O CAVALEIRO KADOSH
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Os ensinamentos do grau
O Cavaleiro Kadosh é o título do iniciado no grau 30 da Maçonaria do Grau Escocês. Como em todos os graus filosóficos, esse grau também comporta ensinamentos exotéricos e esotéricos. Os primeiros se referem ao questionamento feito aos candidatos à elevação e que versam sobre questões morais, sociais, políticas, legais e outras, que estão na nossa vida cotidiana. Questionam-se os candidatos a respeito de suas opiniões sobre a família, matrimônio, divórcio, direitos e deveres sociais, moralidade, liberdade, educação, organização social e política, direitos humanos, trabalho, práticas comerciais e econômicas, institutos jurídicos, virtudes morais, enfim, uma gama de assuntos que denotam a versatilidade e o nível de informação que deve possuir o Irmão para poder ser elevado a esse grau.
Após as respostas dadas pelos candidatos, são os mesmos convidados a subir a Escada Mística, onde serão instruídos sobre as chamadas Artes Liberais, que serão o complemento final e fundamental para que eles se tornem o Cavaleiro Kadosh, ou seja, o Consagrado.
Os Cavaleiros Kadosh se reúnem no Aerópago, palavra gre-ga que quer dizer Praça do Conselho, razão pela qual os graus filosóficos também se denominam aeropagitas.
Aerópago
A inspiração dos graus filosóficos também tem um pé na antiga Grécia. A própria denominação "Areopagita" denuncia essa relação. O Areópago era o tribunal ateniense encarregado do julgamento daqueles que cometiam crimes contra o estado. Os acusados submetidos ao julgamento do Aerópago não tinham direito á apelação. Essa espécie de conselho foi copiada também pelos cavaleiros medievais, que realizavam suas ordálias em um local semelhante ao Aerópago grego. No início, os praticantes do Rito Escocês aplicaram esse sistema ás assembleias que se reuniam para as seções dos graus 19 a 30, razão pela qual eles se tornaram conhecidos como graus aeropagitas.
O Areópago, na origem, era um conselho de 31 membros da sociedade, escolhidos entre os aristocratas atenienses. Suas atribuições variavam conforme os diferentes tipos de governo que vigoravam em Atenas, por isso sofriam as alterações requeridas pela necessidade política. Entre seus membros eram escolhidos os arcontes. Em número de dois, eles eram uma espécie de "reis", cada um responsável por um aspecto diferente do governo de Atenas. O nome "areópago" é uma adaptação do termo areopagus (ou Areios Pagos, de Ἄρειος πάγος), que siginifica "A Colina de Áries", uma referência ao deus da guerra.
Essa referência se deve principalmente ao fato de que em tempos de guerra, os arcontes tinham que cumprir funções militares. Em tempos de paz o areópago funcionava como tribunal responsável pelos julgamentos dos crimes contra a vida e contra o Estado. Os membros do Areópago eram aristocratas escolhidos nas melhores famílias atenienses, razão pela qual formavam um grupo de “eleitos”, supostamente os cidadãos mais virtuosos da comunidade. Dai a sua analogia com a Maçonaria, dado o seu caráter de Assembleia elitista e corporativista.
O simbolismo do grau
Muito se tem comentado sobre a origem e a interpretação desse grau. Para alguns, como Da Camino, por exemplo, sua origem provém das Cruzadas, pois ele teria surgido a partir de uma Ordem de Cavalaria filiada aos Cavaleiros Teutônicos, a Ordem dos Irmãos Hospitaleiros de Santa Maria. *
Outros autores, no entanto, o veem como um grau de vin-gança templária, dedicado a vingar, simbolicamente, a morte do último grão-mestre da Ordem do Templo, Jacques de Molay.
A influência templária aparece claramente no ritual na parte em que é exposta a história da Ordem do Templo. Ali se diz que a Maçonaria adota dois ramos distintos: um bíblico, de inspiração judaico-cristã, e outro de influência místico ― cavaleiro (diga-se gnóstico-templário). Ambos teriam surgido em Jerusalém por ocasião das Cruzadas.
O Ritual diz que a Ordem do Templo, na origem fundada para atender objetivos puramente de segurança, (proteger os peregrinos que iam á Palestina visitar os lugares santos), mais tarde evoluiu para uma sociedade de caráter esotérico-militar, que além de perseguir seus objetivos profanos (políticos, econômicos, militares), também encobria objetivos filosóficos, aos quais tratava de forma esotérica, na melhor tradição dos filósofos gnósticos. Daí todo o mistério que envolveu os negócios da Ordem e a levou á dissolução, com a imolação na fogueira, do seu último grão-mestre, Jacques de Molay, e vários de seus membros.**
Malgrado as interpretações puramente emocionais que fo-ram dadas ao ritual do grau 30, é conveniente não esquecer o sentido do simbolismo que o grau encerra.
