Na Praia de Ian McEwan
Às vezes basta uma pequena obra para que um autor mostre todo seu domínio do ofício literário. Depois de haver escrito “Reparação” romance celebradissimo por crítica e público que chegou a ser adaptado para o cinema, e de ter sido agraciado por várias premiações literárias, Ian já não precisava provar nada para ninguém, mesmo assim, conseguiu nessa breve novela “Na Praia” reafirmar seu talento.
A praia a que o título se refere diz respeito ao lugar onde um casal de jovens ingleses vão passar uma fatídica noite de núpcias.
Dois jovens inexperientes e apaixonados numa Inglaterra de 1962 já pós vitoriana e um pouco livre do conservadorismo tradicionalista dessa época, ainda intocada na vida social pelo impacto das teorias psicanalíticas libertadoras da sexualidade, porém, não totalmente contaminada pela década do desbunde que culminaria no maio de 68 e no movimento rippye do sexo, drogas e rock roll.
Freud e vitorianismo vem mesmo a calhar no contexto de “Na praia”, pois estão muito ligados como bem demonstrou o historiador Peter Gay em sua série de livros com viés de psico-história sobre o período. O peso de viver numa tradição tão difamada de conservadora têm grande efeito sobre os personagens.
Ser virgem nesses tempos não era um problema tão grande pra gente na casa dos vinte, muito pelo contrário.
Edward, aluno aplicado de história na tradicional e prestigiosa Oxford, nunca poderia ter uma vida de bebedeiras e sexo, como seus amigos universitários anglófilos a partir da década seguinte.
Florence, violinista talentosa e filha de “burguesia” tradicional Inglesa, nem sonharia em sexo antes do casamento e, o pior, é aí que entra o conflito trágico de sua pacata vida, talvez nem depois de ter consumado a cerimônia da nobre instituição familiar.
Nunca foi tão emblemático o fato da falta de dialogo, o interdito, ou reprimido ser o motivo dos desencontros, estranhamentos e aborrecimentos como no caso desses dois pobres personagens.
Uma estória aparentemente trivial, mas que na mão de um grande escritor como Ian McEwan torna-se uma narrativa irresistível. Em uma prosa minuciosa e ágil, Ian consegue dar contornos de séria televisiva de qualidade a uma estória que poderia não render sequer uma novela mexicana.
Lendo o livro, irresistivelmente envolvente, tem-se a impressão de que esse já consagrado escritor inglês seria capaz de escrever bem sobre qualquer assunto. De fato não é de hoje que Ian mostra-se um mestre na narrativa sutil e do apuro de detalhes. Mesmo dentro da tradição literária inglesa com autores contemporâneos de alto calibre como por exemplo Martin Amis, Kazuo Ishiguro, Jonathan Coe e o Nobel V. S. Naipaul, ele se destaca por sua voz originalíssima.
“Na praia” é uma novela excelente e recomendada porta de entrada para a obra desse formidável escritor inglês.