Resenha crítica do livro Pobreza Política: Polêmicas de nosso tempo. Campinas- SP: Editora Autores Associados, 2001
Resenha crítica do livro Pobreza Política: Polêmicas de nosso tempo. Campinas- SP: Editora Autores Associados, 2001
RESUMO
Nesta obra, o filósofo Pedro Demo traz uma importante discussão para a sociedade: o tema da participação e implicação política. Além da pobreza econômica, o que o autor define por “pobreza política” remete o leitor a um campo de discussão mais abrangente, no sentido de que a reprodução desta pobreza não se restringe às próprias condições materiais, mas também se pulveriza para a condição de alienação que ela perpassa, culminando na manutenção de um amplo domínio de um grupo sobre outro. A solução para este impasse reside na maior participação da sociedade civil na política – e, no caso do Brasil, esta solução encontra inúmeras dificuldades em função de todo um processo histórico que resultou na falta de interesse e no falta de crédito da população junto aos seus governantes. Entretanto, o problema persiste: como pensar o engajamento cívico no Brasil? Como conscientizar a população da importância e das conseqüências de seus votos? São perguntas que o leitor se faz no decorrer da leitura, e este livro, se não nos fornece uma resposta exata, nos oferece subsídios para que tais questões sejam pensadas.
Palavras- chave: Cidadania; Engajamento Político; Pobreza Política
ABSTRACT
In this work, the philosopher Peter Demo brings us an important discussion to the society: the subject of the political participation and implication. Beyond the economical poverty, the author defines a “political poverty ” and sends the reader to a bigger field of discussion, as he show us that the reproduction of this poverty is not restricted to the material conditions, but it´s also pulverized to the condition of alienation that it goes by, culminating in the maintenance of the power from a specific group on another. The solution for this problem it´s the participation of the civil society in the politics – and, in case of Brazil, this solution finds countless difficulties in function of the whole historical process that resulted in lack of interest and in lack of credit from the population to its rulers. Meantime, the problem persists: how may be the civic commitment in Brazil? How make aware the population of the importance and consequences of its votes? These are questions that the reader asks himself in the course of the reading, and these book, which does not supply us a right answer, at least offers subsidies to think about.
Key-Words: Citizenship; Political Pommitment; Political Poverty
Pobreza Política – Polêmicas e Certezas
O filósofo Pedro Demo apresenta, em seu livro Pobreza Política: Polêmicas do Nosso Tempo, sua visão sobre um fenômeno muito comum, mas quase desprovido de estudos acadêmicos que o analisem a fundo: a pobreza econômica, que quase parece uma tautologia – de tal forma que a pobreza está entendida apenas como pouco poder econômico –, também é geradora de uma outra pobreza mais sutil, profunda e, ainda que abundantemente perceptível, pouco discutida - a exclusão política.
Esta expressão – pobreza política – refere-se à não participação do indivíduo no próprio meio político de que faz parte. Demo considera, muito acertadamente, que esta situação se sustenta, no plano prático, por medidas sociais assistencialistas, que não apenas “compram” sua posição política, mas causam a desmobilização não apenas individualmente, mas também de movimentos sociais. Chega a surpreender essa agudez e contemporaneidade num livro editado pela primeira vez em 1988. Infelizmente, é esse o meio de legitimação do Estado em sua posição: desimbuir o cidadão de seu papel.
Contudo, o autor faz uma importante declaração: “Pobreza não pode ser definida apenas como carência. Se assim fosse, não teria causas sociais” . O tom marxista que permeia o livro todo começa a se mostrar desde já, sendo a fonte do autor para uma importante definição: o poder está ligado à repressão, não sendo uma diferença “natural” entre os que têm e os que não têm. Se há uma alienação econômica, com pobres produzindo para ricos manterem seu status (e é o que deflagra a pobreza: a desigualdade de alguém ter e outro não ter), também há uma alienação política, em que o indivíduo, ao invés de ser excluído do sistema político que toma decisões que lhe afetam (como seria na Monarquia ou em regimes totalitários), faz parte dele (como o pobre “faz parte” do sistema econômico), mas sem qualidade - conceito fundamental em toda a obra. A desigualdade social não é quantitativa, mas qualitativa.
Com este conceito, quer-se dizer que a participação política é crítica, com uma relação entre Estado e indivíduo consciente. Neste ponto, o materialismo histórico mostra sua força, pois a História faz com que a política seja um jogo de forças, de contrários que se relacionam, mas de forma unilateral. O Estado democrático produz uma falácia, muito bem apontada por Demo, onde o quantitativo passa uma idéia de integração, de inclusão de mais pessoas dentro da cena política. Contudo, qualitativamente, essas pessoas ficam de fora, e essa é uma manipulação (não necessariamente perversa ) própria da legitimação do poder.
