Resenha complementar do livro Ingleses no Brasil (2000) de Gilberto Freyre.
No começo do século XIX, quando o príncipe regente D. João abriu os portos do País, os ingleses começaram a chegar ao Brasil - em especial, para São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A Inglaterra era possuidora de uma frota poderosa que percorria o mundo, e os ingleses esperavam encontrar aqui uma boa oportunidade para expandir sua indústria e comércio, bem como obter o máximo de lucro.
Naquela época, a cidade do Recife possuía, aproximadamente, 200.000 habitantes, e a colônia inglesa já se apresentava de forma bastante expressiva, com a presença das seguintes firmas, bancos e empresas concessionárias de serviços públicos: a Western Telegraph Company (que possibilitava o contato com o mundo, através do cabo submarino), Pernambuco Tramways and Power Company (que interligava o Recife, com os seus trens, às demais cidades de Pernambuco e do Nordeste), Huascar Purcell, Pernambuco Paper Mills, Western of Brazil Railway Company, Price Waterhouse, Machine Cotton, John A. Thom (negociante de algodão, borracha, açúcar, mamona, cera), Cory & Brothers, Bank of London & South America, London & River Plate Bank, Royal Bank of Canada, Boxwell & Cia. (o maior estabelecimento de enfardamento de algodão), Williams & Cia.(exportadores de açúcar e algodão), Conolly & Cia. (casa de câmbio), Ayres & Son (representante de várias firmas e fabricantes), e White Martins.
Em 1810, entre Portugal e Inglaterra foi celebrado o Tratado de Navegação e Comércio. Seu artigo 12 estabelecia: os vassalos, de Sua Majestade Britânica, que morressem em territórios de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, devia ser enterrado em lugares designados para este fim. Portanto, no ano seguinte, tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, já haviam sido escolhidos alguns terrenos para servir de cemitério aos súditos britânicos que, por não serem católicos, não podiam ser enterrados em templos católicos ou em pequenos cemitérios a eles anexos, devendo ser enterrados em qualquer outro lugar: nas praias, nas campinas ou em outras áreas descampadas.
No que se refere a Pernambuco, em 1814, o Governador da então Capitania, sob as ordens do Príncipe Regente, tinha mandado demarcar em um lugar chamado, desde o século XVI, de Santo Amaro das Salinas "um terreno de 120 palmos de frente sobre 200 de fundo, desapropriando e doando aquela área ao Cônsul Inglês com a finalidade específica de ali ser construído o Cemitério dos Ingleses. Nas suas proximidades existia o Lazareto de Santo Amaro, onde eram postos em quarentena os escravos recém-chegados da África, o que demonstra o relativo isolamento do lugar então escolhido". Por iniciativa dos próprios ingleses, entretanto, a área foi ampliada mediante a aquisição de terrenos vizinhos.
O Cemitério dos Ingleses está localizado na Avenida Cruz Cabugá, bairro de Santo Amaro, trajeto que liga o Recife a Olinda. Encontra-se fechado a maior parte do tempo. Apresenta um portão de ferro datado de 1852 - obras dos ingleses da Fundição d'Aurora - e possuem um administrador particular, não remunerado, que é eleito, em sua maioria, por ingleses e/ou seus descendentes que ali possuem jazigos. Na capela do referido cemitério pode-se encontrar, também, uma exposição de ex-votos.
A influência inglesa em Pernambuco foi bem marcante. Quando a atual avenida Conde da Boa Vista se chamava apenas de Rua Formosa, já existia uma igreja anglicana - a Holly Trinity Church - local onde se encontra, hoje, o Edifício Duarte Coelho e o cinema São Luiz. Os recifenses chamavam-na de Igrejinha dos Ingleses. E, no número 35 do antigo aterro da Boa Vista (a atual Rua da Imperatriz), existia o British Hospital, uma casa de quatro andares, com um cais de embarque e desembarque no Capibaribe, que era destinada, em princípio, aos súditos britânicos, e que encerrou as suas atividades no final de 1878. Na própria Rua Padre Inglês, no bairro da Boa Vista hoje chamada de Rua do Padre Inglês, os ingleses costumavam se hospedar.
O último bonde inglês a circular no Recife fazia o trajeto Boa Vista - Madalena, e funcionou até março de 1954. O bonde de número 104, contudo, conseguiu ser preservado: permanece exposto na frente do Museu do Homem do Nordeste, na Fundação Joaquim Nabuco.
INFLUÊNCIAS DA CULTURA INGLESA
Linguagem
Muitos termos usados no futebol brasileiro foram deturpados. Temos como exemplos, futebol (foot-ball), gol (goal), time (team), golquipa (goal-keeper,) beque (back), refe (referee), craque (crack), turfe (turf), truque (truck.).
As palavras off-side e penalty, foram incorporados ao futebol, bem como os vocábulos goleiro, escanteio, centroavante e finta. Sem falar em inúmeros outros que foram incorporados à língua portuguesa e que não estão relacionados ao futebol: suéter, bife, vagão, rosbife, blefe e flerte. Há quem diga até, que a palavra forró surgiu quando a Great Western, para comemorar a inauguração de sua primeira estrada de ferro, promoveu um baile animado por sanfona e zabumba, colocando um cartaz escrito for all (para todos).
