O SINDICALISMO BRASILEIRO NO BRASIL PÓS 30
. O SINDICALISMO BRASILEIRO APÓS 1930.
A obra “O Sindicalismo brasileiro após 1930” é o resultado do excelente trabalho de pesquisa efetuado pelo prof.dr. Marcelo Badaró Mattos, professor do Departamento de História da UFF. Mais que apenas uma descrição minuciosa de como se deu o processo sindical no Brasil como inicialmente se é levado a crer, a obra, na realidade, nos traz um verdadeiro compêndio da história política do Brasil a partir da República, que se detalha ainda mais a partir da década de 30 com o Estado Novo quando se dá o recorte proposto pelo autor, e faz uma análise detalhada sobre a influência que o processo ao mesmo tempo sofreu e impôs ao trabalhismo e ao sindicalismo brasileiro, uma vez que como muito apropriadamente afirma o autor não se pode falar em luta de classes sem falar em sistema político-econômico.
A escrita do texto, que além de realizada com muita clareza e objetividade demonstra o nível de aprofundamento das pesquisas efetuadas por seu autor, tem a ainda o grande mérito de ser dinâmica e de fácil entendimento e interpretação, fazendo com que até mesmo o leitor menos ilustrado possa ter uma visão global de todo o processo, valendo dizer que, inclusive, talvez tenha sido esta a idéia e o objetivo de seu autor.
Além disso, tendo em vista os mais recentes movimentos trabalhistas em curso neste momento no Rio de Janeiro - as greves dos trabalhadores bancários e do judiciário – a obra do professor Badaró toma grande importância para que se possa entender o constante conflito entre os patrões e a classe trabalhadora e a participação do Estado, que quando intervém, o faz sempre pendendo para o seu próprio lado.
Seguindo esta linha, logo na introdução o autor faz um breve, mas esclarecedor relato de como se deu o processo de formação da classe trabalhadora brasileira, apontando para as particularidades encontradas neste processo brasileiro quando comparado aos demais, ou seja, aqui no Brasil por um bom tempo conviveram formas diversas de produção: o escravismo, o assalariamento dos homens livres e a grande levam de imigrantes que aqui aportaram, e como sabemos, na maior parte das vezes, a modalidade de reembolso destes últimos não era o pagamento de salários, mas sim o colonato, a meia ou terça. Além desta diversidade contaria também o fato de que todos estes trabalhadores trariam consigo suas próprias experiências e tradições, importando assim em uma heterogeneidade marcada principalmente por diferentes graus de organização, o que teria, segundo o autor e no qual concordamos, dificultado e atrasado a formação de resistências, ressaltando, todavia, que em que pese tais diferenças, todos estes trabalhadores partilhavam interesses em comum: a exploração a que todos eram submetidos por seus patrões, e dessa forma, já nas primeiras décadas do século XX, principalmente apoiados nos movimentos políticos, agora não mais isolados, mas organizados pelos sindicatos.
Para explicar como se deu este processo de luta dos trabalhadores e as estratégias do Estado para conter esta luta, o autor optou por dividir sua obra não em capítulos, mas em marcos políticos: a ditadura Varguista, o posterior período democrático, a ditadura militar e após este, a redemocratização, o chamado novo sindicalismo.
Em 1930, no início do período Varguista, quando se dá o recorte inicial proposto pelo autor, este vai descrever a participação incontestável do trabalhador nas mudanças significativas que se operaram na sociedade tanto no campo econômico quanto no campo político e transformaram a velha república no Estado Novo, bem como no caráter centralizador e autoritário que a ascensão de Vargas ao poder significou, principalmente em relação ao trabalhador e ao sindicalismo. Esclarece que neste momento o Estado, ao mesmo tempo, que tenta sufocar as manifestações trabalhistas, tenta arregimentar o trabalhador com a implantação de uma série de medidas que “visavam” a proteção destes e conseqüentemente a sua gratidão ao Estado, como: criação do Ministério do Trabalho e a instituição do sindicato oficial sob a tutela deste e que seriam, na realidade, “órgãos representativos do Estado”, e a criação do salário mínimo e da CLT. Desta forma, como bem apontado pelo autor à proposta difundida era a de “um pacto” através “de uma convivência harmônica entre trabalhadores e empresários, arbitrada por um Estado que seria, ainda segundo àqueles discursos, ao mesmo tempo regulador e protetor, apresentando-se como inventor da legislação social”, nascendo aqui à figura de “pai dos pobres”. E aqui o autor demonstra toda a profundidade de sua análise quando nega a interpretação tradicional da aceitação deste pacto por parte dos trabalhadores, apontando que a grande parte da legislação social já estava pronta antes de Vargas e também que as lideranças sindicais continuaram a resistir à idéia do sindicato tutelado, bem como relativiza as interpretações que afirmam a importância dos ganhos materiais dos trabalhadores na conjuntura da sistematização das leis sociais durante o Estado Novo, tendo em vista as inúmeras greves que ocorreram neste momento, principalmente já na década de 40, em face da suspensão de direitos sociais, como esforço de guerra, e o quadro de carestia que se instalou maltratando ainda mais a classe trabalhadora.
