A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO, de MAX WEBER
RESENHA
LIVRO: “A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO”, DE MAX WEBER *
A princípio, Max Weber questiona as razões pelas quais os meios de administração do capital encontram-se no comando quase exclusivo de indivíduos adeptos do protestantismo. Para tanto, isto é, interrogando tal fato observável em sua época, Weber apoia-se em dados históricos, visando, com isso, a obtenção de respostas. Construindo um painel histórico-comparativo entre as especificidades do protestantismo, bem como do catolicismo, Weber extrai, então, o campo argumentativo que visa comprovar a burocracia religiosa como uma das principais determinantes na formação e na estruturação históricas do sistema capitalista.
O primeiro fenômeno analisado pelo sociólogo alemão está relacionado ao princípio de que os protestantes, com o objetivo em atingir elevadas posições no interior da estratificação social capitalista, necessitaram de certa posse prévia de capital estreitamente vinculada ao desenvolvimento de uma rigorosa formação educacional. Assim, alegando que o fator econômico estimula a autoridade no plano individual, foi possível ao Calvinismo, por ocasião do seu surgimento, transpor ao nível da ideologia de massas as novas leis econômicas e as novas relações sociais que provinham do poder da ascendente classe burguesa. Em linhas gerais, a burguesia cria o próprio “fiscal ideológico”, para, com isso, garantir, mediante a educação, a mão de obra qualificada e a manutenção do capital acumulado. Ademais, elevadas parcelas do referido capital são empregadas numa dispendiosa educação, voltada, exclusivamente, para a manutenção da posse do capital. À luz desses dados, Weber aponta para uma outra questão: por que a revolução religiosa ocorreu, afinal, em países compostos por grandes cidades e dotados de vastíssimos recursos naturais, além de apresentarem maior grau de desenvolvimento econômico na ocasião? Como já foi mencionado acima, tal fato está relacionado à posse prévia do capital herdada pelos protestantes. Outro fator está diretamente ligado ao direcionamento do ensino superior. Se, por um lado, o ensino católico visa exclusivamente uma formação humanística, desmotivando, desse modo, os estudantes rumo aos empreendimentos capitalistas, por outro lado, o ensino protestante fomenta, em seu currículo educacional, preparar indivíduos aptos a preencher os quadros especializados das empresas capitalistas, nas quais eles conseguem obter sucesso profissional, pois atendem aos requisitos da nova ordem econômica estabelecida, os quais requerem, sobremaneira, mão de obra qualificada.
Quanto à proeminente tendência do racionalismo econômico imanente ao Protestantismo - algo ausente no catolicismo -, Weber nos chama a atenção para estes respectivos posicionamentos opostos. Na verdade, eles devem ser procurados no caráter intrínseco de cada religião: em primeiro lugar, o caráter ascético do Catolicismo, a indiferença ao mundo num acentuado contraponto ao caráter obreiro do Protestantismo. Uma vez equacionada tal questão, obtemos o seguinte provérbio: “Coma ou durma bem”, no qual o primeiro verbo é a justa medida para os protestantes; o segundo, para os católicos. Contudo, esta visão unilateral pode nos levar a extremas contradições. O termo do provérbio reservado aos protestantes traduz-se em “alegria de viver”. Todavia, o passado evidencia o contrário, visto que entre os holandeses, os puritanos ingleses e os norte-americanos, além dos franceses, havia uma forte convicção religiosa na maneira de viver que determinava o alheamento do mundo. Por outro lado, as camadas sociais inferiores francesas, adeptas do Catolicismo, demonstravam intensos interesses nos prazeres da vida, característica tipicamente da mentalidade materialista. Weber estende-se noutros exemplos semelhantes. No entanto, o mais importante, se se quiser trabalhar com tudo o que foi apresentado até o presente momento, é tomarmos um certo distanciamento desses fenômenos contraditórios inscritos em cada religião, por ora questionada, e nos determos em observações sobre o seguinte par de opostos, isto é: ascetismo/anti-ascetismo, acrescentando a ele a reação contra a autoridade católica, representada em grande número pelos adeptos do Pietismo, além da ruptura que o Calvinismo promoverá ao estimular, entre os seus adeptos, a prática do comércio; requisito, aliás, poderoso, no que se refere ao desenvolvimento do capitalismo. Em suma, Weber enfatiza que, historicamente, ocorre a conjugação de duas máximas: a propagação de uma intensa religiosidade aliada ao espírito mercantil da ocasião, cujos vínculos, isto é, entre “espírito de trabalho” e o “progresso”, e o produto daí resultante jamais pode ser confundido com a “alegria de viver” dos protestantes, porque estão intimamente relacionados às características puramente religiosas.