Também naquela época o Brasil encheu-se de nomes de ingleses ilustres como: Addison, Cromwell, Milton, Newton, Wellington, William, Walter, Gladstone, Spencer, Carlyle, Southey, Shakespeare, Earle Hamilton, Jack, Harvey, Herbert, Watson, Halley, Nelson, Elizabeth entre outros.
Esporte
Quando os primeiros clubes de futebol da cidade foram criados, os ingleses estavam presentes. Muitos funcionários da Great Western e da Western Telegraph praticavam esse esporte nos quintais de suas casas. Do entusiasmo desses homens, nasceu o Sport Club do Recife, o primeiro clube de futebol da cidade, fundado em 13 de maio de 1905.
Em 1919, já existiam no Recife pelo menos três clubes de origem inglesa: o Pernambuco Cricket Club, o Lawn Tennis Club e o Pernambuco British Club.
Em 1928, George Litlle, funcionário graduado da Great Western, e alguns de seus amigos criaram um clube de golf, denominado Pernambuco Golf Club.
Vestuário
A influência inglesa se fez sentir em certos hábitos: o uso do tecido tropical inglês, do linho diagonal branco - o Taylor & 120 - que não feria a pele do pescoço, da casimira, a gravatinha borboleta, os sapatos com polainas, os chapéus de palha, as bengalas, entre outros. No Recife, eram várias as casas comerciais que sugeriam, em seus nomes, a procedência inglesa - fossem ou não de propriedade de ingleses -, visando dar às mesmas maiores credibilidade e idéia de solidez. Entre elas, podem ser mencionadas as seguintes: Botica Inglesa, Sapataria Inglesa, Casa Black, Botina Inglesa e Alfaiataria Londres.
Alimentação
Na alimentação os ingleses influenciaram no hábito de tomar chá de forma prazerosa, consumido à tarde em reuniões sociais, daí o nome “Chá das cinco”. Também foi dos ingleses o hábito de beber cerveja e uísque. Os pratos mais conhecidos desta cozinha são: rosbife, cornish pastri (patê de carne com cebola e batata), grilled chops (costeletas na grelha) e shurt breads (biscoito).
Foi também um inglês que introduziu a carne de carneiro na culinária brasileira. Os brasileiros não tinham o hábito de consumir esta carne pelo fato de acreditarem ser “a carne do Cordeiro de Deus”.
Religião
A presença do protestantismo no Brasil ocorreu na primeira metade do século XIX. A primeira Igreja Anglicana criada no país teria sido na Bahia, em data anterior a 1921 e tinha por objetivos, além dos ofícios religiosos, dar apoio a comunidade inglesa estabelecida naquele estado, fortalecendo a união do grupo.
Música
Nos anos 60 e 70 grupos como Rolling Stones, Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd, Black Sabath, Deep Purple e outros tiverem forte influência na nossa música.
No final dos anos 70 e 80 surgiram vários estilos musicais, com destaque para o punk dos Sex Pistols e The Clash, o New Wave of British Heavy Metal com o Iron Maiden e outros.
Teatro
No teatro brasileiro a figura do inglês, principalmente do engenheiro inglês, madrugou em peças como “O inglês maquinista”, de Martim Pena, para logo tornar-se um dos assuntos mais freqüentes, na caricatura, nas pilhérias de rua e de café, nas fantasias de carnaval, no folclore e no anedotário picante.
Literatura
Nas academias de direito de Olinda e São Paulo os futuros doutores liam economia política em livros ingleses, fossem eles traduzidos ou originais. Dentre esses livros destacam-se Bentham e Stuart Mill.
Machado de Assis foi um dos autores que assimilou modelos britânicos de humor e de estilo que os irônicos acabaram chamando-o de “mulato inglês”, Àlvares de Azevedo inspirou-se em Byron, Silvio Romero aprendeu com Spencer e Euclides da Cunha assimilou alguma coisa de Carlyle.
Os livros ingleses quase só eram lidos por ingleses residentes no Brasil. Com a tradução de livros ingleses e a importação de artigos ingleses de uso doméstico, pessoal ou cotidiano, a cultura começou a se modificar no sentido sociológico. Os romances de Walter Scott: As Viagens de Gulliver, Robinson Crusoé, a Ilha do Tesouro, tem sido lidos e relidos em português ou inglês, por muito menino e por muito convalescente brasileiro.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a influência inglesa foi bastante marcante no Brasil. Este deve grande parte do seu progresso econômico e desenvolvimento cultural aos ingleses. Como também os ingleses devem ao Brasil os altos lucros que obtiveram com o comércio e todos os empreendimentos estabelecidos aqui.
Vimos que as primeiras fundições modernas, o primeiro cabo submarino, as primeiras estradas de ferro, os primeiros telégrafos, os primeiros bondes, as primeiras moendas de engenho moderno de açúcar, a primeira iluminação a gás, os primeiros barcos a vapor, as primeiras redes de esgotos, quase todas foram obras de inglês.
Como todo lugar que é influenciado por outras culturas, nós, brasileiros fomos bastante influenciados pelos costumes britânicos. Incorporamos modelos britânicos de vestuário, passamos a apreciar pratos típicos daquele país, a música brasileira também foi bastante influenciada pela música inglesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREYRE, Gilberto. INGLESES NO BRASIL; Aspectos da Influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. Univer Cidade Editora, 3ª Edição, Rio de Janeiro, ano 2000.
SITES
www.fundaj.gov.br