BUSH NA BABILÔNIA - TARIQ ALI
“Os poetas que compreendem a história costumam estar cheios de pressentimentos profundos.”
O título não poderia ser mais sugestivo. Babilônia, a cidade daninha da Mesopotâmia presente no Antigo Testamento, também é a confusão, a babel... O imperialismo, a resistência e o caos.
Tariq Ali alerta para a importância da memória histórica para resgatar as origens de um povo e compreender seus contextos atuais. Descreve a história do Iraque, berço da escrita cuneiforme e do código de Hamurabi, suas fronteiras atuais delimitadas pela colonização inglesa, após a queda do império otomano, mas o grande destaque na narrativa é a exposição de como a cultura é importante para a política árabe e como estão inter-relacionadas.
Poemas de dois poetas iraquianos exilados pelo regime de Saddam Hussein e que se recusam a aceitar a ocupação, Saadi Youssef e Mudhaffar al-Nawab, ilustram o sentimento do povo iraquiano.
Saadi Youssef observa de longe seu país e, às vésperas da guerra de 2003, presencia uma reunião de “traidores” num hotel de Londres para discutir o futuro do Iraque após a “libertação”. Indignado o poeta escreve um poema “Bodas de Chacal”, dedicado ao colega poeta Mudhaffar al-Nawab, exilado em Damasco: “Ó Mudhajjar al-Nawab,/ façamos um trato: irei em teu lugar/ (Damasco é longe demais daquele hotel secreto...)/ Cuspirei no rosto dos chacais,/ Cuspirei em suas listas,/ Irei declarar que somos o povo do Iraque/ As árvores genealógicas desta terra,/ orgulhosos sob nosso modesto abrigo de bambu”.
Mudhaffar al-Nawab também redige seu alerta solene em março de 2003: “Você perdoaria uma tropa sem lei/ Por ter-lhe puxado o rígido cadáver/ Da forca?/ E nunca acredite em um guerreiro da liberdade/ Que renasce sem armas!/ Acredite em mim, pois já queimei no crematório./ A verdade é que você é tão grande quanto seus canhões,/ Enquanto as multidões que sacodem garfos e facas/ Olham somente para o próprio estômago./ Ó, meu povo apaixonado por nossa terra mãe/ Não me assustam os bárbaros reunidos em nossos portões./ Mas, sim, os inimigos aqui dentro.”
Somos levados por uma viagem no tempo. Percorremos os séculos do império otomano; a definição dos países depois da Primeira Guerra Mundial de acordo com os interesses europeus; a colonização inglesa e suas reações; a independência do Iraque em 1958; o comunismo; o partido Baath na Síria e no Iraque; a chegada ao poder de Saddam Hussein em 1979; a sanguinária guerra Irã-Iraque estimulada pelas grandes potências mundiais que em oito anos matou milhões de pessoas e alimentou o mercado de armas; a invasão do Kuwait; o retorno de Osama bin Laden à Arábia Saudita recebido como o “guerreiro da liberdade” por seu papel na derrota da União Soviética no Afeganistão e seu desejo de mobilizar seus fedains para derrotar Saddam Hussein a quem acusava de ter transformado o Iraque num Estado laico; a guerra do Golfo e a “disputa de tiro ao alvo” para destruir um exército em retirada; a oposição dos fundamentalistas islâmicos à presença de forças “infiéis” em território sagrado islâmico, considerada um ato de traição, e a conseqüente formação do grupo al-Qaeda; a destruição da infra-estrutura social do Iraque; o regime de sanções imposto pela ONU durante anos, e os interesses não manifestos no processo de democratização e de reconstrução do Iraque.
Bush na Babilônia traz fatos históricos e opiniões que devem ser conhecidos e ponderados por cada leitor na interpretação do imperialismo e da resistência.