A língua de Eulália- Bagno, Marcos.
O livro “A língua de Eulália” de Marcos Bagno, foi estruturado com conteúdos ressaltados por índices no início da Obra, com marcação de páginas equivalentes ao assunto, e no decorrer, temos a especificação científica para estes índices, registrados em tópicos mais explicativos e elucidativos do seu conteúdo. O conteúdo desses tópicos linguísticos são explicados separadamente, e se entrelaçam, definindo toda a mensagem que o autor pretende passar aos leitores.
O índice leva o leitor a se situar na narrativa, dando uma demonstração figurativa do assunto que será desenrolado no decorrer da história, remetendo-o a questionamentos críticos da proposta do autor. Assim são definidos:
A Chegada
Quem ri do quê?
Que língua é essa?
Um problema sem a menor graça
Uma língua enxuta
Liberdade, fraternidade, igualdade
Verbo, para que te quero?
E agora, com vocês, a Assimilação
Sodade, meu bem sodade
Beijo rima com desejo
Música, maestro!
Que coisa mais esdrúxula!
Quem era o home que eu vi onte na garage?
Quem não se lembra de Camões?
Aceta-se roupas novas!
A bruxa está solta!
A fôrma, a norma e o funil
Índio, sim, com muito orgulho
Pondo a mão na massa
A primeira semente
A partida
Assim se passaram dez anos
Sugestões de leitura
Esta leitura relata a história de três jovens estudantes, Vera, de 21 anos, estudante de Letras, Sílvia, também com 21 anos, estudante de Psicologia, e Emília, 19 anos, estudante de Pedagogia, que resolvem passar suas férias escolares em Atibaia, interior de São Paulo, onde reside Irene, a professora, linguista e escritora, que vai hospedá-las em sua casa. Irene, tia de Vera, movida pela expectativa de coletar dados para o seu próximo livro, e considerando a curiosidade das meninas em aprender, acaba fazendo dessas férias uma oportunidade para colocar em prática seus trabalhos de pesquisa para o novo livro que quer publicar.
Todos os capítulos, desde a chegada com a recepção das hóspedes, até a partida, quando terminam as férias das estudantes, relatam a trajetória desta viagem transformada em um curso sobre as variantes da língua falada no país, no decorrer dos dias que lá ficaram hospedadas. Houve aulas, comentários, e trabalhos de assimilação todos os dias em que elas lá estiveram.
Já os tópicos, definem o Sumário da obra, com termos linguísticos bem desenvolvidos em cada conteúdo, remetem aos momentos vividos pelas personagens nos dias que se seguiram.
Os tópicos abordados são: O mito da língua única, que esclarece que as diferenças entre o Português falado no mundo e no Brasil, nas mais variadas situações étnicas, sociais, políticas, econômicas, psicológicas, geográficas e históricas demonstram uma língua em completo estado de transformação, em movimento, e está longe de ser uma língua única, por suas diferenças fonéticas, sintáticas, lexicais e semânticas. Temos assim, a explicação sobre o Português padrão e Português não padrão.
Outros tópicos abordados cientificamente, na sequência, são: Rotacização do L nos encontros consonantais, bem exemplificados na alteração do L por R, em palavras pronunciadas por muitas pessoas, como, por exemplo: Cráudia, grobo, etc.
Eliminação das marcas de plural redundantes, ou ditongos, ocorrentes no Português não padrão, e até em outras línguas, como, por exemplo: “cheguei na bera do porto”, “ onde as onda se espaia” , etc.
Transformação de LH em I, tendência no Português não padrão de supressão do LH em I, como em: “ Abêia”, “ trabaiá”, e outras tantas.
Simplificação das Conjugações Verbais, com a diminuição das conjugações de seis para duas formas, entre o Português Padrão e o não padrão, para alguns verbos. Um exemplo é o verbo amar no presente do indicativo, no Português padrão, conjugado assim: Eu amo, tu amas, ele/ela ama, nós amamos, vós amais, eles amam (seis formas). Já no Português não padrão, normalmente é conjugado assim: Eu amo, Tu/Você/Ele/Nós/A gente/Vocês/Eles ama (duas formas).
Transformação de –ND- em –N- e de –MB- em –M-, ou também chamado de processo de assimilação, que consiste em assimilar, nestes encontros consonantais, apenas a consoante mais próxima da sílaba tônica da palavra, como, por exemplo, “ falano”, “tamém” e outra grande variedade falada.
Redução do Ditongo OU em O, na língua não padrão, como em “ ropa”, “loro”, “poco”, e Redução do Ditongo EI em E, como em “quêjo”, “pêxe” e Redução do E e O átonos pretônicos, como em “fidido” e “pipino”, e muito mais.
