas gregas e a costa do Mediterrâneo. O comercio com a Fenícia trouxe aos gregos o conhecimento do papel e da escrita alfabética, mas a conquista do oriente vai se dar no império de Alexandre Magno no século IV a.C, Alexandre conquista todo império Persa.
A grande novidade trazida pelos gregos foi com certeza visibilidade de lucro através da população, com as moedas atingindo as mais distantes aldeias da Judéia, surge então a partir daí o comércio monetário. As aldeias continuavam trazendo seus sacrifícios no templo de Jerusalém, seguindo o esquema dos dízimos, mas o sistema do templo, para conseguir lucros, deveria estar atrelado ao comercio internacional dominado por Alexandria. O templo vende os produtos recolhidos.
Parte deste dinheiro arrecadado serve para pagar impostos e as taxas cobradas por Alexandria, o restante deste dinheiro ficava depositado no templo, que assim se transformou em um banco do estado.
Na época dos macedônios temos uma manifestação literária na Judéia, é uma reflexão que esta esboçada no livro do Eclesiastes. Surge nesta época fora uma ampla reação popular, uma mentalidade e espiritualidade que vai dar origem os textos apocalípticos, o único livro apocalíptico aceito no cânon do primeiro testamento é o livro de Daniel.
Também se destaca a produção literária da Diáspora, ou seja, os livros que surgem em comunidades judaicas fora da palestina, em Alexandria na metade do século III a.C temos a tradução grega das escrituras conhecida como a Septuaginta .
Entende-se historicamente como Novo Testamento, o período decorrente no primeiro século depois de Cristo, portanto no contexto de ocupação da Palestina pelo império Romano.
O contato entre romanos e judeus ocorre por volta da primeira metade do século II a.C., quando as diferentes monarquias originadas da conquista de Alexandre no Mediterrâneo oriental estão dividas entre si: Lágidas no Egito, Selêucidas na Síria, Antigônidas da Macedônia e ainda pelo pequeno reino no extremo oeste da Ásia governado pelos Atálidas. Através destes reinos, a cultura grega se espalha sobre o Oriente formando a chamada “Civilização Helenística”.´
O imperador agia como no poder executivo, legislativo, judiciário, popular, militar e religioso, ou seja, o comando era todo centralizado. O imperador aclamado pelos romanos foi Otaviano Augusto (27 – 14 d.C), na Palestina ele nomeou Herodes o Grande como rei motivo de revolta por partes dos hasmoneus, que governava antes dele, seu reinado foi marcado pela violência e atos sanguinários, mas também é marcado pelas obras megalomaníacas como a fortaleza de Antonia, a cidade de Cesaréia Marítima, e Sebaste, na Samaria, construiu também teatros, hipódromo, ginásio, e pórticos , mas o que marcou o judeu foi a reconstrução do templo.
Nesta época surgem vários movimentos populares, tais como, as revoluções messiânicas, movimento de zelo pela lei de DEUS e os movimentos proféticos voltam. Estes movimentos populares mostram uma situação de insegurança, onde a população não sabe a quem recorrer.
E é neste contexto que aparece Jesus, trazendo uma proposta de mudança, uma transformação na vida do povo.
O primeiro momento é marcado pelo Cristianismo palestinense judaico, na carta canônica de Tiago encontra relatos de uma comunidade Crista Judaica..
Mas a grande figura é Paulo de Tarso ele vai ser o responsável pela expansão do cristianismo, alem dos limites da palestina. Ele leva o cristianismo para: Antioquia, Alexandria, entre outros lugares, o cristianismo chega até a Ásia Menor, espalha-se pela Síria e Egito.
Um dos textos mais importantes dentro da tradição crista foi escrito na Síria + ou – no ano 120, a Didaqué, este documento nos da uma noção de como a comunidade da Síria se organizava.
Surgiram muitos textos nestes períodos que não foram aceitos no cânon, chamados de apócrifos, mas devemos lembrar que, esses textos têm sua importância histórica, pois, a partir deles podemos contextualizar situações que as comunidades enfrentavam na época.
Observando a trajetória do cristianismo, vemos que ele teve tendências, os apostólicos, o cristianismo judaico, a apocalíptica e depois com a chegada do cristianismo primitivo ou por alguns chamados de cristandade primitiva. Marcada no século IV quando o imperador Constantino se converteu, assim finaliza o período da perseguição e o inicio das alianças entre o poder político do império Romano, e a Igreja Hierárquica.
O livro comenta de forma geral, todo o percurso do povo de Israel, e paralelamente a confecção da bíblia, o povo conforme ia fazendo uma experiência de vida, tentava achar caminhos ou respostas para o porquê das situações.
Com um texto de fácil compreensão a obra faz o leitor se situar e por algumas vezes até mesmo ver o que aquele povo passava. Entre lutas externas e lutas internas, fica claro que a dificuldade maior que aquele povo enfrentou foi o domínio entre eles mesmos.
Como Israel diversos povos passaram por dificuldades parecidas, como a corrupção interna, a perca de identidade em algum momento, não precisamos ir longe para ter estes relatos.
A historia nos mostra que a colonização no Brasil pelos Portugueses, nos fez perder ou apenas esquecer na selva nossa essência, hoje para conhecermos um pouco da cultura do Tupi-Guarani, temos que recorrer a documentários.
Talvez faltou para os índios da época um espírito de nação que aflorou no povo de Israel antes mesmo de ser Israel.
É um livro recomendado para todos que se interessam pelo assunto: estudantes, teólogos, pesquisadores e futuros historiadores, pois tem uma leitura fácil e interage com bastante objetividade. Enfim, é um livro feito para o leitor que ousa sair de uma fé imatura, para uma fé madura.
Guido Campos, Acadêmico do Curso de Teologia da Universidade Denhoniana, Taubaté, São Paulo.