Por fim, conclui o autor sobre este primeiro marco que, as mobilizações sindicais dos trabalhadores em apoio à redemocratização foram muito fortes (apoio a ANL) e que como estratégia de contenção destes movimentos o governo acenou com a possibilidade de participação das lideranças sindicais “regulamentadas” na Assembléia Constituinte que faria com que muitos sindicatos de fato se “legalizassem” visando à possibilidade de influir na proposta constitucional de 1937, o que significaria para estes não uma rendição, mas sim um recuo estratégico.
Desta forma, interessante ainda neste tópico, é a radiografia que o autor consegue fazer do quadro, onde o Estado ora aperta o cerco, ora se obriga a afrouxá-lo tendo em vista o fato que as entidades sindicais regularizadas em determinados momentos se colocavam não a favor dos sindicatos não regularizados, mas contra a intervenção do Estado. Mais interessante se torna verificar que o afrouxamento ao mesmo tempo em que necessário acabava por produzir novas greves, fazendo então com que o Estado repensasse sua estratégia, passando a “investir politicamente” nos sindicatos tentando transformá-los em “órgãos representativos” (do Estado e não dos trabalhadores) utilizando um discurso de valorização do trabalho e do trabalhador, o que acabaria tendo relativo sucesso que segundo autor não se deu a somente pela gratidão, mas também pelo afastamento das lideranças mais combativas dos sindicatos e da vida política. No entanto ressalta que tudo isso teve um “duplo efeito”: não foi capaz de calar a voz dos trabalhadores e trouxe um bônus político para Vargas e seu partido (PTB), o que nos leva a pensar que uma boa parte dos trabalhadores não ligava Vargas à ditadura, que o viam realmente como “pai dos pobres”.
Já o período de 1945/1964, que o autor nomina com “breve experiência democrática”, provavelmente apenas por se encontrar entre duas ditaduras declaradas, uma vez que a tutela aos sindicatos foi mantida, retrataria não só a retomada efetiva das atividades sindicais favorecida pelo momento político onde Vargas, já no final de seu primeiro governo, pressionado pelo crescimento das oposições á ditadura, promove reformas liberalizantes como o reconhecimento dos partidos políticos, inclusive o PCB, mas também de como este sindicalismo se fortaleceu se associando a diversos aliados e criando a MUT (Movimento de Unificação dos Trabalhadores) que tinha como objetivos “desenvolver a educação democrática do proletariado, lutar pela liberdade sindical, estimular a sindicalização de todos os setores trabalhistas, apoiar as reivindicações gerais da classe operária e, principalmente, fazê-la compreender na prática as vantagens de sua unidade”, demonstrando desta forma que a política se tornava cada vez mais como instrumento de luta dos trabalhadores. A MUT luta pela criação de comissões de trabalhadores que tiveram um papel destacada em boa parte dos movimentos grevistas deflagrados neste período. Ressalta ainda o autor que as conquistas de Vargas persistiram uma vez que os sindicatos cada vez mais lutavam pela autonomia, mas não entravam em choque com a CLT – uma criação de Vargas que garantia benefícios aos trabalhadores, mas mantinha sob tutela os sindicatos – tendo em vista que isto certamente iria de encontro com os anseios dos trabalhadores. Ressalta ainda, que com o fechamento do PCB novamente as uniões sindicais foram fechadas, agora por Dutra, em cuja fase autoritária utilizou a repressão de forma acentuada, mantendo-se a estrutura sindical oficial, ou seja, sob os domínios do Ministério do Trabalho e aumentando o nível de exigência para novas regularizações (atestado de ideologia), conseguindo assim, o retraimento dos movimentos grevistas. Destaca, também, que foi neste período que surgiram as comissões de trabalhadores nos locais de trabalho que tiveram um importante papel nos movimentos grevistas “autônomos”, principalmente quando os sindicatos, seguindo orientação de seu partido, preferiam evitar as greves para manter a união nacional e efetuar uma transição tranqüila para o período democrático (novamente seria a idéia de um passo atrás para dois passos adiante).