O termo Kadosh, que quer dizer santo, na simbologia do grau corresponde aos sete céus da filosofia gnóstica, onde habitam os santos e aos quais chegavam os iniciados subindo a escada de sete lances. No ritual se associam a cada lance dessa escada uma das sete artes liberais, que são a Astronomia, a Música, a Geometria, a Aritmética, a Lógica, a Gramática e a Retórica. Cada uma com suas correspondências astrológicas.
René Guenón descreve a Escada do Kadosh como sendo uma escalada iniciática onde o neófito começa no Primeiro Céu (Tsedakah), correspondente á Justiça e termina no Sétimo Céu (Emounah), correspondente á Fé. Assim, cada degrau da Escada do Kadosh corresponde, ao mesmo tempo, a um dos sete céus da tradição gnóstica e a uma das virtudes teologais. Unem-se, dessa forma, a doutrina da Igreja Católica e as tradições gnósticas. Assinala ainda, o citado autor, que esse simbolismo parece ser de origem caldeia, incorporado pelos gnósticos aos Mistérios de Mitra.***
É preciso ver nesse simbolismo também uma influência da Cavalaria medieval, tendo em vista o fato de que, muitas vezes, os exércitos medievais eram divididos em destacamento chamados “escadas”. Há também evocações á tradição hebraica, já que a Escada do Kadosh evoca, em primeiro plano, a Escada de Jacó bíblica, ligação mística entre a terra e o céu, por onde os “anjos sobem e descem.” Destarte, como bem viu Jean Palou, não é só de influências templárias que vive o grau 30, mas de uma série de tradições que vão muito além da Ordem do Templo.****
No moderno ritual, vários símbolos de diferentes origens e significados foram incorporados. Os trabalhos se passam em duas câmaras, uma vermelha outra negra, denunciando a in-fluência da tradição hermética. No magistério de Hermes tam-bém se fala das duas fases pelas quais deve passar a matéria prima da Grande Obra.*****
Uma águia branca e negra, de duas cabeças, denuncia a in-fluência da Maçonaria prussiana sobre o desenvolvimento do ritual, pois tal símbolo era o distintivo que ornava os estandartes do reino da Prússia no reinado de Frederico II.
A águia bicéfala simboliza também a liberdade e a ousadia que o maçom deve ter para pensar e tentar realizar seus planos e projetos. Símbolo de poder, força, liberdade e ousadia, a águia já foi o ícone de grandes nações, desde a Roma Imperial até os Estados Unidos da América, que a adotaram em seus estandartes. Esotericamente a águia bicéfala também simboliza a natureza dualística do homem, e a própria origem do universo, produto da interação entre forças antagônicas (positivo/ negativo).
O grau se utiliza de três estandartes (beaucéant), todos de influência templária. A frase “Deus o quer”, inscrita no primeiro estandarte, era o brado que os cruzados davam quando entravam em batalha. Da mesma forma, a frase em latim inscrita no segundo beaucéant, “vincere aut mori” (vencer ou morrer) é uma divisa importada dos cruzados. O terceiro estandarte trás o busto de Jacques de Molay, o último grão-mestre da Ordem do Templo. ******
Mais importante do ponto de vista simbólico é a Escada Misteriosa, de dois braços, composta de sete degraus cada, totalizando quatorze degraus, que aparece colocada no centro da câmara vermelha. Essa Escada, como vimos, é a Escada do Kadosh, pela qual o iniciado “sobe aos sete céus” da sabedoria, adquirindo as “sete virtudes teologais” e as “sete artes liberais” que lhe darão a Gnose necessária, que é a verdadeira iluminação. Por isso se diz que o Kadosh representa o supremo conhecimento.
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Notas.
* Da Camino, op citado, pg. 238.
**Para maiores informações sobre esse assunto veja-se a obra The Holly Blood and tem Holly Grail, já citada. Veja-se também Jean Francóis Labourdette- História de Portugal- Publicações Don Quixote, 2001.
***René Guénon- O Esoterismo de Dante, Ed. Pensamento S. Paulo, 1976.
****Jean Palou admite, entretanto, que os templários possam ter utilizado tal simbologia em suas iniciações. Sugere também que os Cavaleiros Kadosh são tanto guardiões da Terra Santa quanto do Cálice Sagrado (o Graal), tomando essa simbologia como representativa de uma verdade iniciática capaz de conduzir o iniciado á verdadeira iluminação. A Maçonaria Simbólica e Iniciática, op citado, pg. 287.
*****Idem, pg. 289
******Em francês no original. Beáuceant era o estandarte utilizado pelos Ca-valeiros Templários, denotando ao mesmo tempo a submissão daquela Ordem aos poderes espirituais representados pela tiara papal e os poderes seculares, representado pela coroa real e á própria Ordem representada pelo elmo de cavaleiro.
DO LIVRO MESTRES DO UNIVERSO- ED. BIBLIOTECA 24X7- SÃO PAULO, 2010