GETÚLIO VARGAS na literatura de cordel
Paulo Costa
RESENHA: GETÚLIO, o pai dos pobres
LESSA, ORÍGENES Getúlio Vargas na literatura de cordel. Rio de Janeiro: Documentário, 1973.
Nascido em Lençóis Paulista no ano de 1903 e morto em 1986 no Rio de Janeiro, aos oitenta e três anos. Da infância passada em São Luís do Maranhão originou o romance “Rua do sol”, editado pela José Olympio em 1955. Este livro mereceu o Prêmio Carmen Dolores Barbosa. Enquanto se processava a “Semana de 22” o nosso ensaísta freqüentava um Seminário Teológico que abandonaria dois anos depois. Estando no Rio de Janeiro em 1924, inicia sua participação na coluna “Tribuna Social-Operária” do jornal “O Imparcial”. Logo depois, encontra-se no Departamento de Propaganda da General Motors, tornando-se um notável publicitário. Empresta sua colaboração, escrevendo para o “Diário da Noite” (S.Paulo) e no mesmo ano, 1929, publica “O escritor proibido”, incensado por Menotti Del Picchia, João Ribeiro e outros. A sua produção literária se multiplica em contos, novelas, romances, ensaios e estudos. Até que, em 1942 foi trabalhar no Coordinator of Inter-American Affairs em Nova Iorque, respondendo como redator da NBC para o Brasil. De volta ao Rio, em 1943, vê impressa algumas de suas obras “Omelete em Bombaim”, “A desintegração da morte”, “O sonho de Prequeté”, “OK América” e outras mais. A qualidade e abrangência de seus textos revelaram um laureado contumaz, recebendo variados cometimentos, tais como: Prêmio Antonio de Alcântara Machado (“O feijão e o sonho”); Premio Fernando Chinaglia (“9 mulheres” e “A noite sem homem”) e finalmente o Premio Pen-Clube pelo romance “O Evangelho de Lázaro”. Foi traduzido para o inglês, espanhol, romeno, tcheco, alemão, árabe, polonês etc. Constituiu no campo infanto-juvenil uma pluralidade de interesses que se maximiza em “Memórias de um cabo de vassoura”, de 1971.
Qual Pantagruel serviu-se generosamente ao colecionar milhares de cordéis, digerindo-os judiciosamente num trabalho zeloso que poetas populares, cordelistas, cantadores empolgaram com seus versos o imaginário popular, animando cada vez mais a identificação dos iletrados para com Getúlio Dorneles Vargas, castigo dos bandoleiros, cadeia dos criminosos, defensor dos marmiteiros na poética de Manuel D’Almeida Filho (pg.73).
Este precioso e envolvente ensaio de Orígenes Lessa nos dão a conhecer a épica trajetória daquele que foi e ainda o é na memória de muitos o herói desejado, quase messiânico, vindo de São Borja para aliviar o sofrimento e as necessidades dos esquecidos, desvalidos da ordem social que trabalham mas não recebem, pois já deve no barracão, não pode comprar mais nada (pg.78).
O périplo que realiza invade todas as folhetarias, feiras, ruas e becos numa viagem fantástica que o aproxima do bravatear do trovador na sua árdua e suada caminhada pela venda de seu cordel. De Alagoas, o pregão de José Estácio Monteiro (pg.121) se faz ouvir: Ofereço o meu livrinho, a pobre capitalista, o preço é 3 crusero, mais eu dou por dois à vista.
A sextilha repercute sonora e contundente, muitas vezes se faz plangente no aboio que o poeta exala quando da morte do presidente. Respigo o que disse Delarme Monteiro da Silva (pg.116): O negro manto da Morte, Envolve a nossa nação, Na mata o mocho sinistro, Canta funéria canção, Tudo é silêncio e degredo, Tristeza e desolação.
Através dos cordéis selecionados, Orígenes Lessa nos conduz à história política da nação, informando as transformações sociais ocorridas no Estado Novo, as conquistas levadas a efeito, a criação das leis trabalhistas, rodovias que integram estados, a industria do aço em Volta Redonda e o queremismo por Getúlio.
Aflorado o sentimento patriótico, de raiz, de território, cadinho de fidelidade que o pobre sufraga na expectativa de ver sua angústia rebaixada, dado que tubarões, coronéis de mando e de poder, zé-godes políticos teimam em atrapalhar o sonho miúdo do trabalhador urbano e rural.
Conceitualmente alguns percebem a cultura popular em suas dependências e carências em relação à cultura dos dominantes. Ledo engano, é uma categoria erudita, afirma Roger Chartier.
O cordel desafia em sua multiplicidade temática toda uma mídia sistematizada. É tão eficaz e atual que lá trás o Cuíca de Santo Amaro (pg.32) já abordava a crise de energia assim versificada: Veja só quanta miséria, Veja só quanta agonia, Veja a que ponto, Chegou a nossa Bahia, O povo sem trabalhar, Por falta de energia.
O folheto custa muito pouco. Talvez um cafezinho no museu ou dois nos botequins da cidade.
Finalmente, o roteiro conduzido por Orígenes Lessa, assistido de considerações ponderadas e seguras, chancela sem nenhuma surpresa o talento demonstrado na sua profícua carreira de escritor.