PEQUENAS HISTÓRIAS DE SÃO BENTO

LIVRO DO CRONISTA DONALD MALSCHITZKY e  FOTOS DE MÁRCIO NEUMANN REÚNE CASOS PESSOAIS E HISTÓRIAS DA TRAJETÓRIA DA CIDADE.


Antes que a história vivenciada e registrada na memória de moradores de São Bento do Sul fosse esquecida pelos próprios autores, o cronista são-bentense Donald Malschitzky tratou de publicar algumas das pequenas peças do grande mosaico que contempla a trajetória da cidade de um ângulo mais humano.

Com 194 páginas, tiragem de 1.500 exemplares:“Pequenas Histórias de São Bento – Memória Oral de Personagens Vivos de São Bento do Sul” é o resultado de entrevistas com 52 São-bentenses natos ou que fizeram por aqui. O lançamento do trabalho foi na Câmara de vereadores da cidade no dia 19 de outubro passado

 
Maurélio Machado 
 
São Bento do Sul não foi uma cidade propriamente conhecida pela resistência ao regime militar implantado no Brasil em 31 de março de 1964, tanto que, quando só se permitia dois partidos no Brasil, num simulacro de democracia, no início, aqui foram formadas a Arena 1 e a Arena 2, de apoio ao regime, e nada do MDB, que seria oposição.Mas houve, sim, quem tentasse se opor, principalmente motivado pelas utopias e pela ousadia da juventude. Maurélio Machado era um desses jovens que, graças à ousadia, teve que se esconder durante um tempo para não ser detido por causa de suas ideias. Não sem saudade, conta parte de sua história.
 
Líder estudantil em São Bento 
            Eu estudava no Colégio Marista (Ginásio São Bento) e estava na liderança estudantil. Era presidente da USBES – União São-bentense de Estudantes Secundários quando, em 1964, estourou a revolução e nossa diretoria assinou aquela “famosa” carta da UNE*, contra os militares e a favor da continuidade do Governo Jango**. É claro que ela caiu na mão dos militares. Nessa época eu já estudava em Rio Negro e tinha um amigo, professor de matemática, o Antonio Dias, que, inclusive, foi preso, mas antes conseguiu me avisar para não comparecer às aulas, pois estavam me procurando, juntamente com o Gonçalvez, que era o presidente da União Mafrense de Estudantes Secundários. Então não compareci mais ao colégio e revezava as dormidas na casa de meu tio e de minha prima. Eles chegaram a dar uma batida em São Bento, na minha casa, mas aqui disseram que eu estava em Rio Negro, mas não sabiam direito o endereço, o número da casa, coisa assim. Foram até a casa de minha prima, para sorte minha eu estava na casa do tio, mas a prima, inocentemente, disse onde eu estava, só que eu havia saído e não me acharam mais. Assim fui driblando; fiquei uns três meses quase sem sair, meio escondido, até que a coisa começou a amainar, mas antes disso dois ,estudantes, um de codinome Laguna e outro Jaraguá me procuraram e me convidaram para ir para Cuba para treinamento e também pra me isolar. Eu era um guri de 18, 19 anos e não aceitei, mas eles foram, estudaram e posteriormente voltaram para a política nacional.
            O professor Antonio Dias foi preso mais tarde, levado a Florianópolis e “julgado” por um tribunal militar. Condenado a fuzilamento, juntamente com o Gonçalves, um senhor aqui de São Bento e outros mais, foram encaminhados para a execução, contra o muro, olhos vendados, tudo. Deram tiros de festim e aconteceram desmaios etc.. Se tivessem me pego, talvez eu estivesse lá. Deve ter sido uma sensação horrível. Esse senhor de São Bento sofria do coração e, poucos meses depois, faleceu. 

O porquê de ser de esquerda
            Falando na USBES, essa manifestação não foi “oba, oba”, nós já vínhamos participando de congressos União Brasileira de Estudantes em Jaraguá, Curitiba, Laguna, Florianópolis. Tivemos um famoso caso em Laguna, por exemplo: lá tomamos uma rádio para ler um manifesto comunista! Fomos lá, afastamos o pessoal da rádio e tomamos conta. Até a polícia vir, já estava lido o manifesto. Nós estávamos abrigados na igreja e o padre não deixou a polícia entrar. Ficamos ilhados ali praticamente por dois dias. Eu e mais alguns conseguimos sair de madrugada e pegar um ônibus para Florianópolis.
            No Colégio Marista, em Jaraguá, depois que descobriram nossa linha, os maristas nos “convidaram a sair”, quer dizer, nos expulsaram de lá. Também recebíamos muitas visitas de lideranças da época que tiveram que deixar o País. Depois retornaram e se elegeram deputados etc. O Gabeira, por exemplo, era uma pessoa que conhecíamos da militância. Teve muito mais gente, mas é difícil lembrar. É uma pena que o livro de atas se perdeu e seria muito interessante resgatar essas histórias. Os estudantes tinham mais uma simpatia pelo Partido Comunista do que uma filiação, algo organizado. Era também um pouco de “sou do contra”, uma revolta contra as instituições existentes, é colégio marista, é isto, é aquilo. Não eram todos de esquerda, havia muitos, inclusive de Joinville, que eram até da extrema direita.
A sede da União São-bentense de Estudantes era no Colégio Marista, nossa diretoria foi eleita – a eleição era entre vários colégios – com a maioria dos votos de todos colégios, menos do marista, onde perdemos. Os maristas, como não conseguiram eleger a diretoria imposta por eles, nos tiraram a sede e fomos praticamente expulsos, e a sede passou a ser na minha casa.
A verdade é que, com isso, a Revolução cortou todas as lideranças políticas da época. Queimaram a sede da UNE e ficou um período de 20 anos em que não se formaram novas lideranças.
As lembranças que ficam era de uma época que a gente se empolgava. Tinha aquela fogueira da juventude. Havia aqueles que diziam: “Eu quero ser irmão marista”, pois a gente dizia: “Eu quero ser comunista”, sem ter bem uma idéia do risco que corríamos, mas tínhamos a noção de que a ideologia não significava aquele perigo que apregoavam para o Brasil.
            
 
            
 
 
*  União Nacional de Estudantes
**João Goulart -Presidente do Brasil, deposto e 31 de março de 1964