Corpos, Prazeres e Paixões: A Cultura Sexual do Brasil Contemporâneo.

Richard G. Parker autor de Corpos, Prazeres e Paixões - A cultura sexual no Brasil contemporâneo (Editora Best Seller, 1991), é Professor Adjunto (atualmente licenciado) do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e membro da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) de São Paulo. É ainda Secretário Geral da Associação Brasileira Interdisciplinar da AIDS (ABIA). Mora atualmente em Nova York, onde é Professor Adjunto da Saúde Pública em Columbia University e Vice Diretor do HIV Center for Clinical and Behavioral Studies, um dos principais centros de pesquisa sobre HIV/AIDS nos Estados Unidos.

As suas publicações incluem, além do livro em questão, AIDS: A Terceira Epidemia (com Herbert Daniel, Editora Iglu, 1991), A Construção da Solidariedade: AIDS, Sexualidade e Política no Brasil (Relume-Dumará Editores, 1994), e Beneath the Equator: Cultures of Desire, Male Homosexuality and Emerging Gay Communities in Brasil (Routledge, 1998). Com Veriano Terto Jr., ele é organizador da coletânea Entre Homens: Homossexualidade AIDS no Brasil (ABIA, 1998). Parker, doutor em Antropologia, foi formado na Universidade da Califórnia, Berkeley tendo nascido nos EUA em 1956.

Nas suas 295 páginas divididas em sete capítulos e dois apêndices a obra evidenciada se propõe a investigar as diversas nuances da sexualidade no Brasil. Ela retrata a diversidade da vida gay brasileira reunindo alguns dos seus fragmentos, para poder compreender a sua complexidade e as suas transformações enfocando as últimas décadas do século XX.

Estes variados tipos de comportamento hoje felizmente saíram dos confessionários, dos programas médicos ou das aulas de biologia, para um amplo debate social. Estas discussões têm por arena as universidades, a televisão, os bares, livros e outros espaços assumindo assim, ao freqüentar estes novos campos, uma postura diferenciada frente a uma sociedade ainda preconceituosa e desinformada. A obra nos traz as conclusões a que o autor chegou ao fim desta pesquisa.

O patriarcalismo a que durante séculos foi e ainda é submetida à sociedade brasileira define hoje o papel sexual do homem e da mulher brasileira. De certa forma isto explica como e porque se dão os comportamentos homofóbicos e machistas que regulam a maioria dos relacionamentos sexuais no nosso país.

Parker procurou, para ser o mais representativa possível a sua pesquisa, lançar um olhar abrangente sobre a maioria das categorias de comportamento sexual disponíveis e identificáveis no Brasil, onde o vínculo afetivo que mantinha com o público alvo era um instrumento significativo que resultava em confiança no pesquisador.

Este é um ponto importante a se considerar na concepção desta obra. Foi justamente o envolvimento emocional do pesquisador que considero ter sido fundamental para que ele pudesse ir a fundo, entrando em contacto e conhecendo através das suas experiências, as questões mais problemáticas da sexualidade brasileira principalmente no que tange às práticas homoeróticas.

Digo que quando a pesquisa é movida pela paixão ao seu objeto a tendência é que haja uma melhor compreensão do fenômeno e que isto predisponha a uma investigação mais profunda, e mais significativos, portanto, sejam os resultados obtidos. Falo por experiência própria.

Em Corpos Prazeres e Paixões, Parker tentou analisar as inúmeras contradições que apresenta a sociedade brasileira, e a sexualidade no Brasil: uma sociedade que apesar de valorizar tanto o erotismo e a sensualidade, ainda alimenta em seu seio tanta opressão e discriminação no tangente a diversidade e as diferenças sexuais.

Ele sugere que há uma contradição muito grande entre o público e o privado, entre o que se prega e o que muitas vezes as pessoas fazem, entre a moral dominante e as práticas eróticas entre quatro paredes. O Intrigava e estimulava como isto pode acontecer com tanta facilidade... Como é que, por exemplo, um homem casado sai para ter relações com um travesti e depois volta para casa como se nada tivesse acontecido e tem relações com a sua esposa sem que isso lhe cause qualquer tipo de problema. Como o mesmo cidadão que tem relação sexual na praia ou no cinema, portanto possui comportamento sexual liberal, fora dos padrões, nutre um ódio às práticas homossexuais que lhe incita a espancar ou até mesmo “matar viados”. Ou como o machão de carteirinha gosta de ser passivo na cama seja com homem ou com mulher.