Ponderando com mais intensidade sobre a configuração do quadro conceitual até o momento explorado e buscando as peculiaridades que norteiam a diversidade dos ramos religiosos oriundos do Cristianismo, Max Weber, por meio de uma série de citações atinentes às regulamentações econômicas que rege a vida social dos norte-americanos, proclamadas por Benjamin Franklin, e satirizadas como a “fé” do yankee – em virtude do conteúdo presente em cada mandamento econômico que, em seu conjunto, atribui à moeda um exagerado endeusamento -, Weber, no tópico “O ‘Espírito’ do Capitalismo” (cf. p.28), enfatiza que se um dos mandamentos econômicos (“tempo é dinheiro”, “crédito é dinheiro” etc) não for observado pelo fiel, o crente é acusado de infrator, além de não-cumpridor de seus deveres cívicos. Livre da influência direta da religião, esta característica particular do capitalismo ocidental configura toda uma significação cultural, e dela emana uma ética de caráter peculiar. Nesse caso, o capitalismo ocidental possui um “ethos particular”, pois é dotado de uma concepção utilitarista, mediante as qualidades que mais se destacam, como por exemplo: a honestidade financeira; a pontualidade nos pagamentos; a laboriosidade desenvolvida nas atividades profissionais dentre outras congêneres, as quais se tornam virtudes úteis ao cidadão comum, como por exemplo, somar ou ganhar dinheiro transforma-se, nesse caso, em finalidade última na vida dos indivíduos, na medida em que esta prática atinge níveis consideráveis dentro do campo do irracionalismo e do transcendentalismo religioso protestante. De outra parte, como base fundamental deste processo, destaca-se o dever profissional caracterizado como a “ética social” da cultura capitalista. Nesse sentido, tanto o fabricante que se opor às normas estabelecidas quanto os trabalhadores, ambos estarão sujeitos à exclusão do sistema econômico. Dessa forma, é viável ao capitalismo escolher aqueles que comporão o quadro burocrático-administrativo, porque eles deverão estar voltados à sustentação do referido sistema econômico. Por outro lado, toante Weber, é preciso refletir sobre uma questão, ou seja, como esta “filosofia de vida”, que não teve origem dentro do limites de “seleção social”, pode se firmar como norma de vida mediante a qual o poder capitalista consegue arrebanhar e convencer uma totalidade de indivíduos - sem qualquer reação preconceituosa - inserida no interior de um contexto histórico?
Nesse caso, é preciso situar as diferenças existentes entre os espíritos capitalista e o pré-capitalista; e Weber aponta para pontos decisivos nos quais estas diferenças se manifestam.