Contração das proparoxítonas em paroxítonas, com exemplos históricos que remontam desde o latim, até os dias de hoje, mostrando que esse processo de mudança ocorre todo o tempo com as línguas, e também nas variedades faladas, dentro desta mesma língua: pássaro vira “passo”, sábado vira “sabo” e outro sem fim de palavras pronunciadas cotidianamente pelas pessoas que não fazem parte da classe dos ditos falantes “cultos”. Ressalta, também, este tópico, que até nas rodas de pessoas ditas “cultas”, esta pronúncia é muitas vezes ouvida.
Desnazalização das vogais postônicas, que é o processo de supressão da consoante em palavras como garagem, viagem, bobagem, transformando-as em garage, viage, bobage; Arcaísmos no Português do Brasil, tópico que fala das diferenças na velocidade da mudança da língua em diferentes regiões, e exemplificando que os arcaísmos são mais utilizados em regiões onde o acesso às informações é menor, como no Nordeste ou na zona rural. Palavras como “alembrar”, “avoar”, etc, são comumente ouvidas nessas regiões, determinando um uso ainda arcaico das variações da língua.
Função da partícula SE como verdadeiro sujeito da oração, e as contradições e opiniões diversas defendidas pelos gramáticos no uso desta expressão: “Deixa-me ver” ou “Deixa eu ver”, ambas consideradas corretas, mas com explicações diferentes.
E por fim, Analogias, que tendem a deixar para o falante, buscar a fonética adequada quando se trata da pronúncia de substantivos e verbos, grafados de forma idêntica: “O almoço” ou “Eu almoço”, pronunciando por analogia, “Eu almóço”.
O livro é uma obra Teórica quando propõe uma reflexão sobre os estudos científicos no campo da Linguística, e exemplifica teorias com conceitos práticos, palpáveis e muito bem observados pelas personagens no decorrer da história.
O autor tenta mostrar a necessidade que o país tem de rever a forma de se ensinar a língua oficial, já que esta mesma língua não é única, e que possui inúmeras variantes que a tornam dinâmica, mutável, e deve ser compartilhada por todo o universo de falantes em todas as classes sociais, aceitando, portanto, a existência da mudança diacrônica (ao longo do tempo), e a diatópica (geográfica), como processo inerente de transformação. Assim, deixando de representar um objeto de poder das classes dominantes, quando transforma o “falar diferente” de alguém, em “falar errado”, justificando a exclusão social atribuída a estes últimos, classificando-os de burros e ignorantes.
O Sumário está descrito no decorrer da narrativa, marcado com subtítulos científicos, e suas páginas equivalentes, reportando sempre, aos índices figurativos classificados no começo da obra.
O Título tem importância singular, quando traça o paralelo entre a língua falada por Eulália (do grego= aquela que fala bem), uma pessoa humilde, que não era alfabetizada, e que trabalhava para a professora Irene há muitos anos, com o outro universo de Eulália, cheio de riquezas, valores éticos e uma grande bagagem conhecimentos populares e sabedoria, aliados à simplicidade, ao carisma e à dedicação às pessoas, e mostra o outro lado de um contexto de vida das pessoas que simplesmente falam de modo diferente.
Dentre todos os pontos relevantes que autor aborda, a ênfase é dada para o estudo da língua falada, em todos os seus contextos lingüísticos, tentando mostrar as diferenças existentes no modo de falar das pessoas, chamando à atenção para o valor dessas diferenças e mostrando que a comunicação efetiva também se dá nessas falas. Outro ponto importante: chamar a atenção para a necessidade da reestruturação do ensino de línguas no país, e também, chamar a atenção contra a marginalização das pessoas e o contra o processo de exclusão social que surge com as diferenças existentes neste processo. São, além de pontos importantes, problemas que o autor tenta resolver no decorrer da obra, e os resolve no momento em que lança a semente, que é esta obra, e após a reedição, por ser considerada uma obra de importância muito grande, no estudo dos conceitos linguísticos atuais.
Minhas considerações finais após a leitura e discussão é que a obra contribui de forma positiva para a Educação de línguas no país, quando sugere novas formas de se pensar a língua do seu povo, suas particularidades, diferenças, contrastes e inovações. Concordamos que é um forte contraponto às idéias retrógradas de gramáticos, que não querem permitir que a língua tome seu curso normal na história, que é o de representar a essência de um povo em seu contexto mais amplo. A obra representa uma nítida proposta de percepção e estudo crítico da língua e o quanto ela muda e se reconstrói a todo instante, em todos os cantos do país, no cotidiano de pessoas que guardam dentro de si, conceitos e aprendizados arraigados por muitos anos, conceitos estes, que foram adquiridos dentro do seu convívio social e familiar e que foram passados de geração em geração.
Bibliografia:
A Língua de Eulália: novela Sociolinguística /BAGNO, Marcos, 16. Ed. – São Paulo : Contexto, 2008.