Ressalta ainda que apesar do seu discurso nacionalista e pró-trabalhador, Vargas em seu segundo governo enfrentou um aumento no número de greves bastante considerável - quase uma a cada dia – principalmente nas grandes capitais, e que foi combatido com o também aumento da repressão do Estado e dos patrões e que tal falta de apoio dos trabalhadores o teria deixa fragilizado diante dos oponentes dentro de seu próprio governo, levando-o ao suicido e aí sim capitalizado, embora tardiamente, o “reconhecimento do povo” que quase o canonizou.
Após a morte de Vargas, uma “relativa liberdade democrática” marcaria o governo JK, e esta, dentre outros fatores teria sido a responsável pela fase mais ampla de mobilização sindical (com a criação de inúmeros sindicatos) conhecida até então, principalmente tendo em vista o que chamou de “as contradições do modelo desenvolvimentista” adotado pelo Presidente. Esse momento, segundo autor teria sido marcado pela lei que restringia o direito de greve, pela intervenção do governo nos sindicatos, com o acirramento da violência no combate aos movimentos dos trabalhadores, mas também pela renovação das lideranças sindicais, pelos grandes congressos (CISCAI) e pactos entre trabalhadores como (PUI a PUA) pela união de sindicatos (CTB) e principalmente pela criação da CGT e principalmente pelas grandes paralisações, principalmente a que aconteceu às vésperas do golpe.
No período iniciado com o golpe militar de 1964, o autor descreve como os militares puderam, legalmente, criar uma série de artifícios para “minar” as reações dos trabalhadores (criação de leis autoritárias que proibiam as greves, controlavam os índices de reajustes salariais, determinavam o fim da estabilidade no trabalho (FGTS) e a instituição do INPS em substituição aos antigos IAPS), e mais tarde, com o aceno por parte do governo da “liberalização do regime”, a reação dos mesmos através da formação de movimentos intersindicais contrários principalmente à política salarial como o MIA, que pregavam o equilíbrio entre e a serenidade como formas de se manter na resistência e fugir da ilegalidade. Este tom mais moderado foi considerado como imobilista e conciliatório, mas na realidade se tratou de uma estratégia para burlar a vigilância do Ministério do Trabalho sobre os “subversivos”, que inclusive teria tido sucesso tendo em vistas as duas grandes greves dos metalúrgicos ocorridas em Contagem e em Osasco, muito embora, a segunda tenha sofrido com a devastadora força do aparelho repressor do Estado, que, inclusive já havia se manifestado, nos anos inicias do golpe com a intervenção direta nos sindicatos - seja “vetando candidaturas ou destituindo diretorias eleitas e substituindo-as por interventores” ou promovendo a cassação de direitos políticos, a prisão e a instauração de Inquéritos Policiais Militares não só contra os antigos dirigentes militantes, mas contra todos aqueles que se posicionassem contra “a revolução” - como queriam que se entendesse o golpe - que seriam agora “subversivos”, “inimigos” do Estado e da ordem pública. Tal manobra acabaria transformando os sindicatos – simpatizantes do governo - em órgãos representativos que se destacariam não mais pelo seu caráter de luta por melhores condições de trabalho, mas sim pela docilidade do assistencialismo através da prestação de serviços médicos, dentários, colônias de férias, etc. como forma de atrair o trabalhador, o quê, se por um lado atraía os trabalhadores para a filiação por seu lado assistencialista, desfiliava outros que pretendiam um sindicato comprometido com a luta dos trabalhadores. Dessa forma, a luta sindical não acabou, mas ficou adormecida se fortalecendo as comissões de fábrica como movimentos isolados como, “operações tartaruga”, “greves de fome” etc. mais fáceis de serem reprimidos pelas próprias empresas e foi nestas comissões que floresceu o OSMSP, cuja proposta era o combate aos “grupos acomodados à proposta sindical da ditadura, no sindicado, e na intransigência patronal, nas fábricas”, e que seria o “germe” do chamado o “novo sindicalismo” que pregava um movimento em apartado do governo, que nasceria das próprias fábricas, de baixo para cima e não de cima para baixo.
