Coração Dividido

Rio, 27/12/10

Marina conheceu Carlos no calçadão do Leblon, durante gostosa tarde de verão, quando se esbarrou nele:

_ Desculpa!

_ Também, fui um desastrado. _ Sorriu encantado, com o jeito mimoso de ela ser. Aquele sorriso meigo e amplo de pessoa sincera e feliz, o cativou tanto que sugeriu: _ Que tal um refresco na livraria?

Examinou o relógio e disse:

_ Ainda me sobra um tempinho.

Ele ficou mais encantado ainda. Jamais viu uma jovem tão cumpridora dos horários. Logo que entrou na livraria, a moça correu para a sessão de livro infantil. Carlos a fitava sem perceber que o seu coração balançava por ela:

_ Gosta de leitura?

_ Muito.

_ Vejo que a literatura infantil lhe atrai o bastante.

_ Monteiro Lobato, Ziraldo e Milôr Fernandes.

_ Que País É Este.

_ Divertida sátira sobre a política do nosso País.

_ O que vai querer?

_ Um suco de laranja bem gelado.

Carlos pediu o mesmo e sentaram enquanto ela folheava o livro de Ziraldo:

_ Você fica ai me olhando _ Disse ela intrigada_ Um riso delicado: _ Também, já li alguns romancistas no meu tempo de ginásio.

_ É o tipo de leitura que me agrada. Tem os textos bem elaborados e respeitosamente, empregado no que diz respeito, a linguagem. Decerto, tratam nossa pérola com mais capricho. Diferente de tantas gírias e bordões que vemos por aí. Ah, esqueci de perguntar o seu nome?

_ Marina.

DMC

Carlos cantou o trecho de uma música que lhe veio à cabeça:

Marina, morena, Marina

você se pintou

Marina você faça tudo mas

faça o Favor ...

Não pinte esse rosto que eu gosto

Que eu gosto e que é só

Marina, você já é bonita

com o que Deus lhe deu

Encantada a moça sorriu exibindo omais belo riso que já viu em sua vida:

_ Carlos. Prazer em conhecê-la.

_ Parce que você advinhou que gosto dessa música.

_ De verdade?

_ Duvido que advinhe o poema que mais adorei ler?

Carlos titubeou um pouco então a moça recitou a primeira frase:

_ Minha terra tem palmeira...

_ Onde canta o sabiá.

_ O pássaro que aqui gorjeia...

_ Não gorjeia como lá.

A troca sincera de dois olhares voltados para si chamou atenção dos frequentadores da livraria e de repente foram aplaudidos. Encabulada Marina levantou e saiu correndo deixando olivro sobre a mesa:

_ Marina!

Carlos pagou a conta e tentou alcançá-la vendo que tomou o veículo que a direcionava a´te a urca. Nomeio do caminho o caminhão o interpelou e carlos socou o vento furioso.

Marina foi criada num orfanato. Não conheceu pai nem mãe. Quando se conheceu pela primeira vez passou vergonha sendo humilhada entre as pastoras que os cuidava. Nada disso abateu a moça que resolvaeu se dedicar inteiramente aos menores e os ajudar a se defender das maldades dos maiores, aqueles que batiam e levavam as crianças para o banheiro a fim de abusar delas. E quando reclamavam não eram ouvidos e ainda sofriam maltratos.

DMC

Cuidava tão bem das crianças que os visitantes começaram a ajudar o orfanato ter outra aparência. E algumas crianças foram beneficiadas com a adoção. Ao invés das pastoras ficarem agradecidas, judiaram de Marina. Aumentaram seu trabalho impedindo-a de ter condições de atender as crianças contando-lhes histórias para dormir ou brincar com elas no pátio. Um dia Marina trabalhou tanto que sentiu brusca febre no corpo, lhe causando o desmaio.

Nesse dia teve a primeira visão de linda mulher negra vestida numa roupa lustrosa nas cores vermelha, branco e adereços amarelos que lhe falava o seguinte:

Marina, Marina... Marina!

Espera e verá que esse calvário chegará ao fim.

Marina, só você tem a chave.

A chave que irá abrir muitos corações.

Marina ouviu ainda parte de breve cantiga em letras que deveriam ser estrangeiras. A imagem da mulher surgiu de uma bola de fogo que saiu das nuvens, do céu caloroso. Sendo cortados por eles dois raios enormes e ensurdecedores.

Oyá tete Oya balé Oya ten te a yaba,

Oya tete, Oya ten te Oyá,

Nesse meio tempo foi levada em um barracão de candomblé, onde foram feitos todos os preparativos para que a febre saísse de seu corpo. Não se movia porem escutava tudo e os que caminhavam. Ouviu vozes ríspidas expulsando alguém do local. De repente o tempo passou e Vinte dias depois saiu na sala do barracão vestida e paramentada como a mulher guerreira qual avistou.

Entretanto, nem tudo eram flores. E para colhê-las precisava atravessar os espinhos. Marina não teve dinheiro para custear aquela luxúria que foi apresentada. Em pouco tempo se viu obrigada a passar, lavar cozinhar e limpar os bichos usados nas oferendas de outras pessoas que ali entravam.

DMC

Preparava os ebós, banho de descarrego e levava na rua sacos pesadíssimos nas costas. A clientela do pai de santo foi aumentando e nesse instante, teve a infelicidade de conhecer a família Gomes da Costa.

Não desconfiava que o trabalho feito para livrar o filho único daquele casal do vício fosse lhe trazer tanto sofrimento. Alberto era bonito, charmoso e elegante. Todas as moças do barracão ficaram perdidas por ele. Mas, foi Marina a escolhida para trabalhar na sua casa como empregada. O deboche a seguia em coro:

_ Aí Marina, crente que ta abafando!

_ Há... Há... Há... Há!

_ Lava direitinho as calçolas do rapazote!

Marina pegou suas coisas e entrou no carro sem dizer nada. Marina chorou muito nos primeiros momentos. Havia se dedicado aos irmãos de santo e a casa apesar dos erros que cometiam com ela. A razão de sua partida se deveu ao fato de ter atirado um tacho de cobre cheio de acarajé na cara de um deles.

O tempo passou e a moça conheceu Alberto melhor. Ambos ficaram apaixonados e Marina evitava se entregar a ele esperando que pedisse sua mão. Alberto era noivo de uma socialite famosa e a família quando soube o proibiu, achando melhor o levar para Veneza.

Antes de partir, esperou os pais irem para Búzios. E naquela noite entrou no quarto de Marina tomando-a em seus braços enchendo-a de ilusões. Garantiu que a gravidez mudaria seus pais e poderiam ficar juntos. A princípio, Marina relutou bastante e acabou sendo forçada. Quinze dias depois vieram as primeiras suspeitas. E ao confirmar o que pensava foi ridicularizada pelos Gomes da costa. Eles ofereceram o dinheiro para Marina tirar a criança. Foi chamada de chantagista, interesseira e abusada. Alberto ia se casar com uma Limeira Frota. Qual era o nome dela? Quem era seus familiares? Como apresentaria a sociedade? Como a empregada de fundo de barracão que fedia a animais?

De tão desnorteada, aceitou o dinheiro pegando tudo que era dela e se mandou. No caminho da fuga a família perseguiu Marina e a moça caiu numa ribanceira perdendo a gestação. Seu Nicolau a encontrou e cuidou dela no quartinho que morava num sobrado.

DMC

Dyanne
Enviado por Dyanne em 28/12/2010
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