livro: A BÍBLIA ESTAVA CERTA
HUGH J. SCHONFIELD
Ed. Ibrasa, São Paulo, 1980


Bom, que a Bíblia estava certa eu sempre soube. Ou pelo menos sempre pensei que sim. É claro que não literalmente, pois como tive, não sei se a sorte ou o azar de ter nascido no século XX., sou um tanto cético com respeito às coisas que os homens vêem, sentem e falam. Fui muito influenciado pela Gestalt. 
A Bíblia foi escrita por homens que viram algumas coisas acontecerem, sentiram determinados sentimentos em relação a esses acontecimentos e fizeram suas leituras deles.
Não quer dizer que estivessem errados. Ou certos. Mas de uma coisa não podemos acusá-los: eles não fabricaram fatos, nem falsearam seus testemunhos. Tudo que escreveram era verdadeiro segundo a ótica que tinham e o conhecimento de que eram possuidores. Afinal se uma erupção vulcânica queima uma comunidade no Mar Morto, fazendo desabar sobre ela uma chuva de fogo e enxofre, solidificando em lava e sal tudo que era vivo quilômetros em entorno, quem pode negar que ela foi extinta por fogo vindo do céu e as pessoas que foram apanhadas pelas lavas se transformaram em estátuas de sal?
Fenômenos meteorológicos e tempestades eletro-magnéticas sobre a terra são comuns. Quedas de meteoritos e outros corpos celestes também. Quem não tem informações sobre como essas coisas acontecem, o que pode pensar disso tudo? Pawels e Bergier, em seu hirsuto e duvidoso livro ( mas não menos intrigante "O Despertar dos Mágicos- 1956) falam do comportamento dos índios maoris da Nova Zelândia quando os americanos construíram em sua ilha uma pista de aterrisagem de aviões durante a segunda guerra mundial. Os aborígenes nunca tinham visto um avião na vida. Para eles, os caças e torpedeiros que desciam na pista eram grandes pássaros metálicos que eram chamados através de mantras e encantamentos pelos homens brancos, que os recitavam através de latinhas com varetas es-petadas em cima. Eles ficavam assistindo tudo, escondidos no meio do mato, se admirando da poderosa magia do homem branco, que era capaz de atrair pássaros tão grandes e barulhentos e que, ás vezes (os cargueiros), até traziam comida, roupa, remédios e outras coisas para eles. Aqueles brancos eram mesmo uns grandes feiticeiros.
Os feiticeiros brancos chamavam a esses pássaros provedores de “cargo”. Então, quando a guerra acabou e os americanos foram embora, os maoris recolheram as latas vazias de alimentos que os feiticeiros brancos deixaram e espetaram varetas de bambus nela. Depois começaram a cantar mantras e encantamentos para chamar o “cargo”. O culto ao cargo tornou-se uma cerimônia religiosa entre os maoris, que sobreviveu durante quase uma geração. Só deixou de ser praticado quando os missionários brancos, após muitos anos de doutrinação, e depois que as velhas gerações já haviam morrido, conseguiram convencer os jovens aborígenes que tudo aquilo era um equívoco de interpretação de informação.

Isso não quer dizer que as histórias da Bíblia, ou pelo menos aquelas cuja visão parece fantástica demais para ser verdadeira, sejam informações interpretadas por pessoas sem conhecimento suficiente para entendê-las na sua exata configuração. E ao fazer suas leituras tomaram como intervenção divina aquilo que era simplesmente acontecimentos naturais. Já houve gente que quis nos fazer acreditar nisso. Um deles foi aquele jornalista sueco maluco chamado Eric Von Daniken, que dizia que os deuses eram, na verdade, astronautas que haviam visitado a terra nos tempos pré-históricos e bíblicos, e que as religiões e os textos sagrados nada mais são que relatos de contatos imediatos de terceiro grau realizados entre os profetas e os extra-terrestres.
Claro que se até um jornalista dos tempos modernos pode ser tão imaginativo, porque não o seria um pastor palestino de três mil anos atrás? Muito mais razão para isso teria ele, que nunca ouvira falar em Gestalt.