O espírito pré-capitalista pode ser ilustrado pelos holandeses que, dado à voracidade em ganhar altas somas de dinheiro, e não fazendo uso dos mecanismos racionais verificados atualmente nas grandes empresas capitalistas, enriqueceram-se; são tais fatos que explicam, segundo Weber, a breve hegemonia econômica holandesa num determinado período da história ocidental, mais especificamente quando da ocupação pelos europeus do continente americano. Em linhas gerais, o espírito do capitalismo exige não somente o acúmulo monetário, mas indivíduos inclinados a negócios, disciplinados, igualmente no que se refere à utilização racional do capital, bem como “trabalhadores conscientizados” a produzir cada vez mais, objetivando “melhorar de vida”, em detrimento à concepção de vida que se traduz em trabalhar para ganhar o suficiente para viver. Assim, o espírito capitalista e a determinação econômica inspiram uma luta constante sobre qualquer tradicionalismo econômico. Porém, partindo-se do princípio de que a classe dominante, isto é, a burguesia, é quem determina as medidas de aplicação salarial aos trabalhadores, são os últimos que exercerão, portanto, o papel de subserviência a tal conjunto de medidas capitalistas. No caso do surgimento de uma reação contrária, por parte dos trabalhadores, frente a tais arbitrariedades emanadas do poder burguês, o espírito do capitalismo convence as consciências de que o trabalho deve ser concebido como um fim absoluto, ou melhor, como uma “vocação”, distanciando, desse modo, as preocupações dos trabalhadores com respeito às questões salariais. O referido mecanismo, nesse caso, deita raízes no processo educacional do protestantismo, que se torna um poderoso aliado do capitalismo, na medida em que a referida educação caracteriza-se por se mesclar com os conceitos fundamentais do protestantismo. Resumidamente, podemos nomear este mecanismo como uma tríade composta pelos seguintes termos: educação-econômico-religiosa, propiciando, desse modo, a formação de um quadro de funcionários com alto grau de concentração mental, fato que, conseqüentemente, determinará uma maior produtividade no mundo do trabalho. Eis, então, a gênese do espírito capitalista.
Outras importantes particularidades são mencionadas por Max Weber. Dentre elas, a dos grandes empreendedores que, aplicando métodos específicos e eficazes de racionalização, aproximam-se dos consumidores por intermédio de certos princípios, como por exemplo, “baixos preços”, estimulando, desse modo, nos consumidores, o hábito do consumo e da aquisição material. Em contrapartida, cria-se o terreno propício para a luta contra os concorrentes, no qual as políticas econômicas de “baixos preços” e de “grandes giros” prevalecem e serão decisivas no que se relaciona à destruição do concorrente comercial mais fraco. Por meio de tais procedimentos, as fortunas adquiridas são reinvestidas em negócios, jamais favoráveis aos concorrentes, visando, sobretudo, a obtenção de lucros mediante a aplicação de juros sobre os empréstimos.
Neste ponto, Weber assinala que não foi o investimento maciço de capital injetado nas indústrias que propiciou tal estado de coisas, mas o surgimento do espírito do capitalismo moderno. Consoante argumento acima exposto, Weber afirma que onde se encontra este “espírito” surge o próprio capital, sem a necessidade de uma acumulação primitiva. Isto mais se evidencia ao situarmos o conjunto das particularidades e das qualidades éticas pessoais do empreendedor capitalista que se resume no seguinte: num primeiro momento, ele catalisa a atenção de fregueses e de trabalhadores. Geralmente, trata-se de um homem que lutou na “dura escola da vida”, portanto, um indivíduo tipicamente regido pela mentalidade burguesa. Num determinado momento, ele se afasta da religião, pois os negócios e o trabalho, ambos contínuos, absorvem todo o tempo livre do referido empreendedor. Tudo isto acompanhado de um forte desejo de considerações alheias, tendo em vista o intuito de adquirir a atenção de poderes ilimitados. Por tais fatores, o modo de vida do empreendedor capitalista adquire novos hábitos, cujos gastos desnecessários são eliminados, nada extraindo da própria fortuna e sempre “alegando” encontrar-se o patrimônio financeiro destinado para o futuro dos filhos ou dos netos. Esta posição oferece-lhe a sensação irracional de estar cumprindo com a sua tarefa. O sentimento religioso do empreendedor capitalista é descartado, bem como o protecionismo do Estado sobre os seus próprios negócios. Desse modo, as antigas bases do capitalismo, sustentadas pelo Estado e pela Igreja, com o aparecimento do “espírito” do capitalismo, têm as suas determinações negadas. Trata-se do rompimento definitivo com o que Weber denomina de tradicionalismo econômico.