No campo econômico, o autor destaca que foi neste período que o Brasil alcançou um dos maiores PIBs de todos os tempos - para o qual contribuiu, sobremaneira, o arrocho salarial que vinha sendo imposto aos trabalhadores – e que a ditadura utilizou através de campanhas nacionalistas que visam legitimar sua atuação perante a opinião pública.
Já no “novo sindicalismo” o autor destaca a crise dos anos 70 e o “canto do cisne” da ditadura, seria a “transição lenta e gradual”, “pelo alto”, pretendida pelos militares para a volta dos civis ao poder, ou seja, a revolução sem revolução. Este momento foi marcado politicamente pelo fim do AI-5, pela anistia e pela reorganização partidária, mas também por um novo tipo de greve gerada não pelos sindicatos, mas pelo descontentamento daqueles mesmos trabalhadores nas comissões de fábrica que passaram a pensar um novo tipo de sindicalismo ligado aos interesses das bases, que defendia a total autonomia, inclusive financeira, do Estado, e que deveria surgir pela livre filiação dos trabalhadores e que se autodenominava “sindicalismo autêntico”. O emblema deste novo conceito de sindicalismo foi Luiz Inácio “Lula” da Silva o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo que passou a ser nacionalmente conhecido e o Sindicato do ABC passaria a “servir de referencial”. A partir de então surgiram greves em todos os pontos do país, nas mais diversas modalidades e categorias, que tinham como reivindicação básica, entre outras, a reposição das perdas salariais ocorridas nos anos anteriores em virtude dos congelamentos dos salários.
Segundo o autor fica muito evidente neste momento a “dimensão política” dos movimentos sindicais. Foi neste momento e lugar que se gerou o PT. Por outro lado, outros setores combativos do sindicalismo procuraram unificar suas forças e surge a CUT – que conseguiu estabelecer-se como representativa da classe - a CGT e mais adiante a FORÇA SINDICAL, esta última que defendia a “adesão à lógica econômica do capitalismo e a colaboração com o empresariado como forma de obter vantagens materiais para os trabalhadores!!!
Fechando seu trabalho, o autor, trata nas considerações finais de como ficou estabelecido o quadro final com a aprovação de CF de 1988. Para ele, “em certo sentido” a “era” do novo sindicalismo havia se encerrado visto que a questão sindical foi somente parcialmente resolvida ao se manter no texto constitucional a unicidade sindical, do monopólio da representação, do imposto sindical, do monopólio da representação, do imposto sindical e do poder normativo da Justiça do Trabalho, indicando desta forma, que a “herança corporativista continuava pensando sobre os sindicatos.
Com a nova Constituição o movimento grevista não se encerrou – como nós mesmos podemos atestar com os acontecimentos recentes apontados no início do texto – mas diminuiu bastante.
Nos informa ainda o autor que em sua opinião é “impossível prever o futuro do movimento sindical brasileiro”, tendo em vista que a nova conjuntura econômica dos anos 90, marcada pelas relações neoliberais e pela globalização, teria tido um peso fundamental nos movimentos sindicais. Desta vez, entretanto, a palavra de ordem nos sindicatos seria o “pacto”, a parceria e a colaboração com o empresariado visando a negociação. Talvez já não se trate de ganhar mais e sim perder menos.
A obra do professor Badaró pode trazer duas conseqüências após sua leitura. A primeira, para aqueles que não viveram este momento tão recente de nossa história, se apresenta como um relato primoroso e muito bem detalhado da história política pós-30 do nosso país e a luta do trabalhador pelos seus direitos, que mesmo nos momentos mais difíceis continuou a lutar por acreditar que podia dar certo, mais que isso, que tinha de dar certo. Mostrou também como o sindicalismo caminhou, se retraiu, se dividiu e se adaptou a cada momento político-econômico. Nos mostrou também as lutas internas dentro dos próprios sindicatos e facções pela hegemonia, pelo poder. Já para aqueles que viveram pelo menos parte destes momentos históricos, mas que deles não tomaram parte ativa, se somarão aos conhecimentos acima os esclarecimentos de como o cidadão comum recebia informações “distorcidas” que na realidade eram parte de uma tática que tinha como único intuito o de impedi-los de se juntar à grande massa de trabalhadores que não se deixou calar.
Por todas estas contribuições é que a obra do professor Badaró atual, necessária e merece ser lida e festejada.