Bom. Isso é o que Hugh Schonfield quer dizer com seu best-seller “A Bíblia Estava Certa”. Ele faz uma interessante resenha do Novo Testamento á luz dos conhecimentos históricos e científicos de hoje e conclui que tudo que os evangelistas escreveram estava correto. Não que os apóstolos tivessem recebido literalmente o “Espírito Santo”, no dia de Pentecostes, como está escrito nos Atos dos Apóstolos, mas que as condições atmosféricas do local onde eles estavam naquele dia memorável é sujeita a determinados fenômenos naturais muito semelhantes ao descrito nos Atos. Ele mostra que todos os lugares e costumes descritos, tanto nos Evangelhos quanto nos Atos são verdadeiros e realmente existiram. Que as pessoas citadas também são personagens históricas e reais, com vida e historicidade provadas documentalmente. Que os evangelistas e cronistas biblicos que escreveram os textos do Novo Testamento não inventaram nada.
Bem, disso eu nunca tive qualquer dúvida. Suspeito que eles tenham aumentado um pouco, mas não inventado. Todo jornalista, ou cronista ou literato, ou quem de qualquer modo registre um fato sempre faz isso. Veste com as roupagens da sua crença, ou das próprias informações, as coisas que pensa, vê, escuta e sente. Isso se chama metalinguagem. É a linguagem da linguagem, ou seja a linguagem que explica o que linguagem comunica.
 
Nunca duvidei que Jesus tivesse realmente existido e feito todas as maravilhas que lhe são atribuídas, como alguns céticos já tentaram nos fazer acreditar. Mas também sabemos que tudo que chegou até nós, nestes últimos dois mil e tantos anos depois, são metalinguagens construídas e reconstruídas com muita intencionalidade. Cada grupo que lê uma Bíblia cria a sua própria versão dos fatos, de acordo com seus interesses, e não raras vezes quer impor aos outros a sua visão como sendo a única verdadeira. É essa ditadura espiritual que dá briga e não conteúdo da mensagem.
O trabalho de Hugh Schonfield, ao recompor o ambiente histórico, sociológico e políticos dos tempos de Jesus e dos primeiros apóstolos é muito importante porque nos dá uma visão mais clara e inocente dos acontecimentos bíblicos, sem a estereotipada roupagem que lhes foi colocada pelos cronistas que escreveram com intenção e idealismo. Pena que ele tenha parado sua pesquisa no ponto mais interessante dela, que é a citação da chamada Fraternidade do Novo Convênio, um prolongamento da seita dos essênios.  Eles tinham um importante núcleo na cidade de Damasco na época em que o apóstolo Paulo foi convertido, na estrada que ia de Jerusalém até aquela cidade. Paulo estava indo à Damasco justamente para prender os cristãos que moravam naquela cidade, a mando do Sinédrio judeu. Os Atos dizem que ele, após ouvir a voz de Jesus e ficar cego, foi levado à Damasco, onde um certo discípulo de Jesus, chamado Ananias, o curou e depois o doutrinou. Se ele fosse mais longe em sua pesquisa teria comprovado que esse Ananias era o Venerável Mestre de uma Fraternidade chamada de Kochab a “Fraternidade do Novo Convênio”, conhecido como o Mestre da Estrela. Essa informação faz parte de um papiro encontrado entre os pergaminhos do Mar Morto, e quem sabe aí não estão as verdadeiras origens do Cristianismo, onde Paulo certamente bebeu as influências que fez dele o mais importante divulgador da nova fé. E quem sabe não terá sido dessa fonte que Jesus também bebeu a sua maravilhosa doutrina?
E como sou um cronista honesto, informo que esta minha visão também é pura metalinguagem.

Para quem gosta do tema “A Bíblia Estava Certa” é um prato cheio. A minha edição é de 1980, mas esse livro até hoje ainda é muito procurado. Vale a pena lê-lo.
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João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 04/02/2011
Reeditado em 22/03/2011
Código do texto: T2771897
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