Uma quase resenha e um quase poema: "Getúlio" romance de Juremir Machado da Silva

Acabei faz pouco de ler “Getúlio”, romance biográfico do escritor Juremir Machado da Silva, gaúcho como o seu personagem Vargas.

O livro que me passara despercebido quando de seu lançamento em 2004, por ocasião dos cinqüenta anos da morte de Getúlio, agora me prendeu até o último parágrafo. "Getúlio" foi, como explica Juremir, resultado de muita pesquisa (livros, documentos, jornais e revistas da época) e inúmeras entrevistas com pessoas que foram testemunhas daquele período, algumas hoje ainda vivas, com 80, 100 anos.

“Getúlio” é, no dizer do próprio Juremir, “um personagem fabuloso para um romance. Na literatura, costuma-se dizer que há dois tipos de personagem: o personagem plano, linear, que todo mundo sabe do início ao fim como vai agir – é um personagem literariamente ruim; e os personagens ditos redondos, com profundidade, angulados. Getúlio é desses personagens com profundidade - um personagem literário pronto, um tanto shakespeariano, dramático, patético, extremamente inteligente, com muito senso de humor. Ao mesmo tempo é um sujeito autoritário que, no entanto, não se deixa apreender nas simplificações: ´foi ditador´ – não é só isso; ´não foi ditador – também não é verdade. Ele foi um feixe, uma complexidade.Um personagem de romance.”

Ainda falando sobre a arquitetura de seu romance, Juremir acrescenta: “O livro é polêmico, difícil de agradar a alguém ou a todos, sejam jovens que talvez pouco saibam sobre Getúlio, sejam os mais velhos. Muita gente vai achar que é um romance getulista. Os getulistas certamente vão achar que é anti-getulista. Para mostrar a complexidade do assunto, tem que aparecer o bom e o ruim. Tem que se mostrar que, de alguma maneira, todo mundo está certo e todo mundo está errado. Há pessoas que gostam muito dessa situação estanque – certo, errado. E não é assim. Getúlio teve papel fundamental para o desenvolvimento brasileiro, e ao mesmo tempo sabemos que houve uma ditadura getulista hedionda. Mas, ainda assim, havia um projeto nacional. Muito do que temos de importante no país é oriundo da época do Getúlio. As marcas de Getúlio estão por toda parte.”

Mescla bem dosada de ficção e realidade, e tão fiel à História quanto possível, a mim o fio condutor do romance me pareceu ser o diálogo intermitente que se dá entre o casal de velhos que troca impressões e reminiscências sobre os acontecimentos que culminaram com o suicídio. Quando terminei a leitura e fechei o livro, deixei-me ainda seguir pelo caminho da ficção e ocorreu-me escrever para o casal de velhos este quase poema:

I

Na cancela da entrada do motel a atendente sorri:

- Pois não, senhor! (pensa: afinal o que é que este casal de velhos quer aqui?)

- Viemos ler um pouco... (o velho diz e pisca.)

A velha fecha o livro que traz nas mãos e arrisca:

- Pede o mesmo quarto de antes, pede, amor?

- O quinze está disponível?

- Está sim senhor. Documentos, por favor.

- Aqui estão.

O velho estende a mão (para apanhar a chave).

- Agora é cartão magnético, senhor...

- Como é... - começa o velho, mas a velha intervém:

- Pode deixar que sei como se usa, amor.

II

Estão em frente ao hermético quarto quinze.

Entram. Tem cheiro de limpeza o quarto ascético, preparado

Para o beijo organoléptico,

Para o amor hipotético.

III

Nesse quarto de motel dos antigos encontros

Só a chuva que chove teimosamente lá fora é a mesma de antes.

Ah! Esse eterno mau tempo de chuva forte

Com seu cheiro de umidade, mofo e morte.

IV

Agora a velha dorme e o velho pensa: - Nós somos só o que fomos,

Já não somos senão sombras magras que andam pelo quarto.

V

No meio da noite o estrondo de um trovão acorda o velho.

Na vidraça batem clarões de luz qual pirilampos.

Não foi isto que eu quis... e (olhando a velha dormir) ainda diz:

- Ah! Coitados de nós... (Coitado do Álvaro de Campos).

VI

No criado-mudo dela, o riso desabotoado

de um par de dentaduras num meio copo de água

com mágoa do sorriso alegre do passado...

....................................................................

No criado-mudo dele

Descansa o livro fechado.

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 20/02/2011
Código do texto: T2803112
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