Ele buscou nesta pesquisa entender o mecanismo cultural destas contradições e chegou à conclusão de que existem vários "quadros de referência" na colcha de retalhos que é a cultura brasileira, para organizar a sexualidade: “o sistema de gênero, com noções de atividade e passividade, o sistema de sexualidade (no seu sentido biomédico) com idéias sobre reprodução e identidade sexual, e até um sistema que chamei de "erótico" baseado na cultura popular, a carnavalização da vida”.

Parker chegou também à conclusão que em termos de comportamento sexual no Brasil, “a ocasião faz o ladrão”. A depender do momento e da situação, um sistema ou outro pode ser válido para determinado indivíduo. Em outro contexto, isto pode mudar. Isto pode ter um maior ou menor significado e estar mais ou menos presente na vida das pessoas.

O padrão sexual brasileiro tem um perfil caleidoscópico. Ele se adapta a diferentes situações. E isto é válido tanto para a sexualidade quanto para outras áreas da cultura brasileira como a religião (sincretismo), o lazer (o carnaval), a alimentação (a regionalização de pratos típicos de outros países). Particularmente no caso do carnaval e em relação aos diversos tipos de comportamentos sexuais “permitidos” nesta festa, podemos perceber que o incentivo e tolerância às diversas práticas sexuais proibidas durante o ano, desaparecem neste período e até mesmo são incentivadas pelos meios de comunicação através de “músicas”, danças, e roupas da moda.

Pude deduzir que outra importante conclusão a que a pesquisa chegou, e neste ponto eu concordo de novo com ela, é que temos que barganhar e interferir nos padrões oferecidos pela sociedade como aceitáveis para podermos escrever as nossas próprias histórias de vida. Este é um importante recado para a comunidade gay brasileira: a compreensão que todos nós temos que negociar e manipular os sistemas que a sociedade nos oferece para podermos construir as nossas próprias vidas.

As opções para o desempenho da sexualidade nos são dadas pela cultura, o que não determina, porém, que devamos seguir estes ditames. Nós construímos nossos próprios caminhos ainda que estes sejam marginalizados pela cultura dominante. A pluralidade da cultura sexual no Brasil oferece muitos recursos no sentido de podermos viver uma sexualidade alternativa ainda que marginalizada dentro da atual conjuntura social. Esta mesma pluralidade gera uma complexidade que nos coloca situações delicadas e de difícil solução, como a violência sexual e a quase legitimação no inconsciente coletivo da discriminação sexual e da violência homofóbica.

Esta obra desnuda o que o autor chamou de uma "economia política do corpo", estabelecendo comparações entre o ambiente interno das interações homoeróticas ocorrentes na sociedade rural e agrícola (preponderantes no século IXX) com as atuais alocadas na nossa sociedade urbana e burguesa do século XX em franca evolução, e que ainda perduram até hoje.

Com o intuito de demonstrar a complexidade e velocidade com que ocorrem as mudanças num mundo globalizado como o que estamos presenciando Parker, de forma efetiva, analisa também como ocorre o movimento de homens homossexuais das áreas rurais para as urbanas, de um grande centro para outro e até do Brasil para o mundo, configurando assim o que ele chama de “migração sexual”.

Outrossim, é descrito pelo autor um “mapa” espacial e cultural da homossexualidade urbana, estabelecendo comparações entre a o erotismo impessoal das ruas, cinemas e pontos de “pegação” em espaços públicos, a prostituição organizada de travestis e michês. Neste contexto o surgimento de espaços direcionados para encontros e lazer são também abordados a exemplo das saunas gays, boites de “entendidos”, turismo GLS dentre outros espaços e tipos de organizações para atendimento desta nova “fatia de mercado” dando especial atenção às organizações políticas e de defesa dos direitos dos homossexuais como os grupos gays, onde a conscientização e até a luta direta contra a discriminação e o preconceito ajudaram muitas pessoas na difícil tarefa de “sair do armário”.

Concluindo, ele faz uma avaliação positiva do movimento gay no Brasil entendendo que após o seu surgimento nos anos setenta ele se retrai um pouco nos anos oitenta para vir, a partir dos anos noventa, ganhar um amplo espaço na sociedade e também no plano político onde importantes conquistas foram alcançadas, porém coloca a questão financeira como um grande obstáculo para este desenvolvimento. Enfim ele alerta para o direito que as pessoas têm no sentido de poderem escolher e exercer a sua sexualidade de forma plena, livre de pressões sociais, políticas, policiais ou outras que venham atentar contra os direitos e dignidades humanas.