Contudo, questiona Weber, como uma atividade que, na melhor das hipóteses, sobretudo eticamente tolerada, pode se transformar em vocação? Somente por meio das máximas de Benjamin Franklin?! Não necessariamente, pois isto se explica pelo fato do mundo do trabalho capitalista adquirir uma organização de caráter extremamente racional, dando origem ao racionalismo econômico, o qual preconiza a fabricação de bens materiais para a humanidade - discurso característico dos representantes do capitalismo - os quais transformaram este modo de trabalho na única finalidade da vida profissional. Somado ao idealismo, norteador das mentalidades dos homens de negócios, que declaram ter “dado” emprego a inúmeras pessoas, encontra-se o nacionalismo exacerbado, preconizador de que os homens empreendedores são responsáveis pelo florescimento econômico de sua terra natal, temos, desse modo, o surgimento de uma filosofia racional em seu mais alto grau de desenvolvimento, na qual o papel do protestantismo é apenas um espaço que poderíamos denominar de “estágio” historicamente anterior ao desenvolvimento do racionalismo totalitário - por Weber identificado como o espírito do capitalismo.
De outra parte, Max Weber explora os fundamentos religiosos do ascetismo laico, oriundos da Igreja Reformada, apresentando os principais representantes históricos do protestantismo ascético de forma esquemática, intencionando, com isso, evidenciar a inter-relação existente entre os diversos movimentos, além de tematizar o surgimento da luta dos referidos movimentos contra a manutenção da unidade da Igreja, isto é, contra a afirmação da doutrina da predestinação e das sanções psicológicas da nova prática religiosa, coagindo e orientando o indivíduo a agir conforme interesses religiosos práticos.
Calvinismo
O principal fundamento do Calvinismo encontra-se na doutrina da predestinação. Este dogma causou o cisma da Igreja Inglesa, representando um perigo político aos detentores de poderes laicos. Isto se explica na medida em que os seus adeptos, uma vez orientados pelos credos que nasciam dos Sínodos (donde nasce o corpo de “leis” que rege a doutrina da predestinação), faziam da elevação de sua autoridade (os predestinados) o elemento mais importante da luta religiosa.
Uma das primeiras causas ligadas ao advento da doutrina da predestinação encontra-se no Luteranismo, mediante o protesto de Lutero ao pregar o sentido religioso da graça decretado pelos desígnios secretos de Deus. Em razão da vigorosa prática político-religiosa na qual Lutero se empreendeu durante a Reforma, tal fato o fez se afastar da idéia centralizada em Deus, substituindo-a por uma maior aproximação dos homens. Nesse sentido, o Calvinismo surge como um dogma que luta contra tal imposição, forçosamente decretada por Lutero, visto que Calvino determinará que os interesses estão apenas direcionados a Deus, não aos homens. Com efeito, a doutrina calvinista afirma que somente alguns homens são bem aventurados (doutrina da predestinação), e que nosso destino individual é algo tenebroso e misterioso. Desse modo, Deus não estaria submetido a nenhuma lei e, ao mesmo tempo, a morte é decretada aos homens que não respeitam as leis divinas. Este Deus calvinista configura-se como um Ser transcendental, além do alcance do conhecimento humano. O fato deste Deus conceder graça exclusiva tão-somente a alguns indivíduos, coloca-os em situação de extrema solidão, não permitindo aos designados qualquer sacramento ou sacerdote que possa auxiliá-los. Esta é uma característica típica do puritanismo genuíno que no Luteranismo não foi desenvolvido até o final. Daí tem origem a notável diferença entre o Catolicismo e o Calvinismo, na medida em que o último elimina e rejeita a “magia do mundo” representada por meio de símbolos, como por exemplo: cerimônias religiosas, músicas, sacerdotes etc. Desenvolvendo um individualismo de inclinação pessimista, o Calvinismo destrói qualquer tipo de manifestação subjetiva do ser por parte dos fiéis, pregando a descrença total nos homens ou até mesmo no mais íntimo amigo. Por outro lado, ocorre a irrupção de um acontecimento de grande importância para o desenvolvimento ético do Calvinismo, isto é, desaparece o ato da confissão. Nesse caso, somente Deus é o confidente. As conseqüências lógicas deste fato estão no isolamento espiritual do puritano, porque ele se preocupa somente com a própria salvação. Tais elementos criam no indivíduo um medo extremado. Para a superação deste medo, o Calvinismo, pregando que o mundo existe apenas para a glorificação de Deus, recomenda a prática da ordem social do mundo consoante os desígnios divinos – eis, aqui, o apaziguador do conflito. A prática da ordem social resume-se em revestir as tarefas diárias de um caráter objetivo e impessoal. Surge, dessa forma, para os calvinistas, a organização racional do meio ambiente, além da completa eliminação do problema teocrático. A doutrina da predestinação em muito contribuiu para o êxito deste projeto. Na certeza da graça, concedida aos predestinados, estes se atiram numa intensa atividade profissional, adquirindo autoconfiança quanto à certeza da graça concedida, impedindo, dessa forma, qualquer tipo de sentimento que venha causar ansiedade religiosa. Os fiéis adquirem, enfim, a fé.
