Pós-modernidade, Religião e Ética - Wilmar Luiz Barth

1. Contextualizando a pós-modernidade

A cada dia que passa o mundo evolui em direção à modernidade. Tudo se moderniza: das práticas culturais às políticas econômicas.

Com este crescente processo surgem diversos fatores, tais como urbanização, crise do mercado, protestos e lutas sociais, massificação do transporte, dos meios de comunicação, etc.

É um tempo de mudanças, inovações, diferenças.

O homem desenvolveu uma nova mentalidade, passando a ser neutro diante dessas diferenças, mas entendendo que tudo o que é novo é bom.

Presenciou tantas mudanças, tão rápidas e num tempo tão curto, que começa a não saber a que ater-se ou, o que é o mesmo, faz suas afirmações como “tudo vale”, “tanto faz” ou “as coisas mudaram”. E assim encontramo-nos com um bom profissional na sua especialidade, que conhece bem a tarefa que tem entre mãos, mas que fora desse contexto está à deriva, sem idéias claras, apegado – como está – a um mundo cheio de informação, que o distrai, mas que pouco a pouco o converte num homem superficial, indiferente, gerando nele um grande vazio moral.

Vale lembrar que, em todas as ocasiões, existem exceções. Porém, aqui estamos tratando da grande maioria das pessoas na sociedade em que vivemos.

2. O perfil “light” do homem pós-moderno

Segundo Enrique Rojas, os produtos “light” deram origem ao homem “light” e à vida “light”, pois tudo está sem calorias, sem gosto e desinteressante. Perdeu-se a essência das coisas.

O homem “light” se interessa por tudo, mas não se compromete com nada. Para ele, tudo é passageiro. Não existem desafios, nem esforço ou luta.

Embora esse homem seja atraente e divertido, é um ser vulnerável, vazio e superficial. Compra em excesso, querendo sempre possuir mais e mais.

Esse homem preocupa-se com o que está na moda e com o que é aceitável para a sociedade em que vive.

Ele é frio e descrente. O prazer, o dinheiro e os bens materiais estão acima do bem e do mal. Tudo é descartável, inclusive as pessoas e os relacionamentos.

Busca a fama, o sucesso, haja o que houver. Vive unicamente para si, é egoísta.

De acordo com Rojas, esse homem não é feliz. Com a forma em que vive sua vida, é totalmente suscetível à depressão, ao sofrimento, às crises existenciais, à solidão.

Segundo Hans Enzensberger, esse homem é um “analfabeto secundário”, que se deixa levar pelas trivialidades da mídia.

Para João Albano, esse homem não cultiva a mente, apenas seu corpo. Prefere gastar horas com malhação do que com uma boa leitura, a qual serviria apenas para combater o tédio de uma tarde de férias.

Esse homem pós-moderno vive cansado, frustrado, desanimado. Sua marca é a indefinição, a inconstância, a versatilidade. Está quase sempre estressado, pessimista, desencantado com o mundo e consigo mesmo.

Ele sonha com tranqüilidade, mas, ao mesmo tempo, quer tudo para hoje.

3. As ideologias da pós-modernidade

a) Materialismo: O indivíduo só é aceito na sociedade se possuir os critérios pré-estabelecidos por ela, tais como: ter muito dinheiro, carro do ano, roupas de grifes da moda, corpo escultural, entre outros. As pessoas não se importam mais com a essência dos outros, com a moral e o caráter. O que ele tem vale mais do que o que ele é.

b) Hedonismo: Obter prazer acima de tudo, a curto prazo e imediatamente, principalmente quando se trata de prazer sexual. Este prazer é passageiro, sem sentimentos ou compromisso, servindo apenas para suprir necessidades momentâneas. Cada pessoa pensa em sua satisfação, usando o outro enquanto obtiver esse prazer. Estamos na era do orgasmo. Não há laços, vínculos.

c) Permissivismo: Tudo é permitido e não há regras.

“Tudo é bom, desde que você se sinta bem!”

d) Relativismo: Tudo é relativo. Não há nada totalmente correto, nem nada totalmente errado, bom ou mau. O que importa é a opinião da maioria, é isso o que vale.

e) Consumismo: Quanto mais, melhor. Não há limites para novas aquisições. A pessoa vive para consumir, cada vez mais. Nunca está satisfeita. A sociedade torna-se fútil e quer sempre ter o que está na moda, adquirir novas tecnologias.

As propagandas criam falsas necessidades, fazendo com que as pessoas acreditem que precisam daqueles produtos, que ele são indispensáveis. Logo surgem outros mais modernos, e os antigos são descartados, mesmo em perfeito estado.

Qual a conseqüência disso? Vidas vazias.

