As Dez Lições Sobre os Estudos Culturais

Resenha Crítica:

CEVASCO, Maria Eliza. As Dez Lições Sobre os Estudos Culturais. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. p. 01-186.

O livro Dez Lições Sobre Estudos Culturais constitui uma abordagem história por meio do qual Cevasco (2003) mostra como surgiram os estudos culturais, o seu desenvolvimento e as discussões mais recentes.

Na primeira lição, a autora faz uma apresentação de fatos e ideias que serão retomados no decorrer da exposição do livro. De inicio, ela destaca a obra de Raymond Williams (1921 – 1988) Culture and Society, como o grande divisor de águas dos estudos culturais. Nessa obra Williams registra que na medida em que a história se modifica a semântica da palavra cultura também se modifica, conservando fortes conotações com tais períodos históricos marcados pelo pensamento tradicional, o qual Williams criticará. Para ele, a cultura é algo comum, ligada aos meios de produção e, não algo pertencente a um pequeno grupo e separado da realidade. Assim, em sua crítica a esse sistema, Williams propõe a materialização da cultura.

Após esses comentários, na segunda lição, Cevasco (2003) mostra como se institui o pensamento tradicional acerca de cultura. Segundo ela, em um momento sócio-histório, com o aumento da ciência e a degradação das bases religiosas na Inglaterra, a instituição do inglês e dos estudos literários como disciplina teve grande importância. A consequência disso, seguindo o pensamento de Arnold, foi uma super valorização das obras literárias da alta cultura e a separação de uma minoria dotada de tais conhecimentos cujo objetivo era preservar e disseminar a tradição literária. Embora Arnold tenha sido bemsucedido em seus estudos de crítica literária britânica, por outro lado ele não conseguiu consolidar nenhum de seus objetivos políticos.

Em 1950, a partir desse pensamento tradicional e exclusivista de Arnold, Williams viu uma grande oportunidade para mudá-lo. Essa mudança visava transformar a cultura de minoria em uma cultura comum, em outras palavras, tinha o objetivo de resgatar os da “cultura de baixo” e os nivelar com os da alta cultura na produção de sentidos e de valores formados na comunidade e que pudesse ser vivido por todos.

Para estabelecer seu pensamento, Williams usou como base as teorias de Marx e Engels, entre as quais, a “metáfora da base e da superestrutura” teve grande importância, porque explica o funcionamento da sociedade e justifica uma materialização da cultura. Nesse mesmo objetivo, a WEA, uma organização esquerda para a educação de trabalhadores, teve sua importância também. Fundada por Hoggart, Tomppson e Williams, onde foram professores, permitiu que o ensino fosse repensado, por quanto, era ministrado a trabalhadores e não a membros da elite.

Na quinta lição, a autora destaca as consequências que culminaram com a formação de uma nova esquerda. O fato dessa nova esquerda não ser um grupo homogêneo causou uma divisão entre seus membros: alguns de pensamento tradicional e outros movidos pelas modificações sócio-históricas. Devido às teorias tradicionais não se adequarem mais a situação econômica vigente, na época, os grupos de esquerda assumissem duas posturas: a intensificação do campo de ação dos estudos culturais; e a formação intensiva de novos pensadores socialistas. Em contribuição a isso, o fomento dos estudos de ensino superior colaborou para a consolidação dos estudos cultuais.

Ocorreu assim o crescimento dos grupos de pensadores socialistas, mas com eles nascem também intensos debates entre posições teóricas relativos à materialização da cultura. Stuart Hall, de 1979, ilustra dois paradigmas que nortearam os debates: o culturalismo e o estruturalismo. Enquanto o culturalismo defendia uma produção cultural provinda da experiência com o vivido, o estruturalismo desconfia dessa experiência, buscando categorizar as formas como se dá essa produção cultural. No auge desses debates surgem outras discussões, como a do movimento feminista, dos negros, da política etc. que farão um contraponto entre esses dois paradigmas.

Na sétima lição a autora trata de três épocas: 1930, 1970 e 1990, e as implicações que o marxismo teve em cada uma, pois, como se sabe, os estudos culturais foram formados a partir de um pensamento socialista. Em 1930, o pensamento tradicional estava em alta com os ideais de Arnold e Leavis, por isso nesse período se fala de um antimarxismo. Já em 1960 e 1970, as teorias marxistas tornaram-se essenciais para a mudança dos ideais tradicionais e a instituição do materialismo cultural. Já nos anos 90, depois da queda do socialismo, até nos dias atuais, não se pode mais falar de um marxismo, mas de um pósmarxismo. Estes novos tempos significaram uma ameaça para a materialização da cultura, uma vez que o capitalismo domina o cenário mundial e, o uso disso com o objetivo de aferir lucro torna-se quase inevitável.

A autora comenta historicamente os conceitos acerca literatura até que o pensamento tradicional pudesse formar e consolidar um cânon. Segundo ela, o materialismo cultural veio mudar todo esse conceito existente acerca da produção literária e artística. No embate entre esses dois pensamentos a autora mostra a desvantagem do materialismo cultural face às teorias críticas contemporâneas que não veem a cultura como prática cultural, como os culturalistas, mas como um objeto de consumo.

Embora os estudos culturais tenha tido a Inglaterra como berço, se expandiu para diversos outros países. Porém, foi em um novo império mundial, os Estados Unidos, onde houve a grande explosão da disciplina. Com essa expansão, estudiosos como Williams, Hall, Grossberg notaram que a os estudos culturais estavam se tornando por demais teóricos. Por isso, eles propõem uma integração maior entre teoria e políticas ou prática sociais.

Os estudos culturais no Brasil se desenvolveram tal qual nos Estados Unidos, porém, nota-se que os estudiosos precisaram tomar certos cuidados ao utilizar as teorias europeias, uma vez que são realidades diferentes, foram formações sócio-históricas e economicamente diferentes. Por isso os estudiosos se propuseram a estudar a cultura no Brasil a partir de reflexões no colonialismo tardio, tendo os estudos literários como apoio.

O livro Dez Lições Sobre Estudos Culturais é didático em seu conteúdo, porque faz de forma simples a exposição de assuntos relevantes e complexos, porém tal exposição é feita com uma riqueza de detalhes. E pelas nuances traçadas pela autora, mostrando o desenvolvimento do pensamento tradicional sobre cultura, a formação dos estudos culturais, e o embate ente esses dois pensamentos até nos dias atuais foram exploradas minuciosamente. Alias, são nessas minúcias onde está contida a importância do livro que traduz tão bem os pensamentos da autora. Ela não é passiva em relação ao que relata, mas em alguns momentos crítica veementemente aquilo que expõe.

MENEZES, L. F.

LeandroFreitasMenezes
Enviado por LeandroFreitasMenezes em 08/03/2011
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