Para os calvinistas, a fé deve, por meio das obras humanas, apresentar resultados objetivos. Consoante Weber, na prática, isto significa que Deus ajuda quem se ajuda. Porém, para o Calvinismo as boas obras devem ser integradas, racionalizadas, jamais resumindo-se a atos isolados, a exemplo do que ocorrera no Catolicismo. Portanto, para os puritanos calvinistas, a racionalização do mundo e a eliminação da “mágica” são os únicos instrumentos suficientes para a salvação da alma. Esta santificação pelas obras, coordenada por um sistema unificado, aproxima-se do “Cogito, Ergo Sum”, de Descartes; aliás, máxima adotada pelos puritanos, donde origina-se toda uma reinterpretação ético-religiosa das Escrituras. Nesse caso, o ascetismo cristão adquire tanto um caráter racional quanto um método específico. Sob o impulso dos credos inclinados a liberar os homens dos impulsos irracionais provenientes do mundo e da natureza, anulando-os quanto ao gozo espontâneo e habilitando-os a uma vida alerta, é o resultado de tal comportamento que assegura ao Calvinismo o título de Igreja Militante. Porém, o ascetismo é transformado em atividade terrena. Assim, dado à formação de uma aristocracia espiritual integrada no mundo, pregando hostilidades aos não-pertencentes ao mesmo grupo, tal ambiente gera um clima de insatisfações, de conflitos. Desse modo, por parte dos excluídos, originam-se seitas religiosas provindas do próprio Calvinismo. As referidas seitas irão apoiar-se na doutrina da prova para se auto-conduzirem como movimentos distintos do Calvinismo. Mas, pelo fato de originarem-se de uma só corrente, isto é, do protestantismo ascético, seguem uma única lógica: “a busca pela ordenação racional sistemática da vida moral global”, toante argumento de Weber.
Pietismo
O Pietismo é um movimento religioso que se destaca pela busca da conexão entre a predestinação e a doutrina da prova: nisto reside o interesse fundamental do Pietismo. No interior do Pietismo reformado (holandês e do Baixo Reno) encontramos a ênfase na práxis pietista e na ortodoxia doutrinal, ambas em segundo plano. Na verdade, com o Pietismo, ocorre o reforço da prática religiosa em detrimento da teoria, ou seja, da teologia. Porém, na “eleição” dos predestinados, o conhecimento teológico e a práxis pietistas devem estar conjugados no decorrer da “escolha”. Mas o que mais diferencia o Pietismo do Calvinismo encontra-se no ascetismo acentuado dos pietistas, no intuito de “gozar a vida” junto a Deus na conduta diária. Daí originam-se verdadeiras cenas de histerismo, dado o lado emocional dos fiéis exacerbado pelo pietismo. Trata-se da religiosidade prática empenhada no gozo da salvação, distanciando-se da preocupação ascética; é uma busca em tornar visível a Igreja dos escolhidos na Terra. Em resumo, é tanto uma intensificação quanto uma explicitação da doutrina da prova. Porém, o maior trunfo do Pietismo consiste no auxílio que presta quanto à penetração da conduta metódica e supervisionada nas seitas não-calvinistas. Outro dado importante inscrito no Pietismo está relacionado ao tipo da graça divina manifestada: ela é oferecida uma única vez aos homens. Trata-se da doutrina do Terminismo. Além disso, o Pietismo possui um desprezo total pela especulação filosófica, pois, como já fôra acima assinalado, a preferência da doutrina recai no conhecimento empírico. Daí origina-se a Irmandade, que se configura como uma grande empresa de negócios. Contudo, caso comparado com o Calvinismo, a intensificação racional da vida pelos pietistas foi menos acentuada, sobretudo em relação à preocupação constante com o estado de graça que, a todo momento, deve ser colocado sob a análise da doutrina da prova.
