Maravilhosa Graça, de Philip Yancey (capítulos 1 a 4)
Como andará a fé das pessoas nestes dias de tantos descaminhos e exacerbada violência física e moral? O que teria mudado desde a época em que Jesus Cristo viveu aqui na Terra, que possa explicar a mudança do comportamento humano em relação à igreja, a ponto de se perceber, na atualidade, uma postura de reserva ou mesmo afastamento por parte de muitos?
A partir desse questionamento, Philip Yancey se pergunta, também, se haveria uma palavra expressiva e forte o bastante para ter chegado aos nossos dias sem que seu verdadeiro sentido tivesse sido deturpado, e que contivesse a chave para a resposta às questões por ele colocadas logo no início do primeiro capítulo de seu livro. Pois é na palavra “graça” que ele rapidamente encontra sua resposta, rotulando-a, no contexto da teologia, de “a última palavra perfeita”, cujo sentido e viço originais, nesta ou naquela língua, ainda seriam os mesmos.
Lançando mão de uma história clássica, escrita pela dinamarquesa Karen Blixen, sob o pseudônimo Isak Dinesen – “A Festa de Babette” –, Philip Yancey observa que a graça vem a quem a recebe livre de qualquer pagamento, como a festa proporcionada pela genial cozinheira Babette aos moradores desiludidos de uma pobre aldeia de pescadores no litoral da Noruega (de ruas lamacentas e cabanas cobertas de palha), festa que, custeada por Babette com o dinheiro que ela acabara de receber por ter sido contemplada com um bilhete de loteria premiado, tornou-se um evento inesquecível naquela comunidade, como uma verdadeira graça recebida por quem sequer fizera por merecer tal presente.
No capitulo seguinte, o autor chama a atenção para a “pressão virulenta de falta de graça que aparece em todas as religiões”, fenômeno que extrapola a esfera religiosa e acomete até célebres personalidades defensoras do humanismo, que chegam ao extremo de inventar verdadeiros “sistemas de ausência de graça” para substituir os que foram rejeitados pela religião. Tal fato, aliado ao mundo cada vez mais competitivo que nos vai engolindo a todos, acaba por criar uma atmosfera de não-graça que a todos sufoca. E lá no fundo, no íntimo de cada um de nós reside um anseio irresistível pela graça, e é nessa direção que todos sentimos que devemos caminhar, porém quase sempre sem nos darmos conta de que “a graça está em toda parte, como lentes que não percebemos porque estamos olhando através delas”. Assim escreve Philip Yancey, registrando também que “finalmente, Deus me deu olhos para perceber a graça que me cercava. Tornei-me escritor, tenho certeza, na tentativa de restaurar palavras que foram empanadas por cristãos sem graça”, e ainda, “espero, sinceramente, que a igreja se torne uma cultura nutridora dessa graça” – a graça de Deus.
Observa, Philip Yancey, que Jesus falou, com freqüência, da nossa resistência inata à graça, e descreveu um mundo banhado pela graça de Deus: onde o sol brilha sobre bons e maus; onde as aves recolhem sementes de graça, sem arar nem colher para merecê-las; onde flores silvestres explodem sobre as encostas rochosas das montanhas sem serem cultivadas. Como um visitante de um país estrangeiro que percebe o que os nativos não percebem, Jesus viu a graça por toda parte. Mas Ele nunca analisou nem definiu a graça, e quase nunca usou essa palavra. Em vez disso, transmitiu graça por meio de histórias que conhecemos como parábolas, a exemplo das que o autor narra em seu livro, ambientando-as em cenários atuais, para que melhor nos identifiquemos com elas.
Por meio dessas parábolas, originalmente contadas por Jesus há dois mil anos, Yancey chama a atenção para o que seria a essência das mensagens de Cristo: o amor incondicional de Deus por todos nós, o fato de que Sua graça vem “de graça”, e a quem, aos nossos olhos, poderia até não ter merecimento. Pessoas que de certa forma falharam, cometeram erros, e que por causa disso, mais dia, menos dia, acabam se vendo abandonadas, na mais completa miséria, de repente são resgatadas para a vida, perdoadas incondicionalmente. Como o “pai cego de amor”, que espera, sofredor, insultado, mas desejando mais do que tudo perdoar e começar tudo de novo, para anunciar alegremente: "Este meu filho estava morto, mas reviveu; estava perdido, e foi achado". Assim é Deus, nosso Pai. E essa é a maravilhosa graça, a graça de Deus, essência da mensagem de Philip Yancey, apresentada ao leitor já nos primeiros quatro capítulos de seu inspirado livro.