Demo é sagaz em notar que esse é o bom poder: o que dá a impressão para a população de tomar as rédeas de sua própria história, quando é bem sabido (Demo faz uma auto-referência e também a Marx e Engels para tal) que uma má democracia é o melhor dos meios para o mantimento de uma oligarquia no poder, com uma suposta participação popular . O poder econômico (quantidade de capital) não é o único diferenciador e repressor que impõe seu jugo: o saber econômico (como manipular dados e tomar parte na vida econômica coletiva), dentre outros fatores qualitativos, mantém um número alto de pessoas como meros fantoches – fazem número, e na visão repressora, fazem votos, o que é mais importante a eles, mas sem consciência histórica, sem entender o que está em disputa, sem poder tomar uma posição que seja favorável a eles próprios e, afinal, sem consciência histórica. Por fim, esse jugo político travestido de conquista social mostra que a mesma oligarquia continua no poder indefinidamente, praticamente sem mudanças.
Demo acerta em um ponto nevrálgico ao dizer: Qualidade é participação. A transformação, na democracia, das pessoas em números, em massas, é a grande mostra da pobreza política, mais a sua conseqüência visível do que sua causa. Os movimentos sociais apascentados, quietos, coniventes com o Estado demonstram uma relação talvez promíscua entre os dois. A classe trabalhadora tende a se organizar em sindicatos, que, ao contrário da função estatal dos órgãos públicos, não tem a base em um partido (ou não deveria), e sim nos próprios interesses do trabalhador. É um princípio de identificação que também pode ser destruído, pois o próprio indivíduo pode “terceirizar” uma mobilização que deveria ser dele própria, em prol de uma organização feita para lhe defender, mas onde ele não toma decisões.
A repressão, causa da pobreza, apresenta-se em diversas formas. Como exemplos na obra , temos a força do Poder Econômico, que pode fazer abuso tanto em quantidade, como descontrole no preço, na quantidade, na consistência, como em qualidade, com fraude na especulação, na forma de pagamento, vantagens e desvantagens indevidas etc.
Isso leva a um ponto importante: a burocratização do poder público, que acaba por transformar a própria sociedade em burocracia. Essa confusão provocada não tem outro objetivo senão o privilégio de uma casta selecionada sobre outra, e disto se propaga outra distorção comum: a destruição do serviço público, que já não atende mais a sociedade, criando novas instâncias de separação e segregação.
Demo, em um ponto crucial do livro, passa então a avaliar historica e filosoficamente as principais atribuições do Estado no racha que se deu no século XX: a visão liberal e a visão socialista. Em um momento do livro em que se afasta um pouco do marxismo mais tradicional, Demo vê as benesses válidas em ambos os sistemas. Por um lado, o sistema de produção capitalista, único capaz de produzir bens o suficiente para a população, o tamanho reduzido do Estado, favorável às liberdades individuais e um relativo equilíbrio que o mercado proporciona em relação aos interesses sociais. De outra forma, a visão que se fez do Estado como controlador do mercado, e portanto como defensor da sociedade perante exageros que o capitalismo desenfreado poderia gerar.
De fato, pode-se concluir facilmente que os regimes socialistas são mais igualitários, embora toda a qualidade de vida da população seja inegavelmente baixa. Contudo, a grande problemática que se impõe é que o super-Estado socialista transforma toda a sociedade em Estado. A sociedade civil, que supostamente deveria ser a razão de ser do tamanho do Estado frente ao mercado e às forças econômicas que podem colocar a população de joelhos, desaparece diante do Estado, e não o contrário – problemática de Engels e Marx também apontada por Demo .
Uma solução cabível para o grande impasse que é a pobreza política vai se apresentando, então, até o fim da obra. Demo, em linhas gerais, propõe que nem à submissão às forças do capital e nem ao estatismo funcionariam, e sim uma efetiva participação na sociedade civil – afinal, participação é conquista, e tomar as rédeas da própria situação e se mobilizar por mudanças é o fim da pobreza política.
Demo é contumaz e chega a surpreender em suas observações da sociedade, porém, não se faz muito claro quanto ao modelo que pode prevalecer em sua solução. Entretanto, tal constatação não diminui o grande valor que seu texto possui, no sentido de colocar em alto relevo a importância da implicação e da consciência política.