Metodismo
Como o próprio nome sugere, no Metodismo a preocupação doutrinal concentra-se no caráter sistemático e metódico da conduta do sentido na obtenção da graça divina. Existe uma forte ênfase no que se refere ao aspecto emocional, cuja absoluta certeza do perdão tem “hora marcada” para acontecer. A serena convicção do Calvinismo quanto à autoconfiança na predestinação toma novo rumo no Metodismo, haja vista a predestinação empírica tornar-se evidente tão-somente por intermédio do juízo de terceiros. No Metodismo, as obras são os meios pelos quais podemos avaliar o estado de graça de alguém, contanto que sejam realizadas exclusivamente para a glória de Deus. Por fim, uma vez despertada a emoção, esta deve ser direcionada rumo a uma luta racional, objetivando, com isso, a perfeição.
As Seitas Batistas
O princípio fundamental deste grupo religioso repousa no campo ético, o qual difere, em princípio, da doutrina calvinista. Como o próprio nome revela: seitas, porque possuem a propriedade de redimir as pessoas. O dom da salvação, nesse caso, ocorre mediante a revelação individual, ou seja, “pela ação do espírito Divino do indivíduo, e apenas deste modo”, consoante Weber. Nesse sentido, os batistas estão incumbidos de dar continuidade às revelações de Deus que, a princípio, foram dirigidas aos apóstolos. Partindo do princípio de que somente a luz interior de contínua revelação habilita alguém a entender a Bíblia, os batistas desvalorizam todos os sacramentos, pois Deus, na concepção da doutrina batista, nos fala por intermédio da consciência. Desse modo, ocorre o fenômeno da rejeição da predestinação, substituída pela idéia de “Espera” (“meeting”, dos quakers). Da atitude individual, que resulta de todas estas convicções, os elementos que constituem as Seitas Batistas qualificam-se pela ponderação nos negócios, cercada de atitudes tipicamente individuais.
Do embate necessário dos crentes batistas serem obrigados a viverem no mundo, relacionando-se socialmente com os não-crentes, surge a vocação estritamente de caráter econômico. Tendo em vista a oposição quanto a qualquer tipo de vida aristocrática, os batistas são orientados a assumir vocações apolíticas, atitude que resulta em máximas tais quais: “filosofia de vida”; “a honestidade é a melhor política”, dentre outras.
Por fim, Calvino considerou o cristão livre de todas as proibições inexistentes nas Escrituras, o que torna lícitas as práticas do capitalismo, em especial o empréstimo a juros – até então condenado pela Igreja Romana. Portanto, caso comparado a Lutero, Calvino foi mais liberal quanto à questão da usura. Enquanto Lutero hostilizava as práticas capitalistas, considerando-as “obra do demônio”, ao contrário, Calvino afirmava que “Deus dispôs todas as coisas de modo a determinarem a sua própria vontade.” Ou ainda: “Deus chama cada um para uma vocação particular cujo objetivo é a glorificação dele mesmo. O comerciante que busca o lucro, pelas qualidades que o sucesso econômico exige: o trabalho, a sobriedade, a ordem, responde também o chamado de Deus, santificando de seu lado o mundo pelo esforço e sua ação é santa.”
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O Calvinismo constitui-se na religião do sistema capitalista. Muitos afirmam que a doutrina de Calvino sobre a usura foi um dos fermentos que fizeram desenvolver no mundo ocidental a mentalidade capitalista. Max Weber, na consagrada obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, em muito contribuiu para a difusão dos referidos argumentos.
BIBLIOGRAFIA
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 4 ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985.
PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS
Campinas, é primavera de 2006.
* NOTA
Recomendação ao futuro leitor: consultar o livro in “Notas do Autor”, visto que, para a construção do presente texto, Max Weber fez uso de uma vasta bibliografia, dando origem a uma profusão de citações ou notas que ocupa grande parte do livro, isto é, da página 133 até a página 225, merecendo, do meu ponto de vista, um outro estudo.