4. A marca registrada do homem pós-moderno

* Pluralidade: Vivemos em uma sociedade onde tudo nos é oferecido, como um grande supermercado. Os meios de comunicação nos orientam como agir. Para tudo há opções. Podemos optar pelo o que quisermos. Nada mais é obrigatório. Não há padrões. Com isso, nossa cabeça vai mudando. Vamos nos tornando volúveis, inconstantes e superficiais. Trocamos facilmente de marcas, de gostos, de estilo. Isso acaba ocorrendo também com relacionamentos, afetos, doutrinas, idéias, valores, etc.

* Novidade: Inovações, coisas autênticas, diferentes, modernas. Para o homem pós-moderno é indispensável possuir sempre algo novo, tanto para partilhar, como para fazer.

* Individualidade: Tudo gira em torno de mim, e só tem valor enquanto for importante aos meus interesses. Egoísmo, egocentrismo.

* Racionalidade: Para compreender melhor a realidade e a essência das coisas, é necessário o uso da razão. A fé, a religião, os mitos vão se perdendo ao longo do tempo. Só acreditamos naquilo em que podemos provar e comprovar racionalmente ou cientificamente.

* Imersão no universo: O homem pós-moderno segue de acordo com os acontecimentos. Deixa seu barco correr com o fluxo da maré. Ele aceita tudo e se adapta, pois “acaba não resistindo” aos fatores da “globalização”. É mais fácil assim, do que se interpor aos fatos, ser do contra.

Ele não quer ser diferente dos outros. No fim, todo mundo acaba se transformando em uma massa homogênea, ou tenta de todas as formas se enquadrar nela.

5. O perfil positivo do homem pós-moderno

Ele é um homem autoconfiante, rodeado de possibilidades, de abundância e de direitos. Agraciado pela inovação técnica, científica e pela mudança social. É totalmente projetado para o futuro. Vive em vista do amanhã. Liberto de todo controle, aberto às novas experiências.

Esse homem se nega a sujeitar-se a uma ideologia.

6. A liberdade

O homem liberal é aberto, pluralista, transigente, tolerante. Cada um faz o que gosta e o que lhe dá prazer. O problema é que quando há liberdade demais, reina a indiferença à verdade. E, se não há uma verdade, tudo é passageiro, frágil e provisório.

7. Globalização e nova identidade

A cada dia o mundo vem perdendo suas fronteiras, vêem-se milhares e milhares de estrangeiros em todos os países. Passamos a conviver com a desterritorialização, com a diminuição dos valores, culturas e tradições.

A nova identidade que resulta desse processo é a do indivíduo isolado, exilado, alienado, descentrado, anônimo e impessoal. Ele perde suas bases de apoio, pois tudo foi deslocado. Dessa maneira, ele tem várias identidades que convivem em harmonia e muda as mesmas como muda de roupa.

8. Novas formas de relacionamento

Com o contínuo crescimento das tecnologias, o homem tende a se afastar do convívio social e a se comunicar com os outros por intermédio da internet, sites de relacionamento (Orkut, Facebook,...), Messenger, mensagens de texto, entre outros.

Estamos nos distanciando cada vez mais das pessoas, do olho no olho, do contato físico.

9. Secularização

A religião vem deixando de ser o aspecto cultural agregador, fazendo com que a sociedade não seja mais determinada por ela.

Muitas pessoas se dizem religiosas, mas não aderem a uma participação ativa nos serviços religiosos nem orientam os seus comportamentos e valores pela religião que afirmam seguir.

Na visão e compreensão do homem pós-moderno o centro do universo passa a ser ele mesmo. Deus e o mundo passam a fazer parte de um segundo plano.

10. A ética pós-moderna

A pós-modernidade alterou os valores morais. As bases do código de ética atual são o desejo pessoal de consumo, de aventura, de felicidade, de prazer. A idéia do bem estar individual é o valor fundamental dessa nova cultura.

A ética pós-moderna não tem motivação moral: ela continua individualista. Quer apenas combater os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Quer alcançar a autonomia egocêntrica contra a qual a descrição bíblica do pecado tanto adverte.

Esta nova sociedade não exclui a legislação repressiva e eficaz. Não propõe um caos moral, mas sim um compromisso fraco que não interfira na liberdade individual. É uma nova moralidade onde tudo é permitido, menos o dever incondicional e o sacrifício.

Mesmo percebendo a verdade de certas proposições éticas, históricas e sociais, o homem pós-moderno rejeita-as, porque não provém de sua própria formulação ou experiência. Assim como um adolescente, as verdades ensinadas somente serão assumidas pessoalmente na proporção da experiência e da verdade por elas reveladas.

De acordo com o professor de filosofia da Universidad Adventista del Plata, Raúl Kerbs, para compreender o quanto a moralidade pós-modernista tem afetado a vida ao nosso redor, podemos considerar duas listas típicas projetadas pelo pós-modernismo: uma composta de “deveres” e outra de “permissões” morais:

Lista 1: Deveres “morais” típicos da “ética” pós-modernista:

• Não censure discriminativamente qualquer estilo de vida.

• Assista a concertos beneficentes em prol de programas de caridade.

• Disque um número para fazer um donativo.

• Afixe uma legenda anti-racial no pára-brisa de seu automóvel.

• Participe de uma marcha contra alguma injustiça.

• Inscreva-se numa maratona próvida saudável.

• Use preservativos.

• Proíba a proibição (cada um deveria ser livre para governar sua própria vida).

• Use uma fita de protesto contra a discriminação de homossexuais.

• Seja um ecologista.

• Doe os órgãos de seu corpo.

• Cuide de seu ambiente de trabalho para impedir assédio sexual.

• Seja fiel (enquanto o amor durar, mas depois...).

• Condene qualquer forma de violência.

• Não tente converter alguém para outra religião.

Lista 2: Permissões “morais” típicas:

• Permita a liberdade sexual, mas sem assédio. Cuidado com a AIDS.

• A corrupção é melhor do que o rótulo de estúpido.

• Fume, mas não na seção de não fumantes.

• Não se comprometa com regras, pessoas ou causas que interfiram em sua realização pessoal.

• A prostituição é permitida, mas só em área previamente destinada.

• Mentir está certo, mas somente durante uma campanha política.

• Divórcio está bem, mas somente para o atingimento de realização pessoal.

• Infidelidade não é condenável; só quando o amor desapareceu.

• Aborto é permitido, mas somente para favorecer o planejamento familiar.

• Tente tudo na procura de realização pessoal.

• Adapte a religião ao compromisso que a pessoa queira fazer.

• Beba, mas não em excesso.

• Obtenha sucesso, fama e dinheiro à custa de outrem.

• Divirta-se e não se preocupe com o futuro.

11. O “boom” religioso pós-moderno

“O retorno ao sagrado, ao esotérico, ao demoníaco e o culto ao mal são fenômenos da pós-modernidade. Formas religiosas e crendices consideradas ultrapassadas e infantis retornaram com novas forças e novos ares. Pelas avenidas, bairros, nas cidades e mesmo em pequenas cidades do interior, se vêem símbolos, ritos, imagens, pessoas e igrejas de credos diferentes. Há situações, algumas engraçadas e outras conflitivas, nas quais numa mesma família se encontram vários credos e tendências religiosas.”

Na verdade, o que existe é a formação do “coquetel religioso”. O homem pós-moderno vive a religião “à la carte”, de tipo “selfservice”, numa mistura de vários aspectos que mais interessam e satisfazem as exigências e necessidades momentâneas. Na busca do sentido da vida, cria-se o deus e a religião pessoal, conforme se observa no título do livro do teólogo cristão Walter Kasper: “Jesus Cristo sim, Igreja não”.

O “boom” religioso revela isto: seitas, cultos, esoterismos, filosofias orientais, yoga, etc., num verdadeiro “misticismo difuso e eclético”, onde se vive a preferência religiosa e o “suave consumismo religioso”. A razão disso se encontra também no fato de o sagrado ter-se libertado do domínio da religião, isso é, qualquer pessoa pode atribuir-se o título de “bispo”, missionário e oferecer o serviço religioso como qualquer serviço de teleentrega rápida e soluções milagrosas.

O homem moderno não serve a Deus, mas se faz servir dele. Culto e Igreja, na medida do necessário e “quando sobra um tempinho”. A fidelidade a uma única Igreja e a uma única visão de Deus são prejudiciais, pois, segundo o homem moderno, há outras facetas e aspectos que devem ser privilegiados e que uma única religião não completa. Assim, da missa de domingo se passa para o centro espírita de terça-feira, para a leitura e meditação da palavra de Deus no culto evangélico de quarta à noite, para o terreiro de umbanda de sexta-feira e para a fazenda budista de sábado.

A Religião virou um comércio, onde o homem experimenta de tudo um pouco, mas não se estabelece a uma.

12. Pistas de Ação

Para o autor, o homem só poderá se sentir completo, realizado e feliz se ele se esforçar em seguir os passos abaixo: lutar e vencer a vida light; ocupar bem o tempo livre; retornar a um humanismo coerente, comprometido com os valores; buscar a informação sem renunciar à formação; ter uma educação sentimental e um “norte moral”; se comprometer com o futuro; cultivar a solidão, como espaço de encontro consigo mesmo; aprender a administrar o conhecimento; escapar dos falsos absolutos, da idolatria do sexo, do dinheiro, do poder ou do sucesso; recuperar a festa sem renunciar ao compromisso; reconciliar-se com o corpo sem perder o espírito; aceitar o lucro sem renunciar a gratidão; educar para o diálogo como alternativa à intolerância e ao relativismo; ensinar a viver o permanente em meio ao passageiro; buscar a fé verdadeira e autêntica e construir laços.

Dindhy
Enviado por Dindhy em 07/09/2010
Reeditado em 07/09/2010
Código do